quarta-feira, dezembro 23, 2020

O oportunismo do Ministério Público

 Este artigo da Sábado de hoje levanta várias questões muito interessantes ( muito mais que a história da tal Lili Caneças)  para quem gosta do tema "corrupção" em modo mediático. 




O que aqui se denota, nos casos elencados é uma atracção fatal pelos contratos públicos de favorecimento de amigos e nepotes vários ou pela manipulação de concursos também públicos, para não falar dos "ajustes directos" que ficam geralmente de fora destas moscambilhices porque conservam a aparência de legalidade quando podem ser bem mais ruinosos e prejudiciais ao erário público que isto que está exposto. 

Portanto, o problema central está relacionado com a gestão de interesses públicos e dinheiro associado.
Nestes casos mencionados é provável que a denúncia dos mesmos tenha partido de entidades anónimas ou participações criminais avulsas que originaram imediatamente a instauração de inquéritos alguns deles sem a ponderação do disposto no artº Artigo 262.º do Código de Processo Penal:

Finalidade e âmbito do inquérito

1 - O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
2 - Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito.


No fim pode haver lugar a isto: 

Artigo 277.º
Arquivamento do inquérito
1 - O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.
2 - O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.

Para além disso, o MºPº pode instaurar inquéritos de motu proprio: 

Artigo 241.º
Aquisição da notícia do crime

O Ministério Público adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia, nos termos dos artigos seguintes.

E quanto a denúncias anónimas, o artº 246º nº 6 diz assim:

6 - A denúncia anónima só pode determinar a abertura de inquérito se:
a) Dela se retirarem indícios da prática de crime; ou
b) Constituir crime.
7 - Nos casos previstos no número anterior, a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal competentes informam o titular do direito de queixa ou participação da existência da denúncia.
8 - Quando a denúncia anónima não determinar a abertura de inquérito, a autoridade judiciária competente promove a sua destruição.


No final se houver lugar a acusação os requisitos são claros: 

Artigo 283.º
Acusação pelo Ministério Público

1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.


É na ponderação entre os indícios suficientes e insuficientes que se manifesta a sageza, sensatez e equilíbrio de justiça de um magistrado. 
E é também nessa ponderação que se manifesta por vezes o oportunismo de certos magistrados do MºPº com apoio e orientação de alguma magistratura hierarquicamente superior. 

A decisão de acusar ou não acusar um autarca envolvido em suspeitas do género apontado tem que obedecer aos estritos ditames da lei processual penal: só se for mais provável uma condenação do que uma absolvição é que deve ser acusado. 
Para tal é necessário conhecer, ponderar e sopesar os indícios e provas existentes e não as que se supõem possam vir a existir num juízo de probabilidade que a lei processual não consente. 
Uma acusação fora dos limites do "razoável", é o mesmo que temerária e que é termo que significa imprudente, arrojado, perigoso, sem fundamento; contrasta com o termo razoável que significa justo, conforme à razão, moderado, sensato, apropriado. Enfim, a distinção é clara. 

É neste interstício legal que se fundamenta um velho hábito vicioso do MºPº  qual seja o de acusar alguém baseado em indícios que intimamente se reconhecem insuficientes mas que se atiram para a frente por motivos espúrios à lei penal e muitas vezes em obediência a critérios insustentáveis como a satisfação hierárquica com acusações.   Em modo temerário, portanto e baseado com considerações inconfessáveis, como sejam a de sentir hostilidade a arguidos por este ou aquele motivo cuja reflexão causaria vergonha a quem o faz. Por exemplo, para ornamentar o sensacionalismo de quem o procura...

Quando tal acontece e julgo que acontece demasiadas vezes e muitas mais do que o desejável, o magistrado do MºPº que assim actua comete um crime grave: o de prevaricação. 

Actualmente, a meu ver há vários magistrados em certas comarcas do país que não sabem ser magistrados e cometem tal tipo de crimes em modo continuado. E nem se apercebem da gravidade em que estão imersos porque lhes falta consciência profissional, para não falar do carácter pessoal. 

É tudo. 

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