quarta-feira, fevereiro 12, 2020

António Cluny e o questionário de Proust

Público de hoje, um questionário com perguntas e respostas rápidas elaborado por António Cluny, magistrado do MºPº, antigo dirigente sindical, um dos maiores lutadores do MºPº pela consagração constitucional da autonomia dessa magistratura. Externa e por inerência interna.

Agora pensa assim, depois de ter deixado bem explícito o seu apoio a um Albano Pinto, no caso de Tancos. Condicionado apenas a uma pequena dúvida ( saber se as ordens devem ou não constar dos processos formais ao que entendeu que sim) e retirando ipso facto meio tapete a um Albano Pinto, apagado nesta polémica e apoucado publicamente pelo que se tem vindo a saber. Devia já ter apresentado a demissão do DCIAP...

Hoje no Público é um regalo de tartufice ambulante, comparando com o currículo do passado. Leia-se:


Todas as perguntas e respostas omitem algo substancial e que Cluny deixa na sombra, a saber: é admissível legalmente que um procurador do MºPº superior hierárquico de outro( e hoje há os procuradores coordenadores e depois os procuradores gerais regionais antes de chegar ao topo da PGR)  dê uma ordem concreta num processo concreto, independentemente do modo como o faz?

Qual a resposta implícita de Cluny a esta pergunta óbvia que evitou fazer a si mesmo para não ter que lhe responder? É um inequívoco sim? Parece. Parece, mas devia antes ser esta: não, não é legalmente admissível que um procurador coordenador dê uma ordem concreta dirigida a um processo concreto da titularidade de outro procurador seu inferior hierárquico. Fora dos casos previstos no CPP, evidentemente. Não gosta do modo como o processo está a ser conduzido? Quer mesmo dar ordens? Avoca o processo e dá as ordens que quiser, escrevendo ele mesmo em vez de ordenar recados e ninguém lhe pode levar a mal ou criticar por isso, à partida.

Quando se presume que um superior hierárquico só por o ser sabe mais e melhor que o titular de um processo ou tem um mandato privilegiado para representar o MºPº está a olvidar-se que um procurador é um magistrado e um órgão da instituição e não um funcionário a quem se pode dar ordens como outros funcionários públicos.
É isto que certa hierarquia nunca entendeu.

Era esta resposta que devia dar. E depois as outras poderia resumi-las numa pergunta e numa única resposta: desde que o faça por escrito no seio do processo em causa.

O que faz então Cluny neste questionário proustiano em que se revela a si mesmo?

Anda à roda do assunto. A directiva não põe em causa a autonomia e afinal tudo isto era já prática corrente e patati patata. PATETA, efectivamente.

Cluny deve andar muito distraído no seu lugar de muitíssimo que fazer no Eurojust para não se dar conta que havia e há procuradores coordenadores por esse país fora- e são mais de duas dúzias- que dão ordens a subordinados por escrito, através de um sistema interno chamado SIMP, fora dos processos e para serem seguidas como doutrina, sob pena de procedimento disciplinar. O CSMP nunca fez caso disso, apesar de ter sido alertado para tal.

Alias, fez caso disso: para instaurar inquéritos disciplinares aos prevaricadores...

Mais: o MºPº no tempo de Joana Marques Vidal tinha teoricamente agendada uma ocasião para tratar do assunto. Só que nunca chegou a maré ou oportunidade.
E tudo corria bem, sem ondas de maior porque quem está na mó de baixo sofre as consequências da opressão da de cima, como é natural. E se se queixar leva com mais carga em cima até se calar.

É este o problema das ordens hierárquicas que ofendem de facto e realmente a autonomia dos magistrados do MºPº. A interna e a externa, como explicou muito bem o professor Luís Fábrica que Cluny não deve ter tido tempo de ouvir.

Portanto, bem haja mais uma vez o SMMP, antigo sítio onde António Cluny fez carreira de mérito e que já esqueceu, por ter colocado os pontos nos ii desta polémica mais séria do que parece.

O problema, como agora toda a gente anda a papaguear, até o presidente da República que se pronunciou agora quando antes tinha dito que aguardava a decisão dos tribunais, não é o das ordens ficarem a constar dos processos.

O problema é o das ordens em si mesmas!

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