sábado, fevereiro 27, 2021

Portugal, as diferenças na linguagem

 Há 50 anos, em Portugal falava-se outra língua, diferente de hoje. 

Em 1973, nas vésperas do golpe de Abril do ano seguinte a linguagem ainda era esta, clara, simples e que todos podiam entender.

É de Marcello Caetano num discurso em Aveiro, em Junho desse ano,  em que explicava o que entendia como sendo as liberdades fundamentais, o Estado Social e sua concepção de liberdade económica, a par de uma análise política que não se revelou acertada mas era adequada ao tempo. 

Afinal, o socialismo da Internacional Socialista de que o PS se reivindicava ainda tinha laivos marxistas, como se veio a revelar e por isso Marcello Caetano achava que seria sempre o partido comunista a tomar conta de tudo. O que aliás, não esteve longe de acontecer, no PREC...





Este discurso, quase com 50 anos tem sentido e actualidade nos dias de hoje, excepto no que se refere aos vaticínios acerca da voragem e inevitabilidade comunista que se desfez com a queda do muro de Berlim. 

Não obstante a linguagem que o esquerdismo socialista e comunista trouxeram à ribalta do país, aliás um mero prolongamento da que usavam já nas suas publicações, foi determinante para se organizarem ideias e conceitos que confundiram as pessoas e as "alienaram" daqueloutra linguagem simples, directa e clara que Marcello Caetano e os media de então, na generalidade usavam. 

Para se entender a diferença basta ler uma entrevista com Carlos Antunes, um dos fundadores do Partido Revolucionário do Proletariado-Brigadas Revolucionárias, ainda em 1972 e na clandestinidade porque era efectivamente perseguido pela DGS da época, por actividades subversivas. 

E que actividades eram essas? Vejamos pelo que o mesmo dizia em tal entrevista de 1972 a uma tal "Rádio Voz da Liberdade",  publicada depois em 1974 num livrinho sobre as "Brigadas Revolucionárias".



Este linguarejar em léxico marxista tomou a dianteira logo nas semanas a seguir a Abril de 1974, nas publicações periódicas. 

Também a linguagem parece simples mas o código é um pouco mais complexo e presta-se a outra forma de falar em que se especializaram os novos democratas, aludindo à liberdade cuja expressão é aliás explicada em sentido diverso do que Marcello Caetano dissera. 

É esta uma diferença fundamental que também o PCP partilha: a noção de democracia e liberdade não é a mesma porque também a liberdade burguesa se não compara à liberdade proletária, e ambos os termos são cunhados por essa esquerda. 

É por isso que ainda hoje o PCP proclama as "amplas liberdades" e a "democacia avançada", sendo entendido devidamente pelos que descodificam tais expressões marxistas mas  confundem voluntária e expressamente os que defendem a mesma coisa,  com outra dimensão, com remissão à noção de liberdades fundamentais enunciadas por Marcello Caetano claramente e sem tergiversações. 

O equívoco permanece até hoje e é fonte de diversas questões que separam a direita e a esquerda, mesmo a que se filia no socialismo dito democrático, ou seja, não comunista. 

Estas mesmas questões fundamentais colocaram-se em França aquando da corrida eleitoral de 1974 em que François Miterrand perdeu face a Giscard D´Éstaing mas tendo repetido em 1981, venceu a contenda e instalou um ambiente de incerteza político- social que teve grandes repercussões na altura. 

A França não tinha uma censura instituída como havia em Portugal ( embora tivesse censura de costumes efectiva) e por isso o comunismo, socialismo e diversas opções políticas associadas eram discutidas abertamente na imprensa, sem tabus. 

Por cá havia efectivamente um tabu, sendo aquelas declarações de Marcello Caetano enganadoras porque o assunto não se discutia abertamente como acontecia em França. 

Talvez por isso e como dizia o referido Carlos Cruz a politização da maioria das pessoas, em Portugal, mesmo instruídas, era incipiente para dizer o menos. 

Quem efectivamente estava politizado e de modo marxista eram os esquerdistas do PCP e do novel PS formado em 1973, lá fora, embora cá dentro pudessem ter concorrido a eleições nesse ano, optando por não o fazer precisamente por causa das divisões na esquerda. 

O PS de então e durante o ano de 1974 tinha uma linguagem nitidamente marxista e muito diversa daquela usada por Marcello Caetano. 

Basta ler o programa do PS em Setembro de 1973 tal como publicado na Revista do Povo de 15 de Junho de 1974:


A linguagem nada tem a ver com a usada por Marcello Caetano na mesma altura e assenta em conceitos marxistas, marcados e determinados. "Fascismo", "colonialismo", "capitalismo", "burguesia" "combate antifascista" "democracia burguesa" "alienação do trabalho" são conceitos marxistas e para cereja no topo do bolo até aparece escrito para que não haja dúvidas " considerando a revolução socialista soviética como marco fundamental na história da humanidade" e mesmo "caminhada para o socialismo". O delírio era portanto completo. 

Este mesmo PS e Mário Soares foram os que apareceram em 1974 como salvadores da pátria que era fascista e com eles deixou de ser...

Associando o PS ao PCP e todas as forças esquerdistas, nessa altura, o golpe de 25 de Abril de 1974 transformou-se rapidamente numa revolução porque quem o fizera, os militares do MFA eram gente da tropa e sem preparação intelectual nesse nível ou politização, com excepção de um punhado deles e destaque para Melo Antunes, já de esquerda e embebido por isso nesta linguagem, 

Não admira por isso que o texto de António Reis que publiquei em postal anterior tirado da Seara Nova de Maio de 1974, escassos dias após o golpe,  reflectisse  exactamente tal tipo de linguagem que passou a ser o modelo, o "standard" para o futuro. 



A primeira vez que me deparei com um texto cuja linguagem divergia daquela a que estava habituado a ler em Portugal, foi na revista Time de 5 de Novembro de 1973, num pequeno artigo intitulado "sonhos desagradáveis". Fiquei abismado...mas também não sabia quem era uma tal Martha de la Cal ou sequer quem eram mesmo as três Marias ( uma delas era do PCP e em matéria de costumes era de género sui generis como aliás o livro censurado mostrava bem)...porque nessa altura lia o Observador ( o original) e não trazia nada disto por lá, embora fosse publicação que não escondia ou censurava os problemas. Tinha era outra linguagem...e estas Marias não contavam para nada de especial. Nem deviam contar. 




Sem comentários:

O Público activista e relapso