Jornal i de hoje:
O governo de Passos Coelho decidiu entregar no final do ano passado ao
Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa a
documentação do Conselho de Ministros relacionada com um decreto-lei
sobre as farmácias. Este processo legislativo esteve sob suspeita de
tráfico de influências no âmbito do processo Face Oculta, mas acabou por
ser arquivada a 30 de Setembro de 2010 pelo departamento liderado pela
procuradora-geral adjunta Maria José Morgado. A chegada dessa nova
documentação obrigou a 9.ª Secção do DIAP de Lisboa a avaliar a
reabertura da investigação.
As suspeitas originais tinham como ponto de partida as escutas
telefónicas entre João Cordeiro, presidente da Associação Nacional de
Farmácias (ANF), e Armando Vara, então vice-presidente do BCP e amigo
próximo do então primeiro-ministro José Sócrates, realizadas entre 28 de
Junho e 23 de Agosto de 2009. Nas mesmas, o presidente da ANF
pressionou Vara a pedir ao amigo José Sócrates que fosse aprovado em
Conselho de Ministros uma lei que repusesse a margem de lucro das
farmácias em 20%. Uma alteração que veio a acontecer no início de Março
de 2010, cinco anos depois de o ex-ministro da Saúde António Correia de
Campos ter reduzido para 18,25% a margem de lucro.
Outros casos Meses
antes tinha sido divulgado outro alegado favorecimento do executivo à
ANF. Nesse caso, novas escutas telefónicas, feitas também no âmbito do
Face Oculta, revelavam que o governo tinha alterado um decreto-lei sobre
a concessão a privados das farmácias hospitalares a pedido do
presidente da ANF e nos termos em que este pretendia, já após a sua
aprovação em Conselho de Ministros.
Um dos apensos do processo Face Oculta é exclusivamente sobre a lei das
farmácias e contém o resumo das conversas entre Armando Vara, Lopes
Barreira, consultor e seu amigo, e Mota Andrade, deputado do PS. Sobre
este assunto as autoridades encontraram ainda, na sequência das buscas
domiciliárias realizadas, mais documentação na casa do
ex-vice-presidente do BCP.
O Face Oculta é um mega-processo relacionado com alegados casos de
corrupção e outros crimes económicos de um grupo empresarial de Ovar -
ligado ao sector dos resíduos industriais e sucatas - com dezenas de
arguidos que estão a ser julgados no Tribunal de Aveiro. Vara, o
ex-presidente da REN, José Penedos, e o seu filho Paulo Penedos são os
mais mediáticos, mas o principal arguido é o sucateiro Manuel José
Godinho.
A decisão do actual governo em entregar documentação ao Ministério
Público contraria a confidencialidade invocada - como noticiado ontem -
para negar ao i o acesso a um estudo sobre a reforma da Taxa
Social Única (TSU) - matéria que não chegou sequer a ser alvo de nenhum
processo legislativo.
Este assunto, tratado já criminalmente diferencia-se do BPN por várias razões, mas se se comprovar que houve tráfico de influência directa entre os envolvidos para beneficiar interesses particulares, o aspecto criminal é evidenciado como uma fraude, o que equipara tal actuação à do presidente do banco que apenas emprestou dinheiro a amigos e correlegionários políticos, sem as garantias devidas. Dinheiro privado, dos depositantes e accionistas, entenda-se.
A influência traficada, neste caso, cinge-se aos interesses privados porque os públicos só apareceram muito tempo depois. E naquele, das farmácias, atingiu logo quem?
Porque é que a consideração da opinião pública, relativamente ao BPN e a estes casos que se vão conhecendo é diferenciada, sendo nestes, de eventuais malfeitorias de Estado, de uma condescendência generalizada e preocupante porque reveladora de uma anomia fatal, e naquele potenciada logo a uma responsabilidade de pena capital?
A explicação não pode residir apenas na consideração sobre a natureza da governação, porque é objectivamente mais grave prejudicar o interesse público, em nome de interesses particulares adoptados por influência de amigalhaços do que prejudicar interesses particulares por influências particulares.
O que me parece é que há por aqui, neste raciocínio que penetra as principais redacções dos media, uma lobotomia do pensamento, uma afecção das meninges que impede a ligação dos neurónios que pensam e organizam conceitos. A razão para tal, segundo também me parece, é uma evolução natural da idiossincrasia influenciada pela ideologia que pende para os "pobrezinhos", as classes desfavorecidas, sempre defendidas teoricamente por aqueles que assim adquiriram o direito de cidadania politicamente correcta.
Assim, automaticamente, basta ter no programa eleitoral a proclamação desses princípios para os tornar mais simpáticos eleitoralmente. Os outros, associados ao BPN e ao "capital" serão sempre os exploradores dos desgraçados e por isso de condescendência, merecem apenas a que os amigos lhes darão...