quarta-feira, abril 05, 2017

O estarrecido Loureiro




O DN de hoje dá à estampa o estarrecimento de Dias Loureiro acerca do despacho de arquivamento do inquérito em que era visado por suspeita de prática de crimes graves. O MºPº explicou porque arquivou o inquérito e fundamentou o despacho, aduzindo razões da suspeita fundada. Tudo obrigatório porque neste tipo de processos qualquer cidadão pode constituir-se assistente e se formos a ligar às razões do estarrecido, ficaríamos a saber que preferiria um arquivamente simples, apenas com uma palavra: arquive-se...

O percurso pessoal e profissional de Dias Loureiro, ao longo dos anos de poder cavaquista cruza-se com múltiplos personagens da nossa vida pública, com destaque para Jorge Coelho, Marques Mendes e Proença de Carvalho.
Assim, para entender os últimos 25 anos da nossa vida pública e política  é preciso saber por onde andou e o que fez Dias Loureiro.

Daqui, do postal os pilares do regime, de 2008:

O percurso meteórico de Dias Loureiro, desde as oficiosas no tribunal de Coimbra, ainda nos anos oitenta, até aos ofícios e despachos nos ministérios de Cavaco Silva, poderia ser contado pelo próprio em autobiografia, de proveito e exemplo.
Enquanto tal não sucede, há aspectos da vida pública do mesmo que estão ao dispor das pesquisas nos suportes habituais, mediáticos.
Há factos indesmentíveis: Dias Loureiro apareceu, desde 1996, ligado, por grande amizade, a autênticos crápulas, para não dizer criminosos de alto coturno e do piorio que pode haver à face da Terra: traficantes de armas (El Assir) ; assassinos confessos (o marroquino Basri, o Alcachofra ) e personagens de recorte mais que duvidoso, de enumeração escusada porque atingível à distância de um clic na Net.
Como tal percurso se afigura extraordinário para o cidadão comum e paradigma de um certo tipo de figura pública da política, com paralelo apenas noutra figura de relevo que por coincidência se irmanou com o mesmo- Jorge Coelho- talvez se torne interessante percorrer os elementos de facto, para perceber os factos elementares de uma certa prática política portuguesa, que o Cavaquismo contemporizou e apoiou. Sem arrependimento. E o soarismo de Macau e o decorrente socialismo de gaveta, popularizaram, até aos dias de hoje, sem interregno digno de um Estado decente.

E daqui, de 2009, sobre a condição de  ser apenas um pobre diabo...


