JMT concorda que o PSD não é um partido de direita ao contrário do que os responsáveis do mesmo deixaram propalar por aí nos últimos tempos. Na verdade, tal reclame não é de agora e constitui um dos principais equívocos da política nacional.
Para gnosiologizar esta realidade é preciso recuar mais de 40 anos e perceber quem fixou os termos e a linguagem designativa das correntes políticas e principais pertenças dos partidos que temos. Para ser breve e sucinto, foi sempre a esquerda comunista. Passo a tentar demonstrar.
Já aqui mencionei que a linguagem corrente e mediática, anterior a 25 de Abril de 1974, não comportava termos que os comunistas e socialistas usavam, como fascismo, reacção ou mesmo colonialismo e a associação automática destes termos à "direita" fassista porque na realidade o fascismo nunca existiu em Portugal.
Tal mutação da linguagem genética passou a suceder nos dias seguintes ao 25 de Abril de 1974 como por aqui profusamente já ilustrei, com recortes de jornal que são a prova evidente de tal facto, mais que qualquer livro dos namedropers do costume.
Os jornais da época relatam o que se passava nas ruas da komentadoria das redacções e instituições que foram tomadas de assalto pelo poder político de esquerda comunista cujos esforços foram coroados de total êxito nessa operação cosmética de mudança de termos linguísticos.
Como exemplo concreto, aqui está este tirado do jornal República ( ligado ao PS) de 29.4.1974, com o programa do PS bem claro e específico na delimitação de balizas do que era e não era "democrático" e socialista, incluindo nesse grupo político o PCP e os partidos da "Nova Esquerda" e que tinham concepções sobre a economia muito próximas das do PS de então.
A Esquerda, portanto, seria isto e tudo o resto só poderia ser a "Direita", particularmente os que se opunham à mudança de paradigma económico, de mercado para uma colectivização em vista e anunciada desde o Outono de 1974 e meses seguintes.
Para o PCP e extrema-esquerda nunca foi diferente nestes últimos 45 anos ( antes do 25 de Abril já era assim) porque a linguagem continuou a mesma de sempre, a par das concepções económicas que professam e nunca esconderam.
O PS, esse mudou e substancialmente, dali a poucos meses e tal é a causa principal do equívoco porque pretende ocupar as duas cadeiras e estar em dois lugares ao mesmo tempo: o da esquerda comunista, quanto a diversos aspectos supostamente ligados a estes "afectos" e também os de outras formas de organização social e económica, de mercado concorrencial e contraditórias com aquelas mas que suplantam sempre no imaginário popular através de equívocos e sofismas: o PS pretendeu sempre quadrar um círculo e perante a ignorância e desconhecimento do vulgo conquistou uma posição confortável no imaginário político nacional. Em França já não consegue enganar ninguém...aqui é o partido preferido dos portugueses que votam e se sentem felizes neste logro.
A partir daqui estavam definidas as fronteiras que a Esquerda comunista e socialista estabeleceram para a grande divisão de classes, entre Esquerda e Direita. Contudo, tudo parte de um equívoco logo desfeito nos meses e anos a seguir: o PS não queria efectivamente uma organização económica moldada segundo o modelo comunista das nacionalizações e estatização completa da economia. A gradação dessas opções foi a tal ponto que o PS de Mário Soares, em 1976 admitia perfeitamente opções económicas ditas de "direita" ou seja contrárias àqueles princípios que a esquerda comunista sempre defendeu e defende ainda hoje.
Foi por isso que o PS se tornou persona política non grata dos comunistas. Estes sentem-se traídos pelo PS que afinal queria economicamente a mesma coisa que eles e deixou de querer. Apesar de defender coisas parecidas, o PS acaba sempre por fazer o "jogo da reacção" ( designação comunista da direita) e ceder à burguesia, ao patronato e aos inimigos de classe dos trabalhadores, apesar de o seu programa proclamar o contrário. O PCP fossilizou nos anos trinta da época da Frente de Esquerda que em França quase lhes fez o frete de entregar o poder que nunca alcançaram. Essa traição intolerável é sempre esquecida, no entanto, quando se proporcionam ideias de geringonça como a que actualmente governa o país. É a réstea de esperança que os comunistas têm em inverter o rumo da História e daí a ingurgitação constante de sapos, como dieta alimentar comunista.
Por outro lado a ideologia do PS era um tanto ou quanto esquisita, como se mostra nesta entrevista de Junho de 1974:
Esta contradição nunca resolvida é ao mesmo tempo o seguro de vida política do PS. Junto das tais classes "oprimidas" mantém uma imagem de protector e junto dos supostos inimigos uma imagem de aliados tácticos e de circunstância sempre necessária para o que der e vier, o que sucedeu já por diversas vezes em Portugal, nas últimas décadas. Um programa assente no cravo e uma praxis com ferradura às costas.
