terça-feira, janeiro 19, 2021

Amália Rodrigues quantos discos vendeu?

Em 23.7.2020, na ocasião do centetário do nascimento de Amália Rodrigues, escrevi isto, aqui, a propósito de uma cantiga de Amália Rodrigues que o pirata Mortágua disse que gostava de ouvir:

"Como se pode ouvir, é uma musiquinha que se fosse cantada pelo Marco Paulo, aliás um artista que deve ter vendido mais discos que a Amália Rodrigues, seria simplesmente desprezada. Afinal é uma história da classe piscatória...e por isso do afecto do pirata e filha que a ouviu naturalmente nos anos oitenta, já no tempo em que a fã do Presidente do Conselho, Salazar, estava mais que recuperada.
E o pirata também, porque se reconverteu às delícias dos terratenentes agrários e latifundiários.

Uns aldrabões, oportunistas, todos. Incluindo a pobre Amália Rodrigues.

Amália Rodrigues e o Fado, nos anos anteriores e imediatamente posteriores à Revolução era artista esquecida dos media de esquerda. Totalmente. O Fado era estilo execrado porque então só havia o "canto de intervenção" e os baladeiros.

Amália Rodrigues não foi ao Zip-Zip de 1969. E nunca iria, pelos motivos expostos. O Fado era um estilo considerado caduco e da plebe, nos tempos dos finais dos anos sessenta em que surgiu o rock. Tal como o estilo de Marco Paulo ou António Mourão ou mesmo António Calvário.
Se Amália Rodrigues não pertencia ao nacional-cançonetismo, andava lá perto, para toda essa canalha de esquerda.

A primeira pessoa a recuperar mediaticamente Amália Rodrigues para a ribalta do reconhecimento artístico da modernidade dos anos oitenta e noventa foi Miguel Esteves Cardoso, nos escritos de Inglaterra. Aliás fiquei espantado, então, por causa disso. O Jornal, Julho de 1980.

Também eu não ligava pevide a Amália Rodrigues e ao seu Povo que lavas no rio.
Queria lá saber desta composição genial se tinha Onde vais rio que eu canto ( Sérgio Borges, de 1970), para ouvir nessa época!

Enquanto em Portugal Amália Rodrigues era relativamente esquecida na época e andava em tournées por esse mundo fora da emigração e não só ( os japoneses gostavam do Fado...) por cá ouviam-se outras coisas e a juventude não queria saber nada de nada sobre o tal Fado, fosse da Amália Rodrigues ou da Hermínia Silva ou do António Mourão, do genial Ó tempo volta p´ra trás...

É por isso que esta recuperação da artista Amália Rodrigues se torna algo estranha, mas interessante ao mesmo tempo.

Afinal, Amália Rodrigues era uma grande artista e cantava temas bem escritos, com letras interessantes e com voz excepcional.
Não temos muitos artistas assim, mas tal nunca foi suficiente para comprar um disco de Amália Rodrigues. Nem sequer o Busto. Mas ainda vou a tempo, até porque se vendem baratos, apesar da raridade...
"

Por causa deste escrito recebi agora uma mensagem raivosa, eivada de um ódio inusitado  e estranho, com o seguinte teor repetido em dois dias: 



Respondi assim:

E obtive esta réplica da criatura em causa, artista da cantoria,  cuja identidade omito, por caridade:



Não faço processos de intenção escritos aqui sobre o que preside a uma intenção destas, mas há um ponto que suscita atenção e tem importância: afinal quantos discos terá vendido Amália, durante a sua carreira e até hoje? Depois outro ponto ainda: quantos discos venderia Amália Rodrigues no tempo em que Marco Paulo era o rei do disco e da cassete pirata, que aliás foi o motivo do escrito acima mostrado? 

Poderia Amália Rodrigues ter vendido cerca de 30 milhões de discos ao longo da sua carreira como se afirma por aqui?  

Desde logo afigura-se duvidoso atenta a fonte original da informação: aqui (um programa brasileiro de tv) e aqui ( Correio da Manhã).  

Na mensagem de indignação raivosa e maligna citam-se números concretos recolhidos de modo abstracto em "fontes dos tops de vendas", sem qualquer indicação precisa.

Não pode ser verdade plenamente, por um motivo prosaico: nos anos sessenta não havia tops de vendas de discos em Portugal. E depois disso os números conhecidos não permitem tal contabilidade, desde logo por outro motivo prosaico: o disco de Amália Rodrigues mais vendido de sempre é "Vou dar de beber à dor", conhecido também como "A Casa da Mariquinhas". Os sítios disponíveis de informação indicam que vendeu cerca de 250 mil cópias.  

