quinta-feira, maio 17, 2012

A Cornélia revisitada


Na morte recente de duas figuras mais ou menos públicas o destaque  mediático conferido merece alguma atenção.
Primeiro Fernando Lopes, o cineasta de filmes portugueses e amigo de outros cineastas de filmes ainda mais estrangeiros, cujo público nunca os compreendeu de modo a frequentar as salas e aplaudir as obras, mas que influenciou cineastas da nova geração cujos filmes um dia destes poderão ganhar prémios e serem reconhecidos como obras-primas.Nessa altura se verá mas já passaram muitos anos para se poder ver alguma coisa.
Fernando Lopes chegou a Lisboa em 1939, vindo de Alvaiázere e do campo agrícola. Gostava de futebol  e acabou como dactilógrafo na RTP, tendo evoluído até ser director ( e bom director) da RTP2 . Antes de 25 de Abril de 74 realizou filmes caseiros, digamos assim. Conheceu outros cineastas nos anos sessenta, em litígio intelectual com o regime de então.  Maio de 1968 andava muito perto deles e de  António Cunha Teles, Paulo Rocha, Fonseca e Costa, António Macedo, Alberto Seixas- Santos, António-Pedro Vasconcelos e João César Monteiro, além de Augusto Cabrita.
Por causa disto um dos obituários que procurei ler foi este, no Sol da semana que passou, da autoria de António-Pedro Vasconcelos, outro "cross-over" capaz de se equilibrar bem nessa linha invisível que divide opções ideológicas.  O escrito não brilha por aí além mas permite ler o essencial: foram eles quem fizeram o Cinéfilo que  me encantava em finais de 1973. E isso chega para me inclinar na homenagem.
É sabido que Vasco Pulido Valente era um dos seus amigos do Gambrinus, como o seria Maria João Seixas, com quem casou.  E como o seria um João Martins Pereira, o marxista intelectualizado , também falecido há pouco e que ainda hoje inspira o Bloco de Esquerda.
Quem fala em Maria João Seixas , antiga jornalista, lembrará necessariamente um percurso televisivo num concurso que se chamava A Visita daCornélia, em 1977, um modelo de concurso bem montado, com originalidade qb, sempre com motivos de interesse e a anos-luz do que se faz hoje no fast-food televiseiro dos modelos importados e com direitos de autor a pagar no estrangeiro, com muitas luzinhas e apresentadoras, aliás dessas mesmas boas famílias da esquerda, a ganhar 30 mil euros por mês ( Catarina Furtado, filha de outro jornalista do mesmo grupo ideológico).

Nessa época,  Portugal era um sítio pequenino que havia em Lisboa, onde todos se conheciam  e assim reunia todas essas personagens mais umas tantas: Raul Calado, Paulo Renato, Maria Leonor, Luís de Sttau Monteiro, Fernando Assis Pacheco, Gonçalo Lucena, Tozé Martinho, José Fanha ( "eu sou português aqui e agora!") Tó e Clarisse, Pitum ( o arquitecto com uma família tipo Música no Coração) etc. etc.  foram personagens da Visita da tal Cornélia. Carlos Cruz não andou por aqui mas poderia ter andado porque o Zip-Zip foi o percursor desse tipo de programa televisivo e o meio incluía toda essa gente.
O Portugal de 1977 era um sítio pequenino onde só cabiam jornalistas, radialistas, cineastas, artistas de variedades e de teatro.  Eram estes que apoiavam nos media os políticos de então, numa altura em que Portugal, sítio de Lisboa, andava de mão estendida à caridade do FMI e as importações eram mais restringidas do que o bacalhau de cura amarela, por causa da depreciação galopante do escudo de então.
Quem promovia todos estes artistas das variedades, incluindo as políticas, eram os media que havia.  Nas variedades o destaque ia todo para o Sete, jornal semanal saído de O Jornal, cujo corpo redactorial se poderia juntar àqueles nomes por afinidade e idiossincrasia.Aliás, o Jornal de Letras cuja capa se publica é dirigido por...José Carlos de Vasconcelos, um jornalista da família de esquerda soft, primeiro responsável pelo O Jornal, em 1975. Para se ver melhor quem são os membros da família alargada nada melhor aliás que ler o corpo redactorial e de colaboradores desse "jornal de letras, artes e ideias", sempre à esquerda porque a direita não tem letras artes ou ideias.
Mais ou menos por esse tempo ( início dos anos oitenta) aquele mesmo Cruz chegou a dizer ao tal jornal- o Sete- que se sentia capaz de ser... presidente da República! Dá para ver o sítio que Portugal era. Será que mudou assim tanto ou...piorou ainda mais?