Porém este fenómeno único na Europa ocidental e que nos caracteriza singularmente, começou logo em 1974, com a mudança de linguagem.
Em 13.1.1975 um artigo exemplar mostrava em concreto o que se devia entender por fascismo: tudo o que recendesse a antigo regime, sem mais. E o PS concordava manifestamente com este entendimento, mesmo que tivesse acoitado antigos "fascistas" no seu seio político ( Joaquim Silva Pinto para citar um).
Sendo assim, por esta nomenclatura definida pelo comunismo, o PPD/PSD e principalmente o CDS eram partidos de direita, típica e sem espinhas democráticas, no sentido que aqueles atribuem à expressão ( "o povo é quem mais ordena" mas o partido é que manda no povo) .
Não querendo de forma alguma associar-se ao "fascismo", palavra que foi implantada de tal forma nos media de esquerda que se assimilou a nazi, o Partido da Democracia Cristã, quando nasceu, nem sequer de direita queria ser, conforme relata a Capital de 4 de Maio de 1974. Centro-esquerda estava muito bem.
Em 28 de Setembro de 1974 deu-se a grande ruptura de uma possível continuidade com o regime anterior relativamente a certas forças que ainda tiveram ânimo para lutar pelos valores antigos em contraposição aos valores comunistas que viam aparecer diante dos olhos e ouvidos, nos media de então.
Foram quase todos presos por atentado à democracia, até mesmo um Sanches Osório aderente ao PDC que era de "centro-esquerda"...
E os jornais da "reacção" vilipendiados e queimados na praça pública pelos defensores das amplas liberdades democráticas e as suas milícias nos media e nas ruas:
Estes factos não são mostrados nos media de hoje e muito menos identificados os autores destas proezas que se acoitam nos vários blocos da Esquerda que temos, alguns deles em lugares de governo e de Estado. Se confrontados com estas coisas desculpam-se com os erros ou excessos de juventude e fica tudo assim.
Mas não ficou para quem sofreu as consequências destas acções e deste entendimento sobre o que é a direita e a esquerda na sociedade portuguesa, no equívoco que ainda hoje permanece. Se os Joões Miguéis Tavares soubessem isto bem e de cor, provavelmente questionariam como "tudo era possível" e tirariam ilações.
Mas não tiram porque surgiu outro fenómeno a seguir: os que poderiam ter esclarecido e ajudado a desfazer o equívoco, acomodaram-se à situação.
Em 1975 a Esquerda tornou-se força dominante na Economia, o sector social determinante para se alterar "a relação de forças" como a Esquerda comunista bem sabe. E o panorama esta este:
Que fazer perante isto?
O melhor exemplo é este do Francisquinho que agora anda à rasca, precisamente por causa destes equívocos, mas ainda não se deu conta disso:
Portanto, o caminho estava encontrado, para estes tartufos modernos: aderir a "novas formas de viver em sociedade". E foi isso que o Francisquinho fez, em companhia de outros membros fundadores do PPD que depois se tornou em PSD por causa disto mesmo.
Nenhum deles queria viver em regime comunista ou de esquerda socialista típica. O PS já dava indicações de também preferir a organização burguesa da sociedade à mirífica visão do "caminho para o socialismo" ou mesmo a "sociedade sem classes", expressões que porém, aceitaram que ficassem a figurar como programas na Constituição de 1976. Para dar uma boa imagem...o que diz quase tudo sobre estes equívocos alimentados por estes francisquinhos da política nacional.
Em 1976 o intelectual de serviço, emigrado no estrangeiro, sabia quem era a "direita" portuguesa: aquela que se reclamava do "rigorosamente ao centro" e servia os interesses da burguesia que o mesmo conhecia dos livros de Rosa Luxemburgo, Althusser e outros génios desse calibre.
Na esquerda comunista e pró-comunista nunca houve qualquer dúvida sobre quem era a "direita" em Portugal. No entanto, continuavam os equívocos, porque afinal o CDS reclamava-se da democracia cristã, portanto afastado do tal "fascismo" identificado acima e em 1976 votaram sozinhos contra a Constituição. O seu líder, Freitas do Amaral, no entanto, ao longo dos anos torceu tanto o seu carácter político que acabou ministro de um governo de um socialista e a aplaudir aqueles socialistas de antanho, como figuras de referência da democracia. Outro que tal foi um certo Basílio.Todos de direita e que por um passe de carácter mágico deixaram de o ser.