Aliás, para se saber com funcionavam as tabelas de vendas nos anos sessenta, os "tops",  já houve quem estudasse o assunto...e por isso transcrevo daqui:


"No site sobre Arnaldo Trindade estão disponíveis dois recortes de 1969: revista Record Retailer de 13/12/1969 e revista Billboard de de 20/12/1969. O motivo foi a primeira convenção realizada pela empresa que incluiu a presença de artistas da editora Pye (Foundations, Consortium e Long John Baldry) e os portugueses Tonicha, Adriano Correia de Oliveira e Maria da Fé.

É referido que a indústria discográfica ainda era muito incipiente. Lisboa representava 60% das vendas e Porto seguia-se com 25%. Em Lisboa estava centralizada sobretudo na Rua do Carmo com 4 lojas de discos pertencentes ou ligadas às editoras. A maior era a Discoteca Universal de que Arnaldo Trindade possuía uma quota de 65%.

Vendiam-se apenas 2 milhões de discos mas tratava-se de um acréscimo de 12% relativamente ao ano anterior. O formato preferido era o EP sendo raros os álbuns comercializados (1). Os LPs tinham de ser importados e havia monopólio das duas fábricas de vinil existentes. Era ainda prometida a abertura de uma nova fábrica de vinil por parte da Arnaldo Trindade.

No artigo da revista Record Retailer é focado que não existem tabelas de vendas nem uma publicação especializada. Arnaldo Trindade revelou que seria importante a existência de tabelas e que iriam pedir aos produtores para divulgar semanalmente os discos vendidos. Um dos problemas apontados era o facto das editoras estarem ligadas directamente às lojas de discos.

A Arnaldo Trindade foi a percursora no lançamento de álbuns sendo de destacar os discos de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Pop Five Music Incorporated."

Portanto a informação disponível refere que em 1967 Amália Rodrigues terá vendido cerca de 250 mil exemplares de Júlia Florista a que se juntaram outros tantos exemplares vendidos de Vou dar de beber à dor, no ano seguinte. 
E são estes os discos single  com maior registo de vendas de toda a carreira de Amália Rodrigues. Depois disso há os Lp´s de 1985, ano da retoma da carreira da artista em termos de sucesso e que a Valentim de Carvalho lançou com o título O Melhor de Amália, que poderia ter vendido na altura mais de 120 mil exemplares e ao todo, segundo a informação daqui, cerca de 600 mil exemplares. 

A isso acresce a circunstância de a discografia de Amália, em discos LP, ser relativamente escassa, não ultrapassando a dúzia de discos em toda a carreira de 1957 a 1997, para um total de um pouco mais de 180 gravações distribuídas por várias décadas, com destaque para a dos anos sessenta em que publicou 50 gravações. 

Ou seja, no máximo e contabilizando os discos que mais venderam, na ordem das centenas de milhar de exemplares há duas gravações em single dos anos sessenta e os discos Lp de 1985, totalizando um pouco mais de um milhão de discos se acreditarmos no número indicado para os Lp´s.

Para alcançarmos os 30 milhões de discos vendidos em toda a carreira, seria necessário que aquelas gravações singelas e em Lp, cerca de 200, vendessem  os restantes 29 milhões que faltam e portanto em média e cada uma cerca de 145 mil exemplares. 

Pura e simplesmente não é credível tal hipótese. A não ser que no estrangeiro tenham sido editados e vendidos discos que não tenham sido contabilizados por cá, o que aliás não aparece indicado em lado nenhum que conheça. 
 E isso porque Amália foi efectivamente uma grande estrela da música popular e não só do Fado, durante os anos sessenta, obviamente num patamar superior e sem comparação com a canção ligeira de Marco Paulo. 
Nos anos setenta, porém, nem por sombras o foi, apesar do prestígio que nunca perdeu e dos espectáculos que realizou em todo o mundo. 
Só em meados da década de oitenta, em Portugal, voltou a ser uma vedeta do espectáculo porque foi apenas nessa altura que deu o seu primeiro espectáculo ao vivo no país, no Coliseu e para cerca de 4 mil pessoas. 

Portanto, continuo a duvidar e muito que Amália Rodrigues tenha de facto vendido durante toda a sua carreira aquele número estratosférico de discos, ou seja os tais 30 milhões que por aqui vêm indicados...

Se mais não fora, um tal número de vendas deveria ter-se traduzido numa fortuna que não é compatível com estes números aqui indicados, na Fundação Amália Rodrigues que em 2007 tinha uma dívida fiscal de 2,3 milhões de euros. Se não fosse o Sócrates, tinha acabado porque estava falida... 
 

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