domingo, dezembro 07, 2014

A culpa dos juristas e dos juízes




A jurista Fernanda Palma, catedrática de Direito Penal volta hoje no Correio da Manhã a defender os "seus" num artigo sobre a culpa no direito penal. 
Em pouco mais de meia dúzia de parágrafos tenta explicar que a dureza das penas que os tribunais andam a aplicar aos crimes de "prevaricação e corrupção"  é uma moda e não encontra suporte na doutrina e filosofia do direito penal que temos porque esta assenta sempre na culpa como medida da pena.
Portanto, deixando os prolegómenos e indo directo ao assunto que a mesma nunca enuncia explicitamente,  a discussão é sobre a pena de prisão ( suspensa mas com riscos de se tornar efectiva se o MºPº de tal recorreu e tribunal superior  alterar...) aplicada a Maria de Lurdes Rodrigues e outros políticos, como por exemplo  o pobre Vara e ainda outras futuras vítimas das  sentenças penais para a corrupção e abuso de funções de Estado e governação.   
 O  recado, esse,  vai direitinho para os juízes dos  tribunais superiores prestes a julgarem o assunto e que porventura leiam o escrito.
Fernanda Palma escreve então sobre a "culpa" e sobre o paradigma punitivo actual e em vigor após o Código Penal de 1995, importado da doutrina alemã de 1966. 
Foi  por essa altura que Figueiredo Dias estagiou nesse país e  elaborou uma tese de doutoramento - O problema da consciência da ilicitude em direito penal, de 1969- que lhe conferiu a cátedra em Coimbra.   
Essa tese contém  páginas e páginas sobre o que se deve entender  por "culpa", como conceito jurídico-penal , normativo e não apenas psicológico.
"Culpa é censurabilidade do comportamento humano por o culpado ter actuado contra o dever quando podia ter querido actuar de acordo com ele", acaba por escrever Figueiredo Dias ( pág. 183 da 2ª edição, 1978, daquela obra fundamental que só de referências bibliográficas contém  dezasseis páginas densas , com centenas de obras mestras em corpo 10. Se Figueiredo Dias as leu todas, nada mais fez na vida nessa altura...a começar por S. Agostinho e a acabar com  L.Zimmerl .
Noutra obra,-  Liberdade, Culpa e Direito Penal- do início dos anos oitenta do século que passou, ( tenho a 2ª edição de 1983) o mesmo Figueiredo Dias tenta explicar melhor e em modo mais actualizado o que pensava da culpa em direito penal e cita um autor alemão, Klaus Roxin, de Munique e que estivera em Portugal em 1983 para falar do conceito de "culpa". 
Qual o conceito de culpa para efeito da pena e para esse tal Roxin, um dos papas alemães do direito penal que temos?  Este:
a culpa é concebida como resultado de um processo valorativo socio-psicológico, um juízo da comunidade jurídica, que relativamente à altura da pena não é determinado pontualmente à partida, mas só possui realidade empírica no espectro de certo espaço de manobra”.  

Ora como é que Fernanda Palma integra este conceito no seu paradigma de aplicar penas mais comedidas a políticos prevaricadores e corruptos como é o caso da tal Maria de Lurdes e outros, alguns  certamente muito "lá de casa", politicamente,  e com perfil de futuros  inquilinos da Carregueira?
Esse é que é o problema e Fernanda Palma aparece aqui como advogada  de defesa desses desgraçados, como aliás já sucedeu noutras ocasiões. Fernanda Palma aparece sempre nestas ocasiões a defender "os seus",  o que só lhe fica bem como amiga e correligionária e muito mal como jurista e intelectual.  
Ora Fernanda  Palma neste seu escrito momentoso olvida uma coisa muito importante : como é que se define uma pena concreta num caso desses de prevaricação ou de corrupção quando os crimes se acumulam factual e juridicamente?
Isso é que a mesma não explica nada e portanto bem gostaria de ler algo sobre a "culpa" como medida de pena para  meia dúzia de crimes de tráfico de influèncias, corrupção ou prevaricação.
Partindo daquela noção de Roxin creio que dificilmente escapam a meia dúzia de anos de Carregueira, mas com muita água benta destes escritos de Fernanda Palma, porque o "logaritmo" de soma jurídica das penas,  conjugando o artigo 40º com o 77º do Código Penal  é fatal: as somas  jurídicas e jurisprudenciais chegam rapidamente à dúzia de anos...