Desta antiga distinção feita em modo académico, logo em 1974, ninguém quer saber:
Quanto ao líder do PPD/PSD o que dizer? Era de direita? Como isso se foi opositor ao "fassismo" de Marcello Caetano e deputado da Ala Liberal, com outros que agora são de esquerda social-democrata? Como isso se foi defensor claro da social-democracia como "único socialismo possível em Portugal"?
E nem se diga que foi por tacticismo político porque de facto Sá Carneiro sempre defendeu, coerentemente, as ideias que então expressou em 18.10.1975:
Como se nota em 6.2.1976 Sá Carneiro queria no entanto reverter o processo de nacionalização e colectivização da economia portuguesa por causas que são comummente aceites hoje em dia e até na altura, por um PS de um Mário Soares desiludido com o resultado do socialismo real.
Estas ideias fariam de Sá Carneiro um direitista afastando-o da social-democracia? Faziam, mas apenas para o PCP e forças comunistas. Por uma razão: tocavam na essência do colectivismo segundo a esquerda comunista e isso faz qualquer um ser de direita ou mesmo fascista, epíteto mortal para qualquer cidadão português com aspirações a político.
Em 1977 não era outro o entendimento do PCP:
Quem é que se preocupou em desmontar esta farsa comunista e esta linguagem enviesada e falsa? Ninguém, praticamente.
O jornalismo que então se praticava ainda sem escola monitorizada por quem assim escrevia, dava alento a este ideologia e forma de pensar e tornou-se "viral", como agora se diz. As professorecas de jornalismo que agora existem vieram deste caldo de cultura.
Durante os anos setenta do século do 25 de Abril foi este o panorama: o PPD era de direita, mesmo sendo social-democrata na essência porque o PCP não reconhece como tal um partido que pretendia mexer nas sacrossantas nacionalizações irreversíveis.
Foi aliás até ao final da década seguinte essa a pedra de toque da distinção entre direita e esquerda, para o PCP e Esquerda em geral.
O socialista democrático Mário Soares, já um traidor notório da causa comunista, não se importava, porém, de fazer percurso conjunto com aqueles na caminhada em prol das sucessivas bancarrotas que o país sofreu nesses anos.
Os que não alinhavam nessa concepção eram de direita, naturalmente e isso incluía o partido social-democrata que de direita tinha apenas esse rótulo imposto pelo comunismo.
A partir de finais dos anos setenta, em plena recessão vinda da primeira bancarrota, Mário Soares era primeiro-ministro de um PS que ainda não tencionava alterar nada na Constituição para a tornar mais consentânea com a economia real e não a do colectivismo esquerdista que a tornava o principal obstáculo à modernização portuguesa.
Quem é que se lhe opunha? O PSD e o CDS mais o PPM que fizeram uma Aliança Democrática para alterar essa Constituição marxista ou seja de esquerda. Tal desiderato fazia de tais partidos, partidos de direita? Não, claro que não, excepto mais uma vez para o PCP que nisso via o início do seu declínio inexorável no cômputo da sociedade portuguesa que detinha meios de produção, ou seja o Estado. Querer menos Estado num país que nem tinha exemplo na Europa significava ser de direita?
Para o PCP e mesmo PS, fazia e foi assim que definiram os campos, nessa altura. Em 1980 os eleitores deram uma maioria absoluta a tais partidos de "direita" e a reacção do povo de esquerda foi esta:
Primeiro o medo de perder o peso político no Estado.
Depois a azia:
Em 1980, claramente, o PSD, CDS e PPM eram de direita, para esta Esquerda cripto-comunista e socialista democrática. Eram eles quem dizia o que devia ser a designação política e foi assim que disseram.
Dentro do próprio PSD havia facções mais à esquerda ou mais centradas à direita, mas o programa do partido continuava tipicamente social-democrata e portanto afastado daquilo que se convencionou em geral designar como "direita". Defender a descolectivização da economia não é política de direita, necessariamente, quando se está perante receitas que conduziram a bancarrotas evidentes. É política de bom senso nacional que a Esquerda nunca teve e que prontamente acusa como sendo de "direita" assimilável ao fascismo de antanho qualquer tentativa de retoma da economia para o mercado que existe na Europa democrática. Hoje, tal como ontem.
