domingo, março 10, 2013

Os filhos do zip zip são outros...

Os filhos do zip-zip são os que herdaram o ideário dos mais velhos, vindos do Maio de 68. O Zip-Zip, um programa de tv como não havia na época copiava modelos estrangeiros, evidentemente. Mas o conteúdo, esse, era bem nacional e situado na fronteira do permissível numa época de guerra ultramarina e ainda de censura  e repressão política feroz aos esquerdistas comunistas e cripto-comunistas.
Os zips eram naturalmente contra o regime que tal assumia. E o regime tolerava essa oposição até um certo ponto. O programa que durou meia dúzia de meses anunciava-se como uma lufada de ar fresco no bafio das tradições televisivas e culturais correntes e em 1969 era de facto uma "lança em África". 1969 é o ano de Woodstock, talvez o ano mais produtivo da música popular de expressão anglo-saxónica, em termos qualitativos puros e por cá recebíamos esses ecos, em certos programas de rádio e revistas avulsas, importadas. Em Órbita, por exemplo, já existia desde 1965, no rádio,  e foi um dos melhores programas de sempre nesse media. Em Portugal, pelo menos desde 1965, quem queria conhecer as novidades musicais anglo-saxónicas, da melhor qualidade, poderia fazê-lo ouvindo esse programa. Os do zip zip, obviamente conheciam-no ( Cândido Mota foi um dos apresentadores iniciais do programa), tal como conheciam outras paragens culturais que em Portugal não estavam vedadas apesar da censura e daquilo que agora nos querem fazer crer os fósseis do costume.
A Flama de 18 de Julho de 1969 consagrava a capa ao programa que já tinha alguns meses de experiência ( começara em Maio).
No interior dedicava várias páginas ao "processo do zip zip", com reportagem e entrevistas a indivíduos de esquerda notória ( Mário Castrim, por exemplo, um crítico de tv, comunista, do Diário de Lisboa) e José Jorge Letria, o arrependido cantautor que antes do 25 de Abril cantava o "boi ascensional" e logo a seguir assegurava que "só de punho erguido a canção terá sentido".  E outros...

Portanto em Portugal nesses anos de início da década de setenta, o panorama social político e económico pode ser observado pela rama das notícias e comentários através da imprensa da época e há artigos, fotos e reportagens que nos trazem o perfume do tempo.
Por exemplo esta imagem da Flama de 11 de Setembro de 1970  em que se mostra o nordeste transmontano e alguns "filhos do zip zip", crianças que vigiam gado, num trabalho hoje entendido como maus tratos...

Ou esta da mesma revista, de 14 de Agosto de 1970 em que se mostra o desenvolvimento dos subúrbios de Lisboa, com as grandes construções imobiliárias da época, muito criticadas na revista por diversas razões.
Ao mesmo tempo que o panorama musical português, mediatizado, andava sempre à volta de um festival anual da canção e de um outro da Eurovisão, havia mais música para além dessa e educação musical escolar que hoje não há do mesmo modo.
 A Flama de 26 de Março de 1971 mostrava dois coros de estabelecimentos de ensino oficial, secundário, que ganharam prémios em concursos. Onde é que se vê ou ouve disto, hoje, nas escolas secundárias? Era sintoma de atraso cultural, isto?

Em 18 de Agosto de 1972 a revista Observador- relativamente à qual já escrevi que ninguém que pretenda fazer a História daqueles anos pode ignorar sob pena de perder um manancial de informação preciosa e esquecida- publicava uma reportagem sobre a Arte na Rua em Viana do Castelo. Era uma espécie de certame anual, por altura das festas da cidade e que consistia na mostra dos artistas locais e não só que pintavam e assim vendiam o que produziam. Hoje há disto? Seria sintoma de atraso cultural, ó fósseis?


Politicamente o ambiente em Portugal nessa época era de ausência de liberdade democrática. O partido comunista e mesmo o socialista que ainda nem existia mas era marxista ( só meteu o marxismo na gaveta depois e bem depois do 25 de Abril de 74...) eram proibidos de existirem publicamente. O regime não deixava. Ainda assim, havia eleições ( sem aqueles, claro) e oposição democrática. E os jornais reflectiam isso, como se pode ler pelo Diário Popular de 2 de Outubro de 1973:

A revista Observador de 6 de Outubro de 1972 trazia uma reportagem desenvolvida sobre a nossa "investigação". João Salgueiro foi ouvido.

Culturalmente, o panorama em 1973 não era tão negro quanto os fósseis pretendem fazer crer os ignorantes.
O Diário Popular de 7 de Junho de 1973 apresentava às Quintas-Feiras um suplemento de luxo que hoje os jornais nem têm.

E se culturalmente o panorama era esse, incluía também a esquerda do zip, como se pode ler pelo suplemento A Mosca, do Diário de Lisboa de 8 de Dezembro de 1973, com uma redacção de uma tal "guidinha".


Mas o que melhor pode exemplificar o que eram certos costumes que se perderam com o tempo que entretanto passou é esta meia página  do Diário Popular, de 15 de Agosto de 1971, com a descrição de uma miséria social dos bairros da lata em Lisboa e uma pequena carta ao director que merece ser lida para se poder verificar como a ética médica se modificou...



Questuber! Mais um escândalo!