No Portugal que surgiu poucos dias depois de 25 de Abril de 1974, apareceram palavras novas que iriam marcar toda a linguagem futura no espaço mediático e corrente. Pegaram de estaca e foram todas plantadas pela Esquerda que as regou com o adubo revolucionário da ideologia, com novo composto semântico.
Salazarismo era palavra cuja novidade se repristinou, passando a associar-se a outra, quase coeva, mas estrangeira: fascismo.
Reaccionário era palavra igualmente bem demarcada no significado esquerdista e que foi adoptada pelos órfãos dos conceitos originais, filhos da nova semiótica.
Simplificando e com recurso à enciclopédia online, no Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels afirmam que as classes médias - pequenos comerciantes, pequenos fabricantes, artesãos, camponeses - combatem a burguesia porque
esta compromete sua existência como classes médias. Não são, pois,
revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda, reacionárias, pois
pretendem fazer girar para trás a roda da história..".
Nesse sentido, as religiões são às vezes qualificadas como reaccionárias. Isto decorre, em parte, da oposição desses últimos a filósofos religiosos como Louis de Bonald, Joseph de Maistre e François-René de Chateaubriand, e em parte do que Karl Popper chamou de crença progressista (identificada como historicista) no carácter manifesto da verdade, que não conduz à construção do conhecimento mas à procura dos obstáculos à manifestação da verdade. Ao se identificar a religião como geradora de preconceitos, procura-se abolir a religião. "Analisar,
afastar esse emaranhado de forças e tendências conflitantes e conseguir
penetração em suas raízes, atingindo as forças de impulsão universal e
as leis de transformação social – essa a tarefa das Ciências Sociais,
tal como a vê o historicismo." 2
Esta classificação esquerdista determinou o paradigma, a bitola linguística a partir da qual todos os escritos se desenvolveriam nas décadas seguintes e entrou na linguagem comum.
Fascismo era um pouco mais complexo de definir, como já se viu por um artigo num postal aqui atrasado. Para a doutrina geral fascismo implicava uma série de características que Portugal não tinha, em 1974. "O fascismo vê a violência política, a guerra, e o imperialismo como meios para alcançar o rejuvenescimento nacional e afirma que as nações e raças consideradas superiores devem obter espaço deslocando aqueles considerados fracos ou inferiores." Mas não só: " Os Fascistas procuravam unificar sua nação através de um estado totalitário que promove a mobilização em massa da comunidade nacional confiando em um partido de vanguarda para iniciar uma revolução e organizar a nação em princípios fascistas."
Tudo isto vem agora na Wikipedia e há livros e livros escritos sobre o assunto. Em 1974, em Portugal, não havia tantos assim, mas o PCP já conhecia toda a teoria que lhe permitiu introduzir essas palavras no léxico corrente, com o significado próprio, semanticamente adaptado.
Bastou associar salazarismo ( ou caetanismo, termo que nunca utilizam porque sabem bem porquê...) a fascismo para termos a noção precisa do conceito em que o anterior regime passou a ser considerado.
O Portugal de 1974 não era fascista, mas passou a ser por imposição da Esquerda. E deu jeito a muito boa gente que passou a vestir uma casaca que não lhe servia escondendo as vergonhas do passado para refazerem a vidinha de sempre.
Um certo João Medina, que em tempos ( 2006) escreveu um livro sobre "Portuguesismo(s)" a fim de encontrar a "identidade nacional" (que só se revela a quem a conhece...) não caiu logo na tentação de reproduzir a novilíngua comunista no esquerdista O Jornal, onde escrevia crónicas singulares sobre a simbologia salazarista.
Em 9 de Janeiro de 1976 publicava-se esta sobre uma antiga e percursora organização, que mostrava a raiz da Mocidade Portuguesa. "Raça", "antimarxismo", "antiliberalismo", "ao serviço da nação" eram expressões usadas nessa época, no Portugal de 1934 que Salazar herdara em 1926 e ainda em reconstrução do descalabro republicano, maçónico e jacobino que nos atirou para a bancarrota moral e financeira.
Em 28 de Maio de 1976, cinquenta anos depois da tomada do poder pelos militares do que viria a ser o Estado Novo, Medina publicou no O Jornal este artigo em que procura mostrar o "fascismo" de Salazar, por contraposição ao verdadeiro de Mussolini, encurralando-o num nacionalismo perverso e suspeito e numa prática dissimulada e consentânea com os mesmos princípios.