Em 1979 um advogado do PSD saiu do partido porque queria uma viragem à esquerda mais acentuada e não concordava com as opções de Sá Carneiro relativamente à Economia. Chama-se Sérvulo Correia e é actualmente um indivíduo que tem um dos maiores escritórios de advocacia de negócios, em Lisboa, onde natural e coerentemente só aceitará causas de esquerda, como as que derivam da interpretação jurídica de cláusulas de contratos públicos, cujo código um qualquer governo de esquerda lhe encomendou.
Esta é a direita que a esquerda gosta e naturalmente não anda sozinho nestes assuntos. Emparceira com José Miguel Júdice um curioso advogado que foi do MIRN ( suposta extrema-direita), enfileirou depois no PSD e agora no PS. É um dos exemplos máximos da polivalência ideológico-política. Tanto pode ser de direita ou de esquerda consoante aquele que lhe paga os réditos assim o entender. Lembra aquele dito antigo de um humorista sobre os princípios. Tém estes mas poder ter aqueles, se der jeito. A par de Júdice que deve ser de esquerda por esta altura, andam na mesma monda, outros advogados citados já profusamente neste blog.
Terá sido esta gente que ajudou a definir o estatuto de "direita" do PSD? É bem capaz porque eles saíram do partido para serem mais de esquerda, como é público e notório. E têm lutado incansavelmente por fazerem jus às opções inadiáveis que então tomaram.
Nos anos oitenta, por obra das circunstâncias de mais uma bancarrota que outra coisa, chegou o tempo das cerejas apodrecerem e foi uma tragédia o que sucedeu no final da década, com a derrocada do comunismo mundial. Ficou para amostra, no entanto, conservada em formol ideológico, o PCP. As múmias continuam por aí, no entanto, vestidas de roupagem sindical dos arménios e outros jerónimos. São eles quem continua a definir o que é a direita e a esquerda e todos lhe prestam vassalagem nessa tarefa ingente.
Em 1983 o jornal do Francisquinho não via direita em lado algum, mas ela existia porque las hay, las hay...
E se existiu uma certa direita, a verdade é que desapareceu há longos, longos anos, como o Expresso do actual presidente da República mencionava em 1981:
E não era a extrema-direita, mas outra coisa que a Esquerda não compreende.
Mesmo assim, não se compreenderia que não existisse tal bicho ideológico para que a Esquerda o pudesse combater. E não existindo, inventa-se um. Foi o que sucedeu...
Na ausência de cães de caça de direita começaram a aparecer gatos, pardos sobretudo. Em Agosto de 1983 apareceram os primeiros, ainda furtivos. Um Artur Santos Silva futuro fundador do BPI era de esquerda ou de direita? Era do PS, isso era, mas...em que ficamos, afinal? Vale a primeira designação, original do PCP e PS de esquerda marxista ou vale a que veio depois?
Segundo os critérios da esquerda comunista que foi quem os estabeleceu este Artur Santos Silva é de esquerda ou de direita? Parece não existir qualquer dúvida que é de direita...ou não?
Em finais da década apareceram na ribalta, de novo, estes indivíduos de "direita" no panorama nacional e que tinham sido fascistas notórios, miseráveis exploradores da classe operária, alguns deles:
Mas quem é que estes fassistas apoiaram politicamente? Indivíduos de esquerda, nomeadamente do PS, veja-se lá a contradição.
E que dizer do assim dito dono disto tudo, Ricardo Salgado? Quem apoiou politicamente? Um indivíduo do PS que gosta de dividir a esquerda e a direita para se sentar naquele lado certo da História.
E que políticas económicas seguiu durante o seu consulado? As de privatizar, à semelhança do que aquela suposta direita do PSD de 1979 queria fazer então. Com uma diferença: nessa altura ficou a intenção. Agora, tal política foi efectivamente realizada, pelo...PS.
Que é um partido de esquerda segundo se afirma. Será?!
Em resumo: o PSD não é um partido de esquerda ou de direita típico, tal como o PS também não será. São ambos partidos que comungam de ideias de esquerda mas que concretizam políticas que poderiam muito bem ser de direita se o liberalismo fosse característica típica de direita. O que não é.
Confundir estas ideias, como o fazem o PCP e o PS, tem apenas um objectivo: iludir os eleitores com suporte na memória antiga que nunca ficou esclarecida devidamente quanto a esses equívocos.
A Esquerda ganhou um estatuto imerecido devido a esses equívocos e o logro e mentira associados nunca podem ser bons conselheiros políticos.
Haja quem desfaça tal mentira. Esta direita que a esquerda inventou existe apenas para legitimar um ideal fantasmagórico e corrupto.
Até digo mais: a única luta política válida em Portugal nos dias que correm é desfazer estas ideias refeitas e denunciar este logro que a esquerda alimenta há décadas.