O Temível Dragão volta a insistir na teoria, perdão, hipótese sobre a inconsistência do relato pessoal de Marcello Caetano acerca dos acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974.
A tecla repisada e já com nódoa negra é a mesma: Marcello Caetano foi assim uma espécie de poltrão ou, pior ainda, traidor à Pátria que o viu nascer. Não deu ordens. E ninguém lhe obedeceu porque não havia ordens.
Porém, havia militares na rua, em roda livre, literalmente. Blindados sem munições e uma centena e meia de "homens" que invadiram a cidade e pediram informações aos sinaleiros para chegarem à Praça do Comércio. Foram estes os militares de Abril que depuseram o regime deposto. Os heróis por conta própria porque nem tinham caderno reivindicativo para além da melhoria de rancho e pouco mais. Outros por eles se encarregaram depois em preencher o formulário da requisição acerca dos famigerados três D: democratizar, descolonizar e desenvolver.
Parece segura a afirmação no sentido de um tiro, só um tirinho no Terreiro do Paço, vindo de forças leais ao regime que se depunha, poder ter estancado a hemorragia dos famigerados três D e adiar por uns tempos largos o descalabro dos três B: bandalheira social, badalhoquice política e bancarrota económica.
Pois bem: esse tiro às claras e de aviso não chegou a dar-se porque as armas emperraram subitamente. Colegas militares, conhecidos entre si, apertaram as mãos e choraram convulsas lágrimas quando se entregaram de pés e mãos ao grupo de revoltosos que tinham pedido ajuda aos sinaleiros de serviço.
Renderam-se. Depuseram as armas. Não se defenderam nem defenderam o regime que se depunha.
Marcello Caetano, sozinho no Quartel do Carmo, compreendeu tal situação imediatamente quando pressentiu o silêncio dos inocentes no edifício. A tropa da GNR, a começar pelos comandos, também se tinha rendido e apenas um soldado, um coronel sem nome se aprontou a afrontar os revoltodos, qual d. quijote improvável mas corajoso. Os demais borraram-se todos, incluindo supostas forças de elite, tipo milicianos das mocidades e legiões e até, segundo consta, dos serviços mais secretos.
A tropa macaca e o esquadrão miliciano aninhou-se perante a revolta e inútil seria qualquer ordem vinda do Carmo, da Trindade ou até do Céu. Os militares que se renderam aos revoltosos fizeram o sucesso do dia e todos confraternizaram alegremente, com cravos vermelhos nas escopetas emperradas e sem munições. Ordem de Marcello? Para quem? Há duas situações concretas de desobediência a ordens explícitas nesse momento e uma delas na fragata que fundeava no Tejo. Ordens, para que te quero...
Marcello Caetano compreendeu tal situação e entregou-se também. Rendeu-se a um militar que se achegara aos revoltosos e juntara outros tantos consigo. Spínola era agora o novo califa no lugar do califa, posto invejável e que durou pouco porque roma não pagou a traidores.
Aos militares de Abril, na hora da despedida, juntaram-se-lhes os demais camaradas de armas e juntos fizeram o que é agora evidente: levantaram o rancho. Todos. E foi isso que Marcello Caetano percebeu logo e se alguma vez se referiu a evitar derramamento de sangue estava enganado: nunca tal sucederia porque quem o poderia fazer estava ocupado em confraternizar com o inimigo de ocasião e a gritar novos vivas à cristina.
E vem agora o Temível Dragão defender a honra de um convento já nessa altura em ruína acelerada...
Quanto ao Chefe de Estado, há muito que era figura decorativa e quem isso não perceber esgrime contra moinhos de vento. Da História, já agora.