A jornalista Filomena Martins que agora escreve no DN uma crónica, depois de ter sido cronista noutros lados e repórter no Correio da Manhã, esportula no jornal de hoje a sua opinião sobre o caso de Sócrates se tornar comentador televisivo, na RTP, assim:
A pergunta retórica que coloca e à qual responde em modo muito prático e a afogar evidências de outras retóricas é exemplar deste tipo de jornalismo croniqueiro que invadiu de forma crónica o jornalismo nacional:"É de interesse público ouvir o que o ex-primeiro-ministro tem a dizer? Claro", responde logo, como se essa evidência não trouxesse mais água no bico que um pelicano imerso em maré negra.
Se lhe perguntassem do mesmo modo - "É de interesse público ouvir o que o ex-presidente do Benfica, Vale e Azevedo tem a dizer?", responderia o quê, esta jornalista-pelicano? "Claro" ? Não, de certeza escuro.
E se em vez de Vale e Azevedo fosse, sei lá, o presidente do PNR, José Pinto Coelho, o que diria a pelicano-jornalista?
Provavelmente, uma vez que integrará tal pessoa na extrema-direita, sem dúvida alguma, o que já escreveu em tempos...dizendo claramente que "“A melhor forma de lidar com esse fenómeno desprezível,
xenófobo e racista, tem duas vias: o ataque, relevando o pior do que
defendem sem contemplações e controlando os seus passos ao milímetro,
agindo contra todas as ilegalidades; ou o desprezo, cortando-lhe campo
de manobra e impedindo qualquer tipo de promoção.”
Esta jornalista que apelida a polémica suscitada com este caso, de "ridícula e absurda" não se deu conta de que absurda é a sua miopia croniqueira ao não reconhecer o óbvio: que o aparecimento de José Sócrates, agora, na RTP em tempo e espaço de opinião que apenas o mesmo controla, sem contraditório, não se destina a qualquer esclarecimento do papel do mesmo como ex-primeiro-ministro, mas apenas a um branqueamento e reciclagem política no momento que atravessa. Destina-se exactamente ao oposto que supostamente uma intervenção televisiva deste teor deve ser: esclarecimento e elucidação do cidadão comum, acerca do fenómeno político trocada gratuitamente por propaganda desenfreada e obscena. Com uma agravante nada despiciente: é precisamente ao jornalismo decente e competente que compete a denúncia e a não admissão de tais procedimentos. A característica de contra-poder do jornalismo devia obrigar os verdadeiros jornalistas a tal tarefa, mas pelos vistos alguns preferem ser jornaleiros de causas.
A intervenção televisiva de José Sócrates destina-se apenas a propaganda política do costume, de nada valendo a experiência antiga porque os processos são sempre os mesmos e os objectivos idênticos: a conquista do poder político.
Quem olvida voluntariamente este efeito necessário e evidente da intervenção televisiva de um político, na circunstância que atravessamos, não merece sequer cronicar em jornais, porque o que escreve traz a suspeita da água no bico. E é água suja.E nada tem de ridículo porque é triste, apenas.