O Expresso era então uma espécie de sítio paralelo do Portugal daqueles, alternando o Pabe com a sala pequena do Gambrinus e onde se reunia outro tipo de mentalidade um pouco menos à esquerda que funcionava como cross-over, como ponte de ligação entre aqueles personagens saídos do marxismo aprendido à pressa  nas afinidades electivas ou mastigado  a preceito por instigação do ar do tempo.  O Expresso era apenas social-democrata e tal chegava para se associar à maçonaria na amálgama que herdamos nos media e não só.
E quem eram os políticos associados naquele sítio pequenino que era o Portugal desses anos? O maior deles todos era Mário Soares, o verdadeiro  vencedor do 25 de Novembro.  Soares foi até finais dos setenta a alternativa de Esquerda ao Álvaro leninista que metia medo a muitos.  A extrema-esquerda só por acaso se chegava a eles. 
Mário Soares tem o estatuto que tem, ganhou as eleições que ganhou por causa dessa gente. E retribuiu-lhes em grande e à francesa. É ver quantos aviões fretados à Tap transportaram jornalistas e pessoas de bem para paragens longínquas como as Antilhas ou as Galápagos nos bons velhos tempos do dinheiro da CEE e  por conta de todos nós.
A direita de um Rui Guedes  ( um dos concursantes da Cornélia e pianista, por sinal) não existia e era sempre olhada com  um soslaio sobranceiro e superiorizado pelo número de votos.
 No dealbar do 25 de Abril de 1974 foram esses e mais alguns, poucos,  os intelectuais que se afirmaram no novo regime e o moldaram naquilo que temos. Havia os comunistas leninistas, subjugados pela canga do “partido” e recolhidos nos órgãos partidários a que tinham direito e os da extrema-esquerda que principalmente cantavam “contra a burguesia”.  Esses contaram muito- antes do 25 de Abril. Depois, contaram apenas aos militantes o que seria uma luta contra a burguesia , de armas na mão. Deixaram de contar mas o conto que contaram conta muito ainda hoje.
“E assim se passaram anos, muitos anos e enganos. Anos muitos anos e danos, anos danos e enganos”, na escrita cantada de António Avelar Pinho, um outro dos intelectuais malditos, da Banda do Casaco desses mesmos anos . António Pinho não fazia parte do grupo dos cornélios nem dos cantautores da extrema-esquerda panfletária e por isso foi marginalizado pelos bem-pensantes dos media. E no entanto o génio dele supera em muito o de quase todos os que agora se incensam.

A segunda morte com destaque mediático desmedido é a de Bernardo Sassetti, um pianista de jazz cujos méritos são os de um artista de nicho. Porquê então o destaque mediático?
Pela mesmíssima razão dada ao cineasta Fernando Lopes. Sassetti era de boas famílias, desse pequeno sítio que ainda é Portugal depois destes anos todos que passam por uma geração inteira e que não muda de lugar porque radicou em Lisboa.
Antes de 25 de Abril de 74, a firma da família, Guilda- Sassetti  deu acolhimento a um intelectual comunista, Fernando Lopes Graça e aos cantautores da extrema- esquerda revolucionária, os Josés Jorges Letrias ( “só de punho erguido a canção terá sentido”, cantava nessa altura) , Sérgios Godinhos  ( Ó meu caro vamos lá por os pontos nos iis…de quem são os campos deste país?” e Josés Mários Brancos ( “ a cantiga é uma arma…contra quem, camaradas?").  