O antigo Conselheiro de Estado, Dias Loureiro, não tem bens em seu nome que permitam um possível arresto dos mesmos no âmbito das investigações das autoridades ao caso Banco Português de Negócios (BPN).
A notícia é avançada na edição de hoje do Correio da Manhã com o diário a adiantar que sabe que o ex-administrador da SLN – e braço-direito de Oliveira e Costa no banco – escapou à penhora, depois de os investigadores terem analisado minuciosamente o seu património.
Segundo o jornal, os imóveis de Dias Loureiro estão registados em nome de familiares ou pertencem a sociedades sedeadas em paraísos fiscais.
As contas bancárias que tem em seu nome, por outro lado, possuem saldos médios que não ultrapassam os cinco mil euros.
Sempre suspeitei de Dias Loureiro como sendo personagem de ficção. A realidade, porém, é ainda mais estranha: afinal o poderoso, revela-se modesto; o ricalhaço é de facto um pobre; o espírito devorista, tantas vezes atribuido, traveste no fim de contas, um ente de generosidade insuspeita e desprendimento material assinalável.
Dias Loureiro é a prova acabada de que as aparências bem iludem. Na política, afinal, o que parece não é e a modéstia requintada assume foros inauditos.
Afinal, o rico nunca foi ele: sê-lo-ão os familiares e amigos, quando muito e mesmo assim, a carecer de ónus de prova que infirme as regras de Direito registral.
Dias Loureiro prova, afinal, um altruísmo de monge, na demonstração de que tudo o que teria, afinal, pertencer a outrém.
A contradição adensada no jornal , sobre "os imóveis de Dias Loureiro", afinal é um eufemismo do desprendimento franciscano. Serão de outrém, não se conhecendo de quem, na boa tradição de cristã de não alardear caridade.
Ainda que continuem a ser vistos da sua esfera de poder, estão-lhe desprendidos dos pertences, como as créditos pendentes das execuções vazias...
Os dinheiros e contas bancárias de Dias Loureiro, afinal, são outra miragem: não existem e as que existem são de pobretanas que nem dão para mandar cantar um cego de esquina.
Dias Loureiro, afinal, é mais pobre que um pobre francicano. O disfarce de rico, serve-lhe apenas para reforçar o valor da virtude, porque a sua mão esquerda nem imagina o que a direita faz, na melhor tradição cristã da pobreza, humildade e temperança.
Modéstia aparte, agora que se conhece o valor da virtude, deve reconhecer-se-lhe o valor de exemplo.
Dias Loureiro, afinal, é um modelo de cidadão português e a gente só agora o descobre, na sua verdadeira vertente...
ADITAMENTO, em 9.6.09:
Ora bolas! Dias Loureiro desmentiu a sua condição, ao saber da notícia ( originalmente do Correio da Manhã). Disse agora que esta "é a coisa mais grave que sobre ele disseram", desde que dura o processo BPN.
Portanto, Dias Loureiro será DL, o nome de uma empresa que é a detentora dos bens- imóveis, é bom que se diga, porque os móveis tipo contas em dinheiro, esses, continuam...cá dentro. "Não tenho nada fora", esclareceu DL. Ou seja, Dias Loureiro. E não terá, porque a palavra de Dias Loureiro vale a honra de quem a profere.
Mas ainda assim, continua a ser muito difícil de lhe desfazer a aura de virtude. A empresa DL não se confunde com o nome Dias Loureiro e como é uma empresa por quotas, da qual este detém menos de metade, a verdade é apenas que Dias Loureiro é proprietário de uma quota na DL. Os bens, esses, são mesmo da DL...
Portanto, Dias Loureiro tem a condição de sócio de DL. Minoritário. Sem poder. Sem bens. Pobre, portanto.
Não se entende muito bem, por isso, o desmentido.
E daqui, de 2009, sobre outros pilares do regime, num artigo de Camilo Lourenço:
 "Março de 2001. A revista "Exame", que na altura dirigia, dizia na capa que o Banco de Portugal tinha passado um cartão amarelo ao BPN. Dias depois recebi um telefonema de Pinto Balsemão. Assunto: Dias Loureiro tinha-lhe telefonado por causa do artigo e, na sequência dessa conversa, queria falar comigo. Acedi prontamente. A conversa com o ex-ministro foi breve... mas elucidativa: Dias Loureiro estava desagradado com o tratamento dado ao BPN; o assunto tinha criado um problema imagem do banco; não havia qualquer problema com o BPN; Oliveira e Costa estava muito "incomodado" com a matéria de capa (para a qual tinha contribuído, com uma entrevista) e pensava processar a revista (como efectivamente aconteceu).Depois da conversa comuniquei a Pinto Balsemão que não tinha ficado esclarecido com as explicações de Dias Loureiro e que, por mim, a "Exame" mantinha o que tinha escrito. O que aconteceu depois é conhecido...Ao ouvir Dias Loureiro na RTP fiquei espantado. Porque o ex-ministro disse que ficara tão preocupado com o artigo que foi, de "motu propriu", ao Banco Central comunicar que a instituição devia estar atenta. Das duas uma: ou Dias Loureiro soube de algo desagradável entre a conversa comigo e a ida ao Banco de Portugal; ou fez "fanfarronice" nessa conversa para esconder os problemas do BPN. Há uma terceira hipótese... Feia. Mas depois do que vi no assunto BPN já nada me espanta!"
A investigação do MºPº  a certos negócios com o BPN por epicentro deu em nada, como se previa. Durou oito anos para dar em nada. Poderia ter sido diferente? É preciso ver o que há no processo, logo que seja possível consultar, uma vez que me parece ser um dos melhores exemplos do facto destes processos "darem em nada".

Não será por atavismo do MºPº mas andará lá perto. E o espírito que conduz a estes non lieus continua presente na mentalidade de certo Ministério Público, como será o caso dos processos angolanos. 
E isso é um problema grave do MºPº actual. Quem quiser fazer de avestruz que faça...mas depois não se queixe da imagem que dão.
E principalmente pelo efeito deletério que isto provoca. O facto de Dias Loureiro ter agora a lata de vir para a comunicação social ( via DN do seu amigo Proença de Carvalho) dizer-se estarrecido, provocará outras ondas de choque e não me admirava nada se o advogado Magalhães e Silva fosse logo convidado da Lourença para comentar assunto tão magno e significativo para a democracia.
Quem vai apanhar por tabela? O Ministério Público...e por culpa de quem? De quem assim pensa que deve ser o MºPº. Só isso.