Todo esse esforço voluntarista era deitado por terra da realidade, em 9 de 7.1076, num outro artigo de página dupla, ao apontar como características do salazarismo dos anos 30, os princípios do nacionalismo ( "que se pretendia não agressivo nem exclusivo") , da tradição, " e até na bondade, desconfiando do paganismo soreliano do fascismo e de outros garridos modelos estrangeiros."
Ao apontar Salazar como mais próximo do modelo democrata-cristão, ficavam à vista que as tentativas de um fascista de camisa azul, como Rolão Preto, não tinham a complacência do regime de Salazar, em 1934. Ou seja, antes da guerra mundial, do fascismo italiano se expandir e até o nazismo fazer furor na Alemanha conquistando o poder pela via democrática. Nem isso desarma o exército de militantes do fascismo luso como marca identitária do Estado Novo.
Com tudo isto, logo que chegou o 25 de Abril, a palavra "fascismo", dita em modos diversos, como fassismo, faxismo ou até fachismo, pelo próprio Cunhal, tomou conta da linguagem designadora do regime do Estado Novo de Salazar e até do tempo do Estado Social de Marcello Caetano, tudo confundindo e amalgamando como conviria a quem quisesse designar o Mal com uma palavra apenas.
Os socialistas de Soares e que na Europa eram social-democratas, adoptaram a designação e espalharam a boa nova: Portugal fora um regime fascista e fora libertado da terrível ditadura fascista que instaurou a democracia ( que Cunhal recusava poder ser parlamentar, mas teve que engolir como sapo vivo) e os reaccionários passaram a ser combatidos como adeptos do fascismo, relegados para a giena histórica de onde nunca mais regressaram.
Em 9 de Abril de 1976, um certo Eduardo Lourenço, professor emigrado no Sul da França, escrevia artigos no O Jornal ( e na revista Opção) e um deles apareceu em parelha com outro de um intelectual da "capela do Rato", João Bénard da Costa, já contaminado pelos vírus linguístico que entretanto se espalhara pior que o ébola.
Ambos reflectem o novo fenómeno mediático de então: a primitiva versão do "não apaguem a memória", a que pretendia assegurar a existência de um fenómeno avisando que a sua inexistência era um mito.
Eduardo Lourenço aproveitou este escrito e mais alguns para coligir num livro que intitulou "O fascismo nunca existiu", num efeito seguro de afirmação indiscutível pelo absurdo.
E no entanto, a leitura do que Eduardo Lourenço escreveu em comparação com o que Medina escrevia deveria ser suficiente para a "desconstrução" e para a análise estruturalista daquela invenção comunista.
O fascismo que aqueles asseguram ter existido em Portugal assoma e identifica-se com fenómenos que se reproduziram noutros sistemas, mormente no comunista, sem que tal lhes provoque o mínimo prurido ideológico ou de simples coerência de inteligência plana.
O fascismo para estes intelectuais que marcaram a linguagem corrente é "um cancro omnipresente" e para o definir patologicamente Lourenço chega a estes paroxismos no diagnóstico: "É preciso lembrar que o povo português, em largas camadas da população, não tomou nem podia tomar parte no processo político nacional e que essa substancial possibilidade ( que não foi criada, herdada ou cultivada pelo regime) é o lastro mesmo de toda a espécie de fascismo?" [...] "o fascismo estava em toda a parte, mas só possuía essa evidência aos olhos dos que o promoviam com consciência disso ( o escol fascista que foi numeroso e eficiente) e aos da oposição democrática consciente que combatia."
Portanto, um panfascismo nacional, espelhado na ausência de democracia pluri-partidária. Onde se encontra igual? É preciso dizer?
Para além dessa característica identitária do monstro, outras se lhe colam, como apêndices à vontade do freguês Bénard da Costa e outros. Qualquer sinal de violência do Estado é..."fascista". Qualquer exemplo de repressão legal torna-se "fascista". Qualquer emergência de imposição do Estado é naturalmente "fascista". Tudo isso era o Estado Novo e portanto era...fascista.
Logo em 25 de Abril de 1974, porém, foi derrubado o fascismo que deixou de existir.
O "fascismo" passou então a ser designado como a palavra-passe para nomear o Mal. Por isso mesmo, fenómenos como a repressão política, a impossibilidade de reunião ou associação, a existência de censura, eram sinais inequívocos dos tentáculos do monstro que mostrava a verdadeira natureza em modo mais subtil, como agora lembram os Rosas&Pereira, através da "política do espírito", do "sonho multifacetado do Império" e da prosaica polícia de choque.
Ocioso será comparar os lugares onde tais fenómenos se reproduziam com violência maior e mais significativa, como a RDA e os países de Leste em geral, com horrores semelhantes, massificados e despidos de preconceitos, denunciados já nessa altura por muitos autores e testemunhos e que nunca encontraram por cá o mesmo género de repulsa que o fascismo caseiro que se habituaram a cultivar como ódio de estimação que os alimenta mediaticamente.
