sexta-feira, outubro 27, 2017

Continua a histeria mediática

i de hoje, que no interior recenseia meia dúzia de passagens de acórdãos destinados a um objectivo não declarado mas inequívoco: deslegitimar o poder judicial. A razão não é difícil de descortinar: preparar o terreno mediático para o que aí virá.


Público de hoje, com reportagem sobre o que aconteceu ontem no TRP, em que os representantes do poder judicial, presentes, incluindo o presidente do STJ falaram claramente sobre o acórdão em causa procurando hipocritamente distanciar-se do seu teor.


A maior barbaridade em que aquelas senhorias incorreram é colar o teor do acórdão a passagens que não significam exactamente o que se lhes procura atribuir, ou seja que a decisão da Relação foi tomada pelos desembargadores em função de preconceitos ultrapassados e desajustados à lei e à Constituição actuais.

Os jornais de hoje descobriram que afinal o artigo fatal do Código Penal de 1886 estava revogado expressamente desde 1975. E de facto, assim acontece...


Mas a questão essencial não bem essa. É a relevância de um acto de adultério, no caso da mulher, mas poderia ser do homem, para provocar alterações no estado físico e psíquico de alguém que depois de assim ficar comete actos de violência doméstica.  E nisso, deveriam estes jornalzecos pesquisar melhor porque nem era preciso ir muito mais longe que alguns cliques no Google:

I - E de rejeitar a interpretação segundo a qual o Decreto-Lei n. 262/75, de 27 de Maio, ao revogar o artigo 372 do Codigo Penal, tenha querido privar o homem casado do beneficio da atenuante modificativa da provocação prevista na parte especial do Codigo Penal, se achar a sua mulher em adulterio.
II - Independentemente do valor que se deva atribuir ao relatorio que precede o citado Decreto-Lei, nele pretendeu-se justificar a revogação do artigo 372 do Codigo Penal, e so isso.
III - Alias, nesse relatorio não se pretendeu, nem razoavelmente o deveria fazer, justificar a impossibilidade de as pessoas referidas no artigo 372 beneficiarem da atenuante especial do artigo 370 do Codigo Penal.
IV - Pretendeu-se, sim, que o adulterio da mulher e do marido, bem como a corrupção de menores não tivesse, nos termos do artigo 372, uma função alargadora do conceito de provocação, formalmente limitado pelo artigo 370.
V - As palavras daquele relatorio são esclarecedoras. Nele se diz... "porque o artigo 372 abstrai inteiramente da verificação da emoção violenta que aos agentes podem eventualmente produzir tais factos, confere um autentico "direito de matar". Ha que por termo a semelhante aberração, certo como e que, se por parte dos que pratiquem tais factos existir um choque emocional que os leve a violencia, eles tem o seu enquadramento na parte geral daquele diploma (Codigo Penal).
VI - O que se pretendeu foi evitar que, "sem emoção violenta" "que o leve a violencia" e com serenidade o reu beneficiasse da provocação constituida por adulterio ou corrupção de filha menor e da punição simbolica - desterro para fora da comarca por seis meses - prevista no artigo 372, o que conferia, como expressamente se le no relatorio do aludido decreto-lei, um autentico "direito de matar".
VII - Quer dizer, com a revogação do artigo 372 desapareceu a referida função alargadora do conceito de provocação formalmente limitado pelo artigo 370, pelo que os reus, nos casos previstos naquela disposição, so beneficiam da atenuante modificativa da provocação se se verificarem os elementos dela, como em qualquer outro crime doloso de homicidio ou de ofensas corporais. Ficam, pois, sujeitos ao regime geral, não gozando do regime especial ou especialissimo estabelecido no artigo 372.
VIII - A tal conclusão era de chegar, mesmo que o artigo 39, n. 4 , ao considerar a provocação como atenuante, não referisse o artigo 370, quando diz que pode a provocação, consistente em ofensa directa a honra da pessoa, ser considerada como violencia grave para efeitos deste artigo. E isto sob pena de se passar de uma solução obsoleta e injusta como era a consagrada no artigo 372 para outra tambem injusta, como o seria a da impossibilidade legal de aplicar o artigo 370, quando a ofensa grave produtora da emoção violenta que afectasse as faculdades mentais, fosse o adulterio.
IX - O Estado reconhece a constituição da familia e assegura a sua protecção - artigo 67 - e a todos e reconhecido o direito ao bom nome - artigo 33, ambos da Constituição da Republica.
X - Os conjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres, alem de outros, de respeito e fidelidade - artigo 1672 do Codigo Civil. A violação desses deveres pode constituir fundamento de divorcio - artigos 1773 e 1779 do mesmo diploma, atingindo ou podendo atingir gravemente a familia.
XI - Quando um conjuge tem relações sexuais com outra pessoa que não seja o seu conjuge, não e fiel e, violando esse dever, comete o adulterio, que constitui a mais grave das formas de violação do dever reciproco de fidelidade que vincula os conjuges.
XII - O adulterio e considerado ainda em certas condições, em face da nossa lei, um facto ilicito criminal, punido nos termos dos artigos 401 e 404 do Codigo Penal, com as modificações introduzidas pelo artigo 61 da Lei do Divorcio.
XIII - Não se ignora que o adulterio tem perdido a sua dignidade criminal, deixando de ser considerado infracção criminal e, como tal, sancionado. E isso aconteceria entre nos se o projecto do Codigo Penal passasse a ser lei, sem alterações. Por enquanto, o adulterio ainda e, em certas condições, ilicito penal da nossa lei.
XIV - Quando da revogação do artigo 372 podiam ter tido a mesma sorte os artigos 401 e 404 e 61 citados, e estes não foram revogados.


Este acórdão é de 1980, claro. Mas o Código Penal que revogou aqueles artigos 401 e 404º foi aprovado apenas dois anos a seguir. Até lá...estes considerandos do STJ eram válidos, como continuam a ser nos dias de hoje:

"Quando um conjuge tem relações sexuais com outra pessoa que não seja o seu conjuge, não e fiel e, violando esse dever, comete o adulterio, que constitui a mais grave das formas de violação do dever reciproco de fidelidade que vincula os conjuges."

Isto ainda hoje não foi revogado...e foi isto que o desembargador Neto, de modo canhestro quis afirmar. E bem.

De resto vou colocar aqui outra referência de carácter pedagógico, muito recente, de um magistrado de tribunal superior que se pronunciou sobre o...namoro.



Para quem, como o presidente do STJ, anda agora a pedir contenção nas citações que os juízes fazem, este apelo à sociologia de algibeira não está nada mal...é o pior é que a este, o presidente do STJ não diz nada pela certa. Ai não diz, não. Logo digo quem foi que escreveu isto, se calhar e for preciso.

ADITAMENTO:

Nestes dias em que comentei o acórdão do juiz da Relação do Porto não lhe citei o nome uma única vez, penso. Não é preciso porque o assunto é de outra natureza que não a pessoal.  Aliás não conheço a pessoa em causa.

Porém, o Público já lhe fez um retrato em fotomaton e agora repisa-se a mesma tecla do caso pessoalizado. O juiz em causa está tramado, com este jornalismo de sarjeta assinado por Rita Cipriano. Onde é que aprendeu a fazer isto? Na escola de jornalismo dos que não sabem o que é um jornalismo decente e isento?

Questuber! Mais um escândalo!