Na revista digital, InVerbis, um comentário de Alberto Ruço, serve de comentário a um texto publicado no Correio da Manhã, por Fernanda Palma, sobre os antigarantistas, .
O comentário daquele, merece destaque, pela acuidade visual e clareza mental, dos problemas mais severos que nos afligem nas leis penais. Em contra-corrente, Alberto Ruço, descreve nas entrelinhas e com um humor ácido, o que Fernanda Palma não enxerga e pelos vistos nunca enxergará, a fazer fé nos escritos recentes, um dos quais em defesa de Rui Pereira , seu marido, politicamente comprometido.
O texto de Alberto Ruço, elenca as maiores perplexidades na Justiça portuguesa, na vertente penal. E apresenta as soluções que as unidades de reforma penal, de Rui Pereira ao bloco Central, se recusam a admitir e aprovar. Porquê?
Porque tal significaria uma maior celeridade processual, uma maior eficácia e, no fim de contas, o mais importante: uma maior Justiça. O que obviamente, não é e nunca foi o objectivo das reformas penais, apesar das grandes proclamações introdutórias, nos prefácios dos diplomas.
Como aliás, está à vista de todos, mesmo os que se recusam a ver. Como Fernanda Palma. Esta professora de Direito de Lisboa, erigiu as garantias de defesa dos arguidos, como um totem. Um boi ápis. Um reduto indiscutível de Humanismo a ferver numa qualquer escada em caracol iniciático.
Um acervo de normas em que se garante previamente a um suspeito que qualquer advogado interessado nisso, conseguirá anular actos processuais, livrando qualquer arguido de qualquer pena, mesmo em crimes gravíssimos. Este acervo de garantias, prefigura-se como um reduto de ultras. De radicais livres, pela anarquia, porque é disso que se trata- da injustiça mais flagrante e grave. Da opção ideológica pelo marginal, o delinquente, o perseguido. Resquícios de outros tempos? É inevitável, a lembrança, porque tentadora a memória do tempo do "fassismo", da repressão política e tutti quanti.
Há qualquer coisa, na mentalidade de Fernanda Palma, em modo escrito, que assusta. Principalmente quando lemos o artigo que escreveu a propósito do Direito de legítima defesa, no caso dos snipers da PSP no ataque aos sequestradores do BES.:
Em 1992, defendi que só há legítima defesa ilimitada perante agressões contra a vida, a integridade física, a liberdade e até contra o património, desde que sejam afectadas as condições de realização da pessoa. Nesses casos, é insuportável a não defesa, mesmo que a defesa conduza à morte do agressor.
Uma estrita proporcionalidade, que rejeito, impediria sempre as vítimas de violação ou de sequestro de matar o agente do crime e poderia obrigá-las a suportar a agressão. Ora, não é possível fazer uma comparação abstracta dos valores em conflito, porque o agressor e a vítima não estão em pé de igualdade.
Paralelamente àquela proclamação de princípios ultra-garantísticos dos direitos dos suspeitos e arguidos, surge em todo o esplendor, uma teoria do direito de legítima defesa no caso concreto que, em perplexidade, renega todo esse princípio garantístico de uma inocência nem sequer presumida, assumindo paradoxalmente, a normalidade de um senso comum, aterrador pela aparente contradição e banalização do disparo.
Lembra-me inapelavelmente, o professor Costa Andrade, a deitar às malvas todo o seu humanismo teoricamente ultra-garantístico, nos casos limite do terrorismo: aceita tudo e sem nenhuma garantia, mesmo tirar a vida, na dúvida.
Não posso aceitar estes pontos de vista incongruentes e selectivos. Ou há humanismo exarcerbado, a ultrapassar notoriamente o limite do sacrifício dos interesses das vítimas, ou há sentimento de justiça, pelos que sofrem. Das duas, uma.
E aterra-me que estes teóricos dos pareceres e teorias jurídicas, escolham sempre a primeira hipótese, em favor do quem mata, viola, rouba ou esfola e em nítido desfavor de quem sofre as consequências dessas hediondices.
Deve existir, por ali, naqueles recônditos miocôndricos, um problema psicológico , para estas opções. Uma questão qualquer, ainda não resolvida e nos influencia a vida colectiva.
A continuar, portanto.
E entretanto, aqui fica o comentário de Alberto Ruço, no Inverbis:
1. Se a presunção de inocência do arguido só se elide com o trânsito em julgado da sentença que o condena, então, como é possível submeter um inocente (presumido) a qualquer medida de coação, mormente a prisão preventiva?
Há aqui algo de incongruente e o que parece é que o legislador não acredita na presunção de inocência, apesar de a afirmar.
Depois, talvez por isso, tenta disfarçar esta sua incongