Segundo alguns românticos da poesia concreta ( feita de areia politicamente movediça em vez de ideias inteligentes) seria assim, numa explicação fabulosa passada em epígrafe do video que as criancinhas de uma escola C+S aprenderam a soletrar, ensinadas pelos seus mestres ainda mais mentecaptos da memória dos acontecimentos históricos:
"Há muitos anos, (...) num país muito distante
vivia um povo infeliz e solitário, vergado
sob o peso de uma misteriosa tristeza.
(...)as pessoas(...)quando se encontravam umas com as outras, nos cafés, nos empregos, na rua, falavam baixo, como se alguma coisa, um segredo terrível, a amedrontasse"- António Manuel Pina ( sic), o Tesouro, Abril.
Assim, nessa perspectiva romantizada, escrita numa manhã de nevoeiro intelectual e ensinada às criancinhas da actualidade, Portugal era um pardieiro da dignidade humana e social. As criancinhas de então, as que têm boa memória, não se lembram desse pardieiro mas de outro lugar que não é ensinado nem mostrado pelos mentecaptos que perderam a memórica, às criancinhas automatizadas na robotização intelectual.
Portanto, o que era o Portugal do dia 24 de Abril de 1974? Seria o que mostram esses mentecaptos da memória? Não, não era de todo assim e não adianta assaltar a verdade capturando-a em artigos, livros e filmes que deturpam a realidade vivida em troca de uma propaganda inventada. A História é o que foi e não o que querem que tenha sido, falsificando os factos e acontecimentos.
Começando pela Liberdade, ideia básica e fundamental dos que palram de cor sobre esse dia e propagandeiam a Liberdade como conquista de Abril, perguntar-se-á: havia Liberdade em Portugal, em 24 de Abril de 1974? E seria essa Liberdade inferior à que se poderia experimentar noutros países semelhantes ao nosso, como a Espanha, Itália, França ou Alemanha ( estes dois países tinham lá centenas de milhar de portugueses emigrados)?
A resposta simples é não. Portugal não tinha efectivamente o mesmo tipo de Liberdade. A resposta mais complexa, porém, é diversa. Não havia plena liberdade de expressão pública nem de publicação de opinião porque havia Censura prévia dos media e repressão política e policial em caso de transgressão dessa norma legalmente estabelecida sobre a propaganda "subversiva" que todos sabiam o que era e o que significava.
Aqueles que sabem melhor tal coisa são exactamente aqueles que defendiam essa "ampla liberdade" para melhor a tolher a seguir. Exemplo concreto? A Censura que se estabeleceu logo a seguir ao 25 de Abril relativamente às ideias "fascistas" que ninguém sequer deficiu com rigor e exactidão e ficava por isso à mercê da opinião arbitátria dos novos censores como Saramago e outros comunistas que se julgavam plenamente legitimados a tal tarefa que antes criticavam a outros. A diferença substancial, porém, entre essas duas categorias de censores residia também noutra coisa muito simples: em 24 de Abril quem se atrevesse a infringir as regras sobre a noção de "ideias subversivas" poderia ser preso por tal uma vez que existia lei para isso. Depois, a prisão efectiva não era destino mas havia outra espécie de prisão: o saneamento político, a ostracização social e a repressão no emprego público em cargos de mando. Igualzinho ao 24 de Abril, só que mais sofisticado e bem mais perverso.
Melhor exemplo ainda: aqueles que clamavam pelas tais "amplas liberdades" são exactamente os mesmos que pretendiam para o nosso país, logo a seguir à ditadura do Estado Novo e do Estado Social, uma ditadura do proletariado, mesmo em versão aportuguesada que iria dar ao mesmo. O que esses mesmos pretendiam para Portugal era então experimentado na Alemanha de Leste, na Hungria até ( embora tal fosse modelo e evitar porque demasiado burguês...) e na Polónia. Uma Liberdade dessas seria uma ditadura mais feroz e implacável do que jamais foi a de Salazar ou de Caetano. Isto que é uma verdade que grita evidências nunca é dita publicamente nos media nacionais nem os próceres actuais da Esquerda comunista são confrontados com ela e com a contradição em que permanentemente evoluem.
Sobre a Censura haveria muito a dizer, relativizando tal actividade em comparação com outros países, mormente os Estados Unidos que ninguém se atreveria a qualificar de regime ditatorial, mesmo com Nixon no poder: a censura lá era real e efectiva em determinadas áreas. Por exemplo, na música popular, Frank Zappa foi várias vezes censurado e perseguido comercialmente pelo que exprimia por escrito, tendo sido proibido de escrever algumas coisas e tal nos anos setenta. Censura também existia na velha Inglaterra com livros, discos e filmes que não eram autorizados a passar nos media públicos, como a BBC e tal perdura até aos nossos dias, sendo uma Censura pura e simples. Na França idem aspas.
A diferença entre a "nossa" Censura e aquela residia também noutra ideia simples: a "nossa" era mais "hard" e efectiva porque o regime se empenhava seriamente em reprimir as tais "ideias subversivas" de índole comunista, socialista ou anarquista.
O regime tentava a coerência de princípios que Marcelo Caetano explicava em termos simples em 1973, nos discursos oficiais, por exemplo neste, no encerramento do I Congresso da ANP em Tomar ou noutro de 24 Junho do mesmo ano, em Aveiro:
O discurso de Marcello Caetano sobre a Liberdade assume interesse ainda hoje porque revela o que pensava o então chefe de Governo, esquecido e vilipendiado pelos "progressistas" recicladores da memórica mentecapta.
O discurso de Marcello Caetano não tem sido reproduzido em lado algum dos media nacionais que têm dedicado toda a atenção a Salazar, morto politicamente cinco anos antes. Cinco anos é muito tempo e apesar de o regime ser essencialmente o mesmo, as modificações no capítulo das tais Liberdades foram grandes e permitiam julgar que Portugal viria a ser em breve um país igual aos outros nessa matéria. Tal seria inevitável e Marcello Caetano sabia perfeitamente que era assim.
Porque é que esta História não se conta e se prefere a fantasia mentecapta da memória alterada?
Por uma razão simples de entender: quem se apoderou do discurso oficial e passou a designar os fenómenos sociais e acontecimentos de relevo, incluindo o nome da própria Revolução que passou a ser "dos cravos", foram os esquerdistas comunistas, essencialmente. Ainda hoje dominam essa linguagem que passou a ser a nova "língua de pau" como dizem os franceses para explicarem estas coisas. A "cassete" ( palavra igualmente francesa) é o meio de expressão preferido dos comunistas que gravam o discurso conveniente e o repetem até à exaustão dos media que tal acolhem acriticamente desde sempre.
Será por isso inteiramente legítimo que se questione publicamente e até no Parlamento sobre o valor pessoal e institucional de uma figura política como Álvaro Cunhal que seria um ditador da pior espécie ( mesmo militar) se o PCP tivesse tomado o poder em 1975 como esteve quase para acontecer em Portugal.
A comemoração do centenário de Cunhal, nas escolas públicas nacionais é uma vergonha e um escândalo obsceno porque a ditadura de Cunhal seria sempre bem mais grave e perversa do que aquela jamais o foi.
E isto sabem-no bem os responsáveis deste país.
Então porque contemporizam com esta farsa?Cunhal é herói de quê, exactamente? Da Liberdade?
Deixem-me rir.