Por outro lado, Fernanda Palma lembra  que os políticos não devem ser discriminados negativamente em função de uma moda de aplicação de penas severas e os  tribunais não se devem transformar em "arautos do povo" . Não tem a coragem de outros sujeitos em defender a discriminação positiva de uma anomia que corroeu a democracia, mas enfim.  
Porém, é preciso  também   lembrar que a Justiça é aplicada pelos tribunais, constitucionalmente, "em nome do povo".
Ora aquela concepção da culpa refere um " um processo valorativo socio-psicológico"  e  "um juízo da comunidade jurídica"  e como componentes dessa noção de culpa aferida à pena e não pode por isso alhear-se da referência ao tempo que vivemos e à realidade socio-psicológica que sentimos e os tribunais devem sentir. As pessoas não suportam este tipo de arguidos porque durante anos os foram suportando no exercício dos cargos. E depois vêem o que fizeram...e por força do tal "senso comum" que Fernanda Palma quer arredar como critério de aplicação de penas, torna-se obrigatório o tal juízo da comunidade jurírida, aferido ao sentir da sociedade e não apenas à frieza das páginas de um compêndio alemão.

Por isso o "juízo da comunidade jurídica" pode efectivamente divergir do juízo de defesa de Fernanda Palma, por muito que isso lhe custe...e sem qualquer violação de preceitos constitucionais ou legais.
Como dizia um correligionário, o Vitorino das malas de Macau, com aquele riso de dentinho supranumerário: "habituem-se!"

8 comentários:

Luis disse...

O que esta professora veio fazer com este artigo de opinião foi afirmar que não enfia a carapuça da critica que o animal feroz fez a toda a gente, inclusive aos professores de direito. Ela veio afirmar que, apesar de ser professora de direito, está com ele. Mas isso já nós estamos carecas de saber.

José disse...

Huummm, isto parce-me mais concreto e relacionado com as penas mais pesadas que têm sido aplicadas a "políticos" e prevenir o que pode ainda vir por aí.

A noção de "culpa" jurídico-penal
é assunto técnico e tem a ver com a fundamentação das penas aplicadas.

Para aplicar penas elevadas é necessário fundamentar a pena pela perspectiva da prevenção geral, especial e de retribuição, mas sempre aferida à culpa concreta.

E é esta que a professora vem agora lembrar porque é um dos meios de atacar as sentenças condenatórias com penas elevadas: não serem suficientemente fundamentadas nesse aspecto.

Sabe muito esta supranumerária da Maçonaria...

MBd'O disse...

Todo o apoio à petição pública em curso:

Petição para que Jorge Sampaio se recandidate e Indulte José Sócrates

Jorge Sampaio enquanto Presidente da República indultou Otelo Saraiva de Carvalho; pode muito bem indultar Sócrates. Coragem não falta ao velho leão. Vamos apoiar a ideia lançada por António Costa da recandidatura de Jorge Sampaio.

Floribundus disse...

nunca me interessou o direito e dele nada sei

a meu ver existe uma campanha para alterar profundamente a lei de modo a deixar os políticos à solta

a actuação dos vários boxexas não me deixam dúvidas de que desejam chegar ao poleiro para instalar

uma 'loja' de malas com notas dentro

e para isso 'vão dar à perna'

hoje 'tocou a saque e a degola'

jkt disse...

bom post.

lusitânea disse...

Para motivar mais a Fernanda Palma conviria aos arguidos pintarem a cara de preto.Com bons selvagens a rapariga ultrapassa-se...

choldra disse...

Muito bem,José.
Desmascara a FP duma assentada.
E pensar que aquela fulana foi minha professora. Saí a saber menos de penal do que quando entrei,o que é difícil.
São ,assim,"os mestres do direito" em Portugal.

Manuel de Castro disse...

É importante que se denunciem estas posições cujos objectivos são evidentes. Até o D. Sebastião do PSD (Rui Rio) se deixou contaminar pela patologia da impunidade ou da impunidade mitigada e pela pseudo-denúncia do "justicialismo". Só acordaram para o direito penal de culpa quando os seus pares começam a ser agarrados. Qualquer esforço de regeneração do sistema passa por aqui.

O Público activista e relapso