Este fenómeno é que se torna extraordinário.
E evidentemente que essas manifestações tipicamente fascistas acabaram de vez em 25 de Abril de 1974. Como escrevia então o Expresso, foram "irradicadas".
Os direitos humanos e o direito a não se ser achincalhado gratuitamente e com pretextos "fascistas" também foram restabelecidos, em 1975, pelos comités de vigilância popular...
E a tolerância democrática tinha limites...naturalmente. Um leitor de O Jornal de 10 2 78 alvitrava uma sugestão para o destino da estátua decapitada de Salazar, na sua terra: "mandá-la para o Tarrafal". Aposto que a sugestão democrática provocou muitos risos alvares.
18 comentários:
rectângulo sem pés nem cabeça
ontem à tarde passei no Parque Eduardo VII junto ao monumento fálico.
naquele plinto pretenderam colocar Nuno Álvares. discutiu-se de devia ficar a pé ou a cavalo.
os comunas procuram esquecer o pacto Hitler-Stalin
assim como o facto de Mussolini ter sido o 1º dirigente europeu a reconhecer a urss
quando fazia reacções químicas a nível laboratorial e não resultavam
a Senhora da limpeza já sabia que devia despejar na pia ao dizer rindo
'abaixo a reacção'
É tudo inveja.De não poderem instalar um fascismo só seu.E raiva de terem tido tantas derrotas.Mas já deveriam ter vergonha das traições que fizeram ao povo Português...que se não fosse tão doutrinado pela mentira já deveria ter queimado umas sedes e se calhar uns gajos...
Para o núcleo duro das esquerdas, o fascismo é tudo que é mais o menos ligado ao sistema corporativo.
Talvez porque assim, confortam o monopólio dos sindicatos simpatizantes com a violência e o radicalismo.
Obrigado José.
O artigo do Medina é pior que o resto. No sentido de ser mais subversivo.
Dá-se ali uma retorcidela argumentativa para aproximar Salazar a Mussolini que, no fundo, vai dar no mesmo que a propaganda mais vil da comunagem, mas que passa por intelectualidade.
Veja-se como, não podendo ignorar o socialismo do fascismo, se argumenta que é pseudo-socialismo, que é marxismo recauchutado, etc, etc. Curiosamente, nunca vejo comparações com o nacional-socialismo... É porque não dá jeito nenhum mencionar os cruzeiros de trabalhadores alemães, as casas com jardim, a primeira investigação científica a estabelecer relação entre o tabaco e o cancro do pulmão, as campanhas anti-alcoól e anti-tabaco, etc. A verdade é que o socialismo da URSS era uma anedota. O da Alemanha NS nem por isso...
Mas enfim, o ponto é querer colar Salazar a Mussolini. Como lhe não pode chamar fascista, chama-lhe na mesma, ahaha! Não parece fascismo ("no sentido rigoroso do termo" - mas haverá outro?)... mas é!
É um regime baseado "no medo, na mentira, na tortura e em tantos processos sumários de calar e submeter inimigos."
E para exemplo, que apresenta? A repressão dos fascistas ("rigorosos", presume-se) pelo "fascista" Salazar(!):
"O caso da própria dissidência nacional-sindicalista o comprova, aliás, de um modo exemplar e bastante significativo (...)".
Bom, isto é de anedota. É mesmo ao estilo "democrata", e é este tipo de coisas que adoram ler os democratas humanistas, estas elucubrações em petitio principii:
- Salazar era fascista. Salazar era tão fascista que, mesmo parecendo não ser, reprimia até os fascistas de forma fascista! Portanto, conclui-se que Salazar era fascista, embora não no sentido rigoroso do termo (que não interessa nada).
Reconforta-os de que estão correctos em serem anti-Salazar, embora muito do que ele fez pudesse ter sido bem feito (por exemplo, reprimir os fascistas rigorosos), porque apesar de tudo, era fascista, pronto. Era fascista porque era fascista, embora não rigoroso.
Ó Kaiser, tire notas que este artigo foi feito a pensar em si... ahaha!
Muja, Muja...
Com afirmações dessas sobre mim vai conseguir que as pessoas descubram o seu analfabetismo funcional.
Para lhe facilitar a vida (e é só saber ler sem sequer ter necessidade de interpretar) resumo a minha opinião sobre o tema (que se vê em todos os meus posts sobre o tema): Eu não acho o Estado Novo um regima fascista. Era obviamente autoritário mas não fascista.
