O Público de hoje traz um apontamento de reportagem da autoria de Ana Cristina Pereira sobre o caso singular de uma cigana de treze anos que vive num acampamento e não quer frequentar a escola por estar grávida.
A Gracinda, cigana, engravidou com treze anos, “vive numa barraca com um rapaz com quem partilha a vida” , três anos mais velho, no lugar das Alminhas e por essas circunstâncias deixou de ir à escola.
A escola por tal facto “sinalizou” a ausência e o absentismo junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens local.
A CPCJ contactou a Gracinda e “os progenitores” e tiveram uma nega. A Gracinda recusa-se terminantemente a ir à escola. A CPCJ, como é norma em casos que tais, participou o caso "sinalizado" ao Ministério Público local. Feitas as diligências da praxe o MºPº arquivou o processo administrativo por não haver nada a fazer que o Estado judicial possa fazer.
A Escola quer que a Gracinda vá. O director da Escola, imbuído do sentimento de protecção que a lei lhe confere, por ter decretado no ano 2010 a obrigatoriedade do ensino até aos 18 anos, insiste para que a Gracinda seja obrigada a frequentar a Escola. Os pais encolhem os ombros e o professor Luís, da Escola inclusiva, não desarma e queixa-se agora da decisão do Ministério Público local que entendeu arquivar o procedimento administrativo tendente a obter uma “medida de protecção” para a Gracinda, por considerar que a situação de risco potencial não se verificava no caso concreto e que a atitude de recusa recalcitrante da Gracinda tornaria inútil qualquer medida de protecção que a obrigasse a frequentar o ensino.
Obviamente que as medidas de protecção são para isso mesmo, proteger o menor. Obrigar a Gracinda a ir à escola contra sua vontade seria o mesmo que obrigar um aluno a estudar. Dantes havia reguadas, palmatórias, castigos, exemplos morais, incentivos materiais e conveniências sociais. Agora há a lei, a ética associada e nada mais. A lei contradiz-se mas o espírito jacobino não.
No meio da Gracinda, um acampamento permanente de “nómadas” ( era assim que no tempo do Governador Vasconcelos se chamava em Braga aos ciganos), tais medidas ou incentivos teriam um efeito nulo. Frequentar a escola, a Gracinda ainda poderia frequentar, para descanso do professor Luís, da Escola inclusiva. O resto, porém, é que não seria tão certo, como é certo que uma boa parte dos menores que estudam nessas circunstâncias andam a perder o tempo se este pudesse ser aproveitado noutras tarefas.
A convicção do professor Luís, porém, é inabalável: “uma criança grávida, a viver num acampamento, a falta às aulas; se isto não é risco, não sei o que é risco.”
O risco, professor Luís da Escola inclusiva, também pode ser este: uma criança grávida, a frequentar a escola, sem interesse algum e só aí permanecendo por força de uma coercividade administrativa imposta pelo Estado pode conduzir a um risco maior para o bebé em gestação…
Não obstante, a questão de fundo e que determina este escrito é outra: para além da imposição legal que tem de entender-se meramente programática como o são todas as normas da Constituição que consagram direitos que legitimidade ou autoridade moral pode subjazer a uma legislação que impõe a “obrigatoriedade escolar” a menores cujos pais não querem que os filhos estudem? Que “moral” subjaz a tais princípios? A jacobina, evidentemente. Sufragada por quem?
Os ciganos, já o sabemos, têm costumes diferentes dos demais cidadãos e casam muito cedo. Isso não é um risco também para os menores? E o que faz a sociedade para evitar tal risco? Obriga-os a frequentar a Escola para lhes dar formação cívica de cariz sexual?
Politicamente, a sociedade que entende que deve educar as pessoas segundo padrões que aplainam e eliminam a liberdade individual, aproxima-se dos sistemas totalitários. Com a agravante de pretender substituir-se aos pais que têm o estrito dever de educar os filhos.
Professor Luís, da Escola inclusiva, já pensou nisso alguma vez?
Além disso, para que serve a Escola? Para dar emprego aos professores Luís da Escola inclusiva ou para contribuir para a transmissão de conhecimentos? E se esses conhecimentos não são bem transmitidos, por diversas razões que seria fastidioso enunciar, tal não contribui muitíssimo mais para colocar em “risco” a educação” dos menores que querem frequentar a mesma Escola?
E sobre isso que fazem os professores Luís? Participam às Comissões de protecção de crianças e jovens e ao Ministério Público que a Escola inclusiva onde se encontram é um sítio de incompetentes que coloca em risco sério a educação das crianças que aí andam?
As razões do professor Luís da Escola inclusiva atêm-se à abstenção do Ministério Público local em intervir. Para o professor Luís, o Ministério Público, perante uma situação de risco como aquela deveria propor ao tribunal a adopção de medidas de protecção que obrigassem efectivamente a menor Gracinda a frequentar a sua Escola inclusiva porque a lei assim o determina positivamente ao obrigar à frequência do ensino até aos 18 anos.
Outra lei, menos jacobina, autoriza que as crianças a partir dos 16 anos possam trabalhar por conta de outrem.
O professor Luís, da Escola inclusiva, já pensou em pedir a inconstitucionalidade dessa lei que o impede de obrigar um jovem de 16 anos a frequentar a escola se quiser trabalhar?
Nota: conheço o professor Luís Braga por quem tenho consideração e apreço pessoal e a quem reconheço valor e competência. Assim, o texto deve ser lido nesse contexto.