Para amenizar todos os fait-divers da semana que passou, incluindo o problema dos incêndios e mortes por incompetência de quem manda, nada melhor que um assunto grave e sério: a violência doméstica e o modo como os tribunais lidam com o fenómeno.
Alguém se lembrou de um acórdão recente do tribunal da Relação do Porto para fustigar um juiz relator que se atreveu a citar a Bíblia e o passado de costumes de antanho para explicar o que o senso comum entende mas o actual senso politicamente correcto se recusa a entender: o adultério praticado por um cônjuge pode ser um catalisador de violência entre um casal e tal fenómeno tem que ser equacionado de molde a perceber-se se tal violência poderá ser repetida ou será caso isolado. Isso tem importância para se aquilatar a eventualidade de suspensão de uma pena de prisão.
Note-se que no caso concreto o agressor doméstico foi condenado, apenas não o foi em prisão efectiva porque o referido juiz ( e uma juíza também, acompanhada pelo magistrado do MºPº na Relação, também e de quem ninguém fala) entenderam que não se justificaria tal medida extrema, atentas as necessidades concretas de prevenção especial.
Escreveu assim o desembargador em causa, no acórdão de que se fala:
Portanto, não foi por causa da Bíblia ou da idiossincrasia especial dos juízes em causa que o assunto ficou assim decidido. Foi por outros motivos e ficam acima explicados. No entanto, continua o ruído por causa da citação da Bíblia e da idiossincrasia aparentemente conservadora do juiz em causa, como se este não tivesse o direito de exprimir, fundamentando, o que entende ser correcto. É pecado mortalmente mediático algum juiz citar a Bíblia numa decisão ou sufragar entendimentos do senso comum que atente contra o que se pretende institucionalizar como politicamente correcto por força mediática do jacobinismo planante. E ai de quem o faça que é lançado imediatamente à "geena" desta troupe mediática, sempre vigilante.
Vejamos, porém, como funciona a opinião manipulada, neste caso. O assunto chegou ao ventilador mediático, acolitado pelas almas funestas do politicamente correcto. Assim:
Observador:
Neto de Moura, o juiz desembargador que assinou o polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto
que cita a Bíblia e o Código Penal de 1886 para atenuar um crime de
violência doméstica devido ao “adultério” da mulher, já tinha recorrido a
citações da Bíblia num acórdão anterior, também relativo a um caso de
violência doméstica, escreve o jornal Expresso.
Como o assunto já se ventila por todo o lado, até o CSM que nem devia pronunciar-se sobre o assunto e assume que é assim mesmo, afinal pronuncia-se para desautorizar o juiz em causa, deslegitimando a sua decisão. Lamentável atitude do CSM, cujo autor do texto que segue merece as críticas de quem não sabe conter-se institucionalmente e incontinenta-se a eito, para grande deleite deste jornalismo vesgo e moderno:
Em comunicado, o CSM diz que os tribunais "são independentes e os
juízes nas suas decisões apenas devem obediência à Constituição e à lei,
salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso
pelos tribunais superiores".
O CSM alerta, contudo, que as
sentenças dos tribunais devem "espelhar" essa fonte de legitimidade,
"realizando a justiça do caso concreto sem obediência ou expressão de
posições ideológicas e filosóficas claramente contrastantes com o
sentimento jurídico da sociedade em cada momento, expresso, em primeira
linha, na Constituição e Leis da República, aqui se incluindo,
tipicamente, os princípios da igualdade de género e da laicidade do
Estado".
Portanto a regra é: laicismo militante, que pouco tem a ver com a "laicidade do Estado" e "igualdade de género" que obrigatoriamente deve considerar um homem igual a uma mulher, não só em direitos, como acontece de facto, mas em tudo o que possa servir a causa jacobina, incluindo a postergação das diferenças naturais entre sexos.
E quem assim não pensar e agir é afastado do convívio politicamente correcto pelos vigilantes do costume que são cada vez mais.
Nota final: estou muito esperançado em ver Miguel Sousa Tavares a escrever sobre o assunto. Da violência doméstica, entenda-se...
Para além disso gostava de conhecer a identidade do filósofo do CSM, juiz conselheiro, que escreveu aquela frase acima transcrita, particularmente no que tange às "posições ideológicas e filosóficas claramente contrastantes com o
sentimento jurídico da sociedade em cada momento" para lhe perguntar quem lhe autoriza a estabelecer regras que não aparecem em lado nenhum da Constituição ou da lei.
Sim, para nos esclarecer cabalmente qual é o tal "sentimento jurídico da sociedade em cada momento"...e particularmente se é o seu ou pode ser qualquer outro desde que não atente contra os princípios gerais e abstractos em vigor.