(para lhe facilitar a leitura, até fiz dois posts...quem é amigo?)
Quanto a eu ser da "esquerdalhada" a explicação é simples: todos (não todos mas a maioria é tão grande...) estão à sua esquerda e eu também.
Só na sua cabeça (e mais meia dúzia, espero) a comparação com o Nacional Socialismo (não uso o termo "Nazi" porque parece não lhe agradar) poderia ser entendido como um elogio.
Quanto à investigação científica parece ter-se esquecido de um prominente cientista chamado Mengele. Deve ter-se esquecido.
Vestindo uma pele esotérica que nem me fica muito bem, arrisco a dizer que o seu número favorito é o 88.
Está bem, está... V. é o mesmo que escrevia aqui há dias que a direita tinha a raíz no fascismo, ou era outro Kaiser? É que, no fundo, vai dar no mesmo que este Medina escreveu...
O que é certo é que V. é que começa logo com os epítetos e não eu.
Agora, quando diz disparates é evidente que lhos aponto. Posso não o fazer de forma muito democrática, mas repará que é isso que faço no fundo.
Mas se acha que sou analfabeto funcional, para que se dá ao trabalho de se me dirigir?
Vá, continue então... até lhe poupo o trabalho:
falta chamar-me:
- reaccionário,
- racista,
- sexista,
- machista,
- colonialista,
- imperialista,
- homofóbico,
- extremista,
- anti-semita,
- islamo-fascista,
- terrorista,
É capaz de faltar algum, veja lá...
PS: eu não uso nazi, pelo mesmo motivo que os tipos do artigo usam fascista: não significa nada de útil.
Vê como tem problemas com a leitura?
Eu não disse que a Direita tinha raíz no fascismo...
Salvo erro, o José disse que o Comunismo é a matriz da Esquerda e eu respondi que o Fascismo (mutatis mutandis) tem o mesmo papel na Direita.
...e se reparar eu não me costumo dirigir a si, o que acontece é que lhe respondo.
Se a questão é "para que se dá ao trabalho de me responder" a resposta é que acho graça. Como o gato acha graça ao novelo.
Um guerreiro santo a vitimizar-se...
Dessa não estava à espera...
A vitimizar-me? Só lhe estava a adiantar trabalho e poupar-lhe tempo, uma vez que resolveu desfiar o rol.
Mas tem razão. Não disse "raíz", mas sim "matriz".
Mas dá no mesmo. É disparate na mesma.
No tempo da revolução francesa, embora não houvesse Marx nem Engels, as ideias que haviam já eram proto-comunistas. Não tinham era esse nome.
Não havia nada de remotamente parecido ao fascismo, e muito menos ao nacional-socialismo. A direita era o Ancien Régime, tudo menos revolucionária.
Por isso, o José, ao dizer isso, diz bem. A matriz da chamada Esquerda é o comunismo, que hoje se entende como sintetizado e manifestado por Marx e Engels (e nem isso é consensual entre as diversas seitas). E até certo ponto, pode dizer-se que é também a matriz do fascismo e do nacional-socialismo. A diferença (que é, na práctica, abissal) está no nacionalismo. Não é no socialismo nem na revolução.
Mas dizer que a matriz da direita é o fascismo, não tem lógica nenhuma. Pois a maioria das pessoas "das direitas", não são revolucionárias, nem socialistas. São conservadoras e tradicionalistas. Daí que o rural-fascista pouco rigoroso Salazar, que pertencia a estas últimas, tivesse de reprimir os fascistas rigorosos que pertenciam às primeiras.
PS: V. confunde opiniões de política com hooliganismo. Se pensa que existe algum nacional-socialista perdido neste mundo que saiba o que supostamente significa esse número, tem de deixar de ver a política n'A Bola ou no Record... ou nos filmes de Hollywood
E se quiser analisar a coisa mais a fundo, encontrará (inclusive aqui) quem lhe diga que a matriz da esquerda é o liberalismo e as Luzes, o que daria uma discussão interessantíssima, mas para a qual são necessários elementos de filosofia que não possuo, pelo que não passaria de espectador interessado caso ela se desenrolasse.
Na minha opinião o regime Salazarista não foi fascista. Mas havia é claro alguns apontamentos influenciados pelo exterior (Espanha, Itália e a Alemanha)...
A PIDE e a mocidade portuguesa foram os principais expoentes fascistas mas sem nunca desempenharam um papel central nas políticas do estado novo.
excerto de uma entrevista a Olavo de Carvalho:
- Seus estudos mostram como operou a mentalidade revolucionária em Portugal?
