Sousa Tavares, compadre de entalados excelentíssimos, escrevinhador avençado no Expresso, sempre pronto a despejar vitríolo em feridas alheias, qual aguarrás em cima de vítimas que não lhe agradam, recusou até agora escrever sobre o cancro do BES, porque o seu principal responsável, Ricardo Salgado, "é da família e sobre a família não se diz nem bem nem mal". Agora já diz, não se sabendo se deitou às malvas o princípio ético-moral ou se afinal nunca o teve e por isso nada lhe custa a contradição.
No Expresso de ontem, o escrevinhador toma partido pelo compadre e fustiga o primo do dito, retomando as dores daquele. Não sei o que parece pior: se a ausência de escrúpulos, se o golpe de rins e o ataque a um dos membros da família, escorraçado para o espaço exterior. Uma coisa é certa: este escrevinhador categoriza-se caracterialmente por esta coerência moral e a objectividade dos defensores de vínculos pessoais.
Na segunda parte do escrito ainda exacerba mais estas qualidades intrínsecas ao pronunciar-se sobre outro compadre, agora recluso, o 44.
Assegura este escrevinhador formado em Direito e até prático da disciplina como advogado temporário, que "temos assistido nos últimos vinte anos, revisão constitucional após revisão constitucional, código após código, a uma persistente e constante diminuição das garantias do Estado de direito no processo penal".
Este escrevinhador, antigo advogado até de penal, atreve-se a colocar isto por escrito, à espera que o leiam e acreditem na barbaridade por causa do tal compadre político que agora estagia detrás das grades de Évora.
"Nos últimos vinte anos", ou seja com as revisões do Código de processo penal em 1998 e em 2007, aquilo a que se asssistiu foi precisamente ao contrário, ou seja, ao reforço das garantias de defesa de entalados excelentíssimos, como aqueles dois compadres do escrevinhador moralmente caduco e sempre no sentido e na sequência de acontecimentos extraordinários que envolveram esse tipo de compadrios.
Em 2007, particularmente, assistiu-se a uma despudorada e evidente acção de protecção de potenciais entalados, dando-lhes de bandeja várias garantias processuais que outros países não têm, na sequência do processo Casa Pia.
Torna-se por isso intelectualmente abjecto escrevinhar que as garantias de defesa de um arguido, perante uma acusação ou simples suspeita, são perigosamente menores do que eram quando, há quase 40 anos, os constituintes, marcados por duas gerações de total arbítrio penal com a conivência da corporação judicial, deixaram escrito na Constituição o grito de "nunca mais".
Ora há 40 anos, tal Constituição substituiu outra que garantia legalmente a mesma defesa perante uma acusação ou suspeita. A prova está no seu próprio texto. Se a prática era propícia ao arbítrio, isso é para se discutir com elevação e não em croniquetas panfletárias.
De resto, mesmo com a actual Constituição, as garantias de defesa dos implicados no processo das FP25, em meados dos oitentas, foram substancialmente menores que as que decorriam daqueloutra do tempo do tal "arbítrio", tirando o recurso às "medidas de segurança", por motivos de guerra e de luta activa contra o comunismo terrorista.
Por causa desse mesmo terrorismo comunista, a operação das FP25, na época em que o escrevinhador se apresentava na revista Grande Reportagem como "grande repórter", foi algo que hoje seria manifestamente diferente. Por exemplo, o presidente da República de hoje nunca saberia o que se estava a passar, como o de então soube, mesmo estando no estrangeiro, numa daquelas viagens, para as ilhas das tartarugas gigantes ou para os confins da cochinchina, para ver pandas ou macacos no espelho. Isso seria uma garantia que a Constituição lhe dava na época? É que chegou a gabar-se e a reconhecer ter dado "luz verde" a uma operação que não lhe competia conhecer, de todo, por causa de um nome equívoco que politicamente lhe apetecia dizimar...
Por outro lado, em 8 de Fevereiro de 1985, precisamente nessa altura, o escrevinhador reportava em grande naquela revista, num artigo co-assinado sobre "violência em nome da lei", coisas que hoje são de certa forma impensáveis e que exprimem bem o progresso que o escrevinhador agora denega e que na época apresentava como algo a melhorar, mas que segundo o que escreve era melhor que hoje...
