quarta-feira, abril 10, 2013

O tribunal Constitucional e o "corte" aos funcionários públicos: a confiança e a igualdade

A última decisão do tribunal Constitucional sobre o Orçamento de Estado para 2013, no acórdão 187/2013,  sobre a questão do artº 29 desse Orçamento e dos "cortes" aos funcionários públicos, equacionou-a do seguinte modo: 

  "A questão não é, portanto, a da existência de um interesse público com cuja prossecução as medidas em causa possam ser funcionalmente relacionadas – o que exclui a possibilidade de considerá-las arbitrárias – mas a de saber se, do ponto de vista da posição jurídica afectada, a relação entre esse interesse e estas medidas, o modo como o legislador ordinário a estabeleceu e valorou, e, essencialmente, a opção que nessa valoração fez radicar — que é a de fazer recair sobre as pessoas que auferem remunerações por verbas públicas o esforço adicional correspondente à redução das retribuições base superiores a €1.500 e à suspensão total ou parcial do pagamento do subsídios de férias, ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º meses a partir de €600 — traduzem ou não, no contexto que resulta da Lei do Orçamento de Estado para 2013, uma intervenção proibida pelos princípios da protecção da confiança, da igualdade e/ou da proporcionalidade.
(...)
2. Princípio da protecção da confiança

31. De acordo com os requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 5/2013, a suspensão total ou parcial do pagamento do subsídio de férias aos trabalhadores do sector público determinada pelas normas constantes do artigo 29.º da Lei n.º 66-A/2012 é contrária ao princípio da protecção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito contemplado no artigo 2.º da Constituição.
 (...)
Esta ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, tem sido definida pelo Tribunal Constitucional por referência a dois pressupostos essenciais: 
a)   a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela cons­tantes não possam contar; e ainda
b)  quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). 
Ora, no caso, há, por um lado, indícios consistentes da necessidade de manutenção de medidas de contenção orçamental, e, por outro lado, por todas as razões já antes expostas, são patentes as razões de interesse público que justificam as alterações legislativas, pelo que não se pode dizer que estejamos perante um quadro injustificado de instabilidade da ordem jurídica. (...)
3. Princípio da igualdade

33. De acordo com o sentido reiterado e uniforme da jurisprudência deste Tribunal, “só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (acórdão n.º 47/2010).

Sob tal perspectiva, a questão suscitada pela norma constante do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, é a de saber se a manutenção da redução da remuneração mensal base, associada à suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalente e ambas conjugadas com a manutenção das outras medidas de contenção remuneratória como a proibição de valorizações para trabalhadores do sector público, correspondem a um tratamento proporcionalmente diferenciador do segmento atingido perante o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, na sua dimensão de “igualdade perante a repartição de encargos públicos”.
 (...)
 48. Em face de todo o exposto, o tribunal pronuncia-se no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 29.º, por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos e do princípio da igualdade proporcional, e da inconstitucionalidade consequencial da norma do artigo 31.º.

 Por aqui se verifica facilmente que a atenção dada ao princípio da confiança, vertente material do princípio da segurança jurídica, no caso deste acórdão e ainda em entendimentos anteriores, aponta para dois vectores e nenhum deles se refere explicitamente a uma "situação de crise financeira". 
Depois, verifica-se que no caso deste ano o chumbo do Constitucional relativamente a este assunto dos "cortes" aos funcionários assentou essencialmente na violação do princípio da igualdade que é explicado de igual modo.

Quando escrevi sobre as "rabecadas" e sobre os sapateiros que querem tocar rabecão fi-lo esperando um sentido de humor na leitura. Portanto, "honni soit qui mal y pense".

De resto a discussão mantém-se: para afinar ideias jurídicas não basta fazer como o economista Vítor Bento que alinhou umas considerações sobre putativas interpretações "restritivas" do tribunal Constitucional.
Repito por isso e em tom humorístico: o Direito carece de rabecões bem afinados e os sapateiros, mesmo muito voluntariosos não os afinam com a mesma facilidade com que usam a sovela.

Questuber! Mais um escândalo!