Para responder a essa pergunta seria preciso sondar mais cuidadosamente o antigo regime. O salazarismo foi uma estranha mistura de conservadorismo cristão com elementos extraídos do fascismo, o qual é sem a menor sombra de dúvida uma ideologia revolucionária. A característica das ideologias revolucionárias é ter um "projeto de sociedade", em vez de respeitar a sociedade existente e tentar aperfeiçoá-la na medida modesta das possibilidades humanas e com a cautela que a prudência recomenda.
Qualquer nação que tenha se infectado profundamente da mentalidade revolucionária e tenha dado aos seus valores conservadores uma formulação política revolucionária corre o risco de estar sempre à mercê de novos projetos revolucionários, pelo simples fato de que perdeu de vista a noção de "ordem espontânea", que é a essência mesma da democracia e do conservadorismo. Que é ordem espontânea? É o conjunto de soluções aprendidas ao longo do tempo. É uma ordem espontânea porque não foi imposta por ninguém. É ordem porque tem um senso arraigado da própria integridade e rejeita instintivamente toda mudança radical. Mas é também aprendizado, isto é, absorção criativa das situações novas por um conjunto que permanece conscientemente idêntico a si mesmo ao longo dos tempos por meio de símbolos tradicionais constantemente readaptados para abranger novos significados.
Examinem bem e verão que ordem democrática é precisamente isso e nada mais. Se, ao contrário, um grupo imbuído do amor a valores tradicionais tenta deter a mudança, ele está introduzindo na ordem espontânea uma mudança tão radical quanto o grupo revolucionário que deseja virar tudo de pernas para o ar, pois o que esse alegado conservadorismo deseja é imortalizar no ar um momento estático de perfeição hipotética. Se esse momento, na imaginação dele, expressa os valores do passado, isso não vem ao caso, porque na prática política esse ideal será um "projeto de futuro" tanto quanto o ideal revolucionário. Uma sociedade só embarca no projeto revolucionário quando perdeu todo o respeito por si mesma. Um respeito que, entre outras coisas, implica o amor aos valores do passado como instrumentos de compreensão e ação no presente, não como símbolos estereotipados de uma perfeição ideal no céu das utopias.
(continua...)
(...)
- E onde entra o salazarismo nesse história?
Não tenho a menor dúvida de que Antonio de Oliveira Salazar foi um homem honesto e um grande administrador. Mas o salazarismo foi infectado da mesma ambição de controle burocrático total que é característica do movimento revolucionário. Quatro décadas desse regime, e Portugal não tinha mais conservadores genuínos em número suficiente. Os poucos que havia fizeram um esforço heróico para dar à nação a verdadeira estabilidade democrática, mas a ânsia das soluções totais estava, por assim dizer, no ar — e, dissolvido o salazarismo, só quem podia tirar proveito dela era a esquerda.
Não desejo dar palpites na política interna de um país que da minha parte só merece aquele amor cheio de reverência que a gente tem por um avô navegante e guerreiro. Não levem a mal essa minha análise, que é só um esboço sem pretensões. Espero um dia poder estudar mais profundamente a história de Portugal e tirar um pouco das minhas dúvidas.
- Há alguma particularidade sobre o que houve aqui?
Há algo de trágico na história de Portugal, pois os filósofos escolásticos portugueses foram os primeiros a compreender a verdadeira natureza do capitalismo, séculos antes de Adam Smith, mas, quando se inaugurou a temporada de caça aos escolásticos, com o iluminismo, ela não trouxe consigo a modernização capitalista, e sim um burocratismo centralizador sufocante. Por uma triste ironia, os adversários do centralismo pombalino eram os jesuítas, eles também revolucionários, que sonhavam com uma república socialista de índios na América do Sul. Posso estar enganado, mas o drama de Portugal é o mesmo de "A Montanha Mágica" de Thomas Mann: um jovem bom e promissor aprisionado entre dois falsos gurus: um iluminista autoritário com discurso modernizador e um jesuíta comunista.
A discussão sobre se Portugal no Estado Novo e depois com Caetano era ou não fascista é um tanto ou quanto ociosa e não é isso que pretendo aqui fazer.
O importante é perceber como o PCP e a esquerda tomaram conta da linguagem e passaram a designar as coisas.
Assim, o Portugal de Salazar é fascista e mainada.
Ora para desconstruir tal cabala é preciso ir à raiz e desmascarar o comunismo.
É o que tento fazer com as armas que tenho: jornais, imprensa da época que nos recordam os factos ocorridos porque uma imagem vale mil palavras e a opinião se for sustentada com exemplos concretos vale mais um pouco.
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