A história de "lola" é exemplar do modo como o actual escrevinhador tem a memória: no mesmo estado que a coerência moral.
Por causa destas "lolas" e outras FP25, as leis penais foram modificadas, particularmente as de processo e em 1987 surgiu o Código que atribuía tantos direitos aos arguidos que até tinham o direito de não serem julgados pelos crimes cometidos, se verdadeiramente o quisessem. As faltas eram à discrição do freguês, mediante os atestados médicos que o escrevinhador conhecia bem, tendo até escrito sobre tal fenómeno.
Portanto, em matéria de evolução de garantias processuais, de facto e nesse aspecto as coisas modificaram-se, mas não é isso que o escrevinhador pretende dizer porque além de estulto seria imbecil.
O que o mesmo pretende agora afirmar por escrito é que de há vinte anos para cá "as garantias do Estado de direito diminuiram", reforçando de caminho a estulticia e evitando in extremis a outra garantia de inimputabilidade.
Ora naquele aspecto, as tais garantias do Estado até aumentaram. E noutros, como por exemplo a comunicação de factos e imputações aos arguidos então é que foi uma evolução, após o caso Casa Pia, mas desta vez em prol dos suspeitos e presuntos implicados.
De tal modo se evoluiu que agora, nos mandados de detenção fora de flagrante delito, como foi o caso do recluso 44, compadre político do escrevinhador, se fez um uso mais que adequado das garantias que os seus governos mandaram pôr em letra de leim em 2007. O artigo 258º do CPP que o escrevinhador nunca leu, pela certa, diz assim:
1 - Os mandados de detenção são passados em triplicado e contêm, sob pena de nulidade:
a) A data da emissão e a assinatura da autoridade judiciária ou de polícia criminal competentes;
b) A identificação da pessoa a deter; e
c) A indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que legalmente a fundamentam.
2 - Em caso de urgência e de perigo na demora é admissível a requisição da detenção por qualquer meio de telecomunicação, seguindo-se-lhe imediatamente confirmação por mandado, nos termos do número anterior.
3 - Ao detido é exibido o mandado de detenção e entregue uma das cópias. No caso do número anterior, é-lhe exibida a ordem de detenção donde conste a requisição, a indicação da autoridade judiciária ou de polícia criminal que a fez e os demais requisitos referidos no n.º 1 e entregue a respectiva cópia.
Ora foi com base nestas garantias legais que o arguido, futuro recluso 44, ficou a saber o que o esperava. E foram garantias que o mesmo, pessoalmente assinou nos diplomas legais, em nome dos novos direitos dos suspeitos e arguidos. Ou seja, supostamente, de maiores e melhores garantias de defesa, o que agora é contestado por aquele escrevinhador que tantas vezes tem dado provas concludented de ignorância crassa e ninguém lhe faz o reparo definitivo.
E tais mandados foram distribuídos e fatalmente chegaram aos jornais porque é assim mesmo que estas garantias do povo em geral se desenvolvem numa sociedade livre e democrática ( ao contrário do que se passava no tal regime "arbitrário"...). Toda a gente fica agora a saber, por causa da liberdade de informação, o que se passou com o recluso 44. Portanto, esse segredo nem é para guardar porque quem é isso que se reclama...
É pena que também não se dê espavento ao modo como foi contratado à pressa o advogado para o motorista Perna. É pena porque também tal facto consta de despachos que o Ministério Público enviou para decisão.
No entanto tais factos, de tal modo se ficaram a saber que até o director de um jornal- José António Saraiva no jornal Sol- que não é da confraria dos compadres do recluso 44, publicou esta semana uma espécie de editorial em que relata factos que vinham no tal mandado e ainda a sua interpretação dos mesmos, muito aproximada à verdade da ocorrência exacta e com meridiana sensatez analítica.
O compadre escrevinhador, esse, parece não ter estudos nem inteligência suficientes para chegar a tais conclusões e por isso, treslê, tergiversa, ofende quem não deve, desinforma quem não sabe e presta um péssimo serviço ao jornalismo nacional por causa de uma simples razão: a pessoal e intransmissível de se ver e sentir na pele de compadre, sem conseguir ser isento e imparcial ou simplesmente objectivo, com um mínimo de coerência moral. Triste.
Vai continuar a escrevinhar no Expresso? Claro que vai. É precisamente disto que a casa gasta...