Daqui:
A) 2000
I) A Quinta do Ambrósio foi vendida por 1,072 milhões de euros (cerca de 215 mil contos), em Novembro de 2000
II) Os terrenos da Quinta do Ambrósio estavam abrangidos pela RAN e como tal neles não se podia construir.
III) A vendedora foi representada no negócio pelo advogado Laureano Gonçalves
B) 2001I) A Quinta do Ambrósio sai da RAN e foi vendida por quatro milhões de euros (800 mil contos)
C) 2012
O crime de burla assenta em pressupostos substantivos cuja realização por vezes se torna difícil comprovar e muito mais em julgamento. É essencial que se demonstre factualmente a existência de um artifício que leve alguém a ser enganado e prejudicado por isso. Obviamente um artifício prévio, um engenho para enganar e ludibriar, causando prejuízo.
Habitualmente o senso comum diz-nos algo sobres os artifícios e os enganos. Basicamente, se alguém se predispõe a comprar um terreno a outrém, por determinado valor, sabendo que é um valor relativamente baixo por conhecer uma qualidade do terreno que o valoriza e só o comprador o sabe, não há engano, necessariamente, que consista numa burla criminal.
Se alguém compra o mesmo terreno com o fito de o valorizar posteriormente e conta já com o apoio de um grupo de pessoas capazes de o fazerem, e que realmente o fazem, este engano provocado intencionalmente ao vendedor é do âmbito da burla criminal?
É este o problema em causa que aliás é o mesmo que o problema Duarte Lima. Aliás, neste caso, os elementos para a burla ainda são mais escassos.
Assim, se há um grupo de pessoas com poder e influência, directamente relacionados com os organismos competentes para alterar a qualificação de um terreno, passando-o de agrícola a urbanizável em dois tempos e organiza um negócio com esse fito em mente e que realiza, quem é que sai enganado após o negócio realizado?
Os vendedores? Só se o terreno viesse efectivamente a ser tornado urbanizável, também em dois tempos e independentemente da vontade daquele grupo. Portanto, no caso não me parece que tenham sido burlados.
Quem foi efectivamente burlado foi o erário público e a confiança nas instituições, porque o que se comprova no caso, mesmo sem sentença transitada em julgado, é que existiu um grupo, uma associação de indivíduos que se organizaram para realizar um negócio em que tomariam conta de um terreno agrícola, passando-o a urbano e revendendo-o por isso mesmo a entidades que também dominam e que assim pagaram o que de outro modo não pagariam.
O prejuízo é evidente e os ludibriados também: todos nós.
Sendo assim, espera-se que a sentença seja revogada pela Relação e eventualmente o STJ a confirme. Daqui a uns anos, mas menos do que antes costumava ser. É que esta justiça penal, ao contrário do que muitos pensam, não tem sido tão lenta quanto isso.
Valentim ganhou apenas uma batalha.
Neste caso, a Justiça pode muito bem dizer para o Ambrósio: "apetecia-me algo".