Rui Patrício, advogado das elites e de uma das firmas do regime habitualmente parceiros do Estado, hoje no i, volta a defender a sacralidade do segredo de justiça como se tal fora uma das chaves de entrada no reino dos céus democráticos.
Já em tempos escreveu que os sacerdotes que guardam tal segredo deviam ser excomungados e atirados para a giena quando o deixam escapar porque são eles quem o devem manter cativo e não soltá-lo para a liberdade mediática onde morre logo que vê a luz.
Tal com os zombies, o segredo de justiça é animal da noite, morto-vivo que se alimenta do silêncio de inocentes presumidos que fedem a culpa, protegidos por s. patrício e outros santos protectores.
Patrício, no artigo de hoje, encerra-se no segredo, toma-lhe as dores de nado-morto e fala do além, numa epístola pungente aos responsabilicenses.
Em tempos que já lá vão elaborou o exórdio com cheiro a enxofre inquisitorial em modo de solução final para os albigenses que lidam com o segredo, autores naturais da respectiva exposição: fogueira com todos e o deus de s. patrício reconhecerá os seus.
Para mostrar a este inquisidor disfarçado, protector de entalados excelentíssimos em nome do evangelho dos interesses privados, é preciso ler o que um polícia experimentado, Carlos Anjos, escreveu este Domingo na revista do Correio da Manhã, um dos jazigos perpétuos desses nado-mortos.
Deixando de lado o sarcasmo da prosa, vamos ao assunto. Carlos Anjos diz que na quinta-feira, 20 de Novembro "o alvo mais importante, José Sócrates, estava em Paris" e na "noite de dia 20 e madrugada de dia 21 são detidos o advogado Gonçalo Ferreira, o motorista José Perna e o gestor Carlos Silva. José Sócrates não é detido porque está em Paris, mas chegava a Portugal nessa quinta-feira, dia 21 de Novembro. Os elementos policiais foram esperá-lo ao aeroporto de Lisboa. Até aqui, ninguém sabia de coisa nenhuma. O segredo era total. Acontece que o avião da TAP aterrou na Portela, em Lisboa, e José Sócrates não desembarcou. O alarme tocou no DCIAP. A operação estava em causa, sem o principal alvo. De imediato tiveram que contactar os serviços da TAP e questioná-los sobre o facto. Ter-lhes-à sido dito que de facto aquele nome constava da lista de passageiros, que havia feito o check.in mas que não havia embarcado. Obtiveram também a informação que, entretanto, havia sido feita uma reserva em nome daquela pessoa para um voo mais tarde na Air France.
Quando chegou o voo da Air France passou-se o mesmo, tendo os elementos da polícia nevessitado de contactar de novo os serviços do aeroporto, que lhe deram a mesma informação, bem como a marcação de um voo para o dia seguinte.
O que levaria a polícia a estar permanentemente no aeroporto de Lisboa à espera de José Sócrates e à vista de todos? Apenas pode existir um motivo: queriam detê-lo. Este é um segredo que ninguém consegue guardar.
Daí às redacções dos jornais foi um passo, ratilho que tornou esta situação pública. Será que houve qualquer tipo de violação? Nesta matéria entendo que não ".
Porém, Rui Patrício, "advogado das elites", não se detém nesta evidência de pormenor e avança para a consequência: quem violou o segredo deve pagá-las no pelourinho e quem violou foi quem o detinha e portanto o pelourinho é questão de somenos porque mesmo não havendo culpado é preciso sacrificar quem não soube guardar o segredo. Simples, medieval e eficaz. O auto-da-fé torna-se necessário para preservar a sacralidade desta religião laica de seita.
De resto, a imporância absoluta que este tipo de segredo assume perante o advogado Patrício é sintomática.
Imaginemos que afinal a operaçã policial decorria em completo segredo de justiça e que o "alvo" era capturado e levado para o calabouço policial. Sendo alvo bem conhecido só com protecção especial, com disfarce de máscara seria possível evitar o conhecimento da detenção. Será isto que o advogado Patrício pretende? Imaginemos que sim e que afinal, o "alvo" é conduzido ao tribunal de instrução para ser interrogado. Já não poderá levar disfarce porque além de ridículo o advogado Patrício diria logo que era ilegal e desumano. Logo, saber-se-ia quem era o "alvo". Imaginemos que as pessoas que transportaram o "alvo" guardavam total segredo, mesmo não tendo dever de o fazer e este era interrogado em segredo, aplicada medida de coacção em segredo e transportado em segredo para o ep de Évora onde se encontra, em segredo, apensar de todos os inquilinos do estabelecimento o conhecerem e não terem qualquer dever de segredo.
Para quê tanto segredo, advogado Patrício? É uma questão de Estado? E quando é que o segredo se deve desfazer? No fim, quando eventualmente for acusado e ainda assim mantida a presunção de inocência?
Não faz sentido, advogado Patrício, porque se iria questionar o porquê de todo este segredo inédito e descabido e se ficaria a saber a razão de tal segredo: inconfessável.
Eis as razões sumárias de mais uma religião de seita, neste caso a dos entalados excelentíssimos, com os seus ministros de culto, como Rui Patrício.
Triste.