 










(As imagens são de dois números da revista Mundo da Canção, de 1971)
É assim naturalíssimo que Portugal , sítio de Lisboa, se comova mediaticamente com um destaque deste género.Praticamente nenhuma revista das actualidades caseiras desse sítio que Portugal ainda continua a ser se esqueceu de fazer capa com a tragédia da morte de um indivíduo aos 41 anos, com família e amigos. 
Mas não foi apenas por isso. O que conta, afinal de contas, ainda continua a ser a velha história das visitas da  Cornélia. Tal como nos anos setenta, são todos família.

E para dizer a verdade também gostava dessa família, quando faziam espectáculos. Não havia outra...

20 comentários:

zazie disse...

Certeiro, José.

Mas prepare-se que vão crucificá-lo.

zazie disse...

Este foi dos posts mais iconoclastas que me lembro que o José tenha escrito.

E o título... está tramado. Se fosse público não se safava de ovos e outros objectos mais contundentes.

josé disse...

Mas olhe que até simpatizo com essa família. Porque não temos outra, infelizmente.

O António Pinho não conta porque sempre o marginalizaram. E foi dos melhores músicos que tivemos nessa altura.
Mas não era de esquerda...

O que me chateia é o unanimismo cultural e os tiques que se replicam.

É isso que faz de nós o que somos enquanto colectivo: um atraso de vida.

zazie disse...

Pois é isso mesmo.

Mas prepare-se porque a aldeia não perdoa

zazie disse...

Até admira ainda não ter aparecido o arameco aos pulos.

josé disse...

Moi...je suis le fou du village.

zazie disse...

E aluado, para parecer artista.

(não me estou a referir ao José ahahaha)

Wegie disse...

Estas a esquecer a Cidadela dos Alarcão Júdice, Nogueira Pinto, et al...

josé disse...

E quantas divisões tinham essas figuras pequenas do nosso espectro político?

Foi assim que Estaline perguntou em relação ao Papa da época...

josé disse...

Além disso o tempo veio a demonstrar que eram apenas uns farsantes.

Wegie disse...

E tb havia aqueles que iam aos cházinhos do D. Duarte de Bragança em S.Marcos. Agora são comentadores do Blasfémias e do Arroja.

Floribundus disse...

eu que nunca fui fascista fui grande vítima desta revolução de inveja e ódio.
se for necessário cuspo na focinheira desta escumalha que destruiu o país e me fez a vida negra.
submetia-os a todos à medieval tortura da 'merda em boca' e depois empalava-os.

o soba do Campo Grande foi o inútil que deu a primeira grande machadada na economia com juros de 40% à cabeça.

a gaga gágá ficou viúva- marradas cornelianas. a tourada continua

Wegie disse...

Por falar em segredo de justiça: Os 4 tipos que foram constituídos arguidos no âmbito do processo de lavagem de dinheiro (denunciados pelo Duarte Lima) são todos do PSD. Amanhã a Cabrita conta.

Wegie disse...

Coitado do Floribundo. Está explicada a pancada.

josé disse...

Tanto quanto julgo saber pelos jornais a única burla verdadeira que pode ser imputada ao Lima é a que o mesmo pregou ao sócio, advogado no Porto. Uma burla em grande!

O resto quanto a mim é quase nada em termos criminais. Insuficiente para medidas de coacção de prisão preventiva. Mas não li o processo...e confio em quem o leu.

Wegie disse...

O Vítor Raposo, ex-deputado do PSD foi preso.

Carlos disse...

Gostei deste "post".
Quanto ao símbolo de representação da direita neste panorama, está bem entregue ao "Topo Gígio", artista de qualidades várias.

josé disse...

Pois mas a vítima da verdadeira burla foi ele.

zazie disse...

ahahaha

Já percebi o motivo pelo qual o post nem teve tanta contestação.

É um post contra a mourama

":O)))))))

hajapachorra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

O Público activista e relapso