sexta-feira, julho 26, 2013
Os juízes de Lisboa e o supremo arquitecto do Sol
Entretanto o arquitecto Saraiva, director do SOL, tomado pelos angolanos na sequência da desgraça judiciária provocada por um acto estúpido ( o anúncio prévio, em parangonas, de algo que motivou uma providência cautelar, a saber, a publicação das escutas a Rui Pedro Soares no caso Face Oculta) queixa-se agora amargamente de que "os juízes já governam".
A causa é citada pelo director do Sol, com recurso a casos pessoais e particulares. O caso Rui Pedro Soares é um deles e o arquitecto que dirige o Sol ainda não se deu conta de que só houve providência cautelar porque o jornal anunciou o que deveria ter apresentado como surpresa. E só houve condenação na providência cautelar porque a questão era jurídica e as leis são interpretadas pelos tribunais, algumas vezes, de modo pouco consentâneo com o Direito. Por isso é que há recursos. E no caso também houve e o arquitecto perdeu. E não se conforma, atirando a culpa para os juízes que agora "já governam".
Esclarece o director do Sol que o processo em que lhe pediam 1,5 milhão de euros ( cerca do dobro do que seria pago ao Figo pela campanha publicitária com o primeiro-ministro de então...) terminou com um acordo entre as partes. E porquê, já agora? Se o director do jornal tinha tanta certeza da sua razão porque não deixou correr o marfim até ao STJ e ao TEDH?
Diz que ficou revoltado com esse acordo. Então, não foi um acordo livre. E se se revolta, que o faça em frente ao espelho que lhe fica bem melhor do que andar a escrever asneirolas. Porque é asneirola dizer que "em nenhum momento do processo foi ouvido pelo juiz". Pois não, porque preferiu terminar o mesmo com um acordo...
Por outro lado encrespa-se contra o sistema judiciário das providências cautelares que lhe parecem meios de os juízes "já governarem". Aponta o exemplo do "célebre túnel do marquês", com construção suspensa por providência cautelar e que provocou horrores a quem por lá passou durante um ano de obras paradas; o caso da auto-estrada A26 parada e mandada prosseguir por decisão de juiza em providência cautelar instaurada a pedido de uma autarquia local, com injunção de pagamento pessoalizado nos ministros da Economia e Ambiente, em importância diária a que o arquitecto Saraiva entende ter sido uma "multa" e que acrescenta ser outro caso de "domínio da loucura". O terceiro caso é o da Maternidade Alfredo da Costa, igualmente alvo de providência cautelar que suspendeu a decisão de fechar o hospital, decisão governamental que o arquitecto entende como "política" e portanto insindicável em sede judicial.
Por fim, o arquitecto que dirige o Sol indigna-se com o facto de a interpretação que o tribunal Constitucional faz da Constituição se sobrepor à lei ordinária, como se isso fosse a maior anormalidade democrática!
Sempre tive ideia que um director de jornal deve ser alguém culturalmente evoluído. Mentalmente sensato. Sabedor e com sabedoria. Ponderado na análise e ocupado em perceber os assuntos. Escolhedor de temas de interesse público e exigente com os que escrevem no jornal. Especialmente atento a coisas como os anúncios prévios de notícias que nunca o deveriam ser antes do tempo, como no caso de Rui Pedro Soares. E eticamente responsável pelos desaires do jornal que dirige.
O arquitecto Saraiva, já com longos anos de experiência, tem disto tudo em quantidade qb, mas por vezes denota a insuficiência que o trai. Como desta vez.
Então não sabe o arquitecto Saraiva o que é e significa uma providência cautelar e que não são os juízes quem têm o poder de arbitrariamente as decretar, mas sim a lei que as criou e o sistema que as gizou como instrumento de justiça?
Se alguém deve ser responsabilizado pelas providências cautelares prejudiciais ao interesse comum, como no caso do túnel do Marquês, peçam-se responsabilidades ao legislador e ao executivo que aprovou tais medidas de direito.
As providências cautelares em direito administrativo são perigosas? Oh, se são! Então quem as aprovou? Foram os juízes que as aplicam?
Saberá o arquitecto Saraiva o que é o direito a uma "efectiva tutela jurisdicional", constitucionalmente garantida no artigo 20.º da CRP e também inscrito, por exemplo, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?
Empiricamente sabe porque denota isso nos escritos. Mas sabe de Direito? E se não sabe, porque pergunta?
Saberá que actualmente, face à redacção do artigo 120º e seguintes do CPTA é permitida tal forma de exercício da tutela jurisdicional efectiva, a quem se sinta lesado por acto administrativo ( definido como "uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta"-art.º 120.º do CPA) e passíveis por isso de impugnação contenciosa (artº 51 do CPTA) e previamente à instauração de acção administrativa especial para impugnação do referido acto administrativo, provindo por exemplo de um Secretário de Estado?
E se souber como lhe é exigível que saiba, sob pena de ser manifestamente ignorante em matérias sobre as quais se propõe escrever palpites avulsos, como lhe é possível acusar os juízes de quererem governar? Torna-se a acusação gratuita e sem fundamento. E numa crónica de jornal não tem importância por aí além, mas revela a ignorância que um director de jornal não deve alardear tão singelamente. Fica-lhe mal.
Se discutir a matéria das referidas providências cautelares pode ser útil para se aferir se se está perante um acto administrativo ou apenas político e legislativo ( e reservado por isso às entidades competentes) já a acusação gratuita e infundada apenas tem uma utilidade: continuar a deslegitimação do poder judicial, desta vez por quem tem razões de sobra e de queixa fundada...mas não neste caso.
E ocorre-me finalmente uma história antiga, sobre um moleiro que havia em Potsdam e que tinha um pedaço de propriedade rural que interessava ao rei/imperador. Este, primeiro com bons modos e depois com ameaças veladas ou directas, procurava obter tal courela particular, pagando até pelo eido. E que lhe respondeu o moleiro denegando-lhe tal desejo de expropriação? Que não...porque ainda havia "juízes em Berlim".
O arquitecto Saraiva conhece esta historieta. E então que acto administrativo seria esse que o moleiro julgava sindicável pelos juízes? Eram estes que mandavam? Haja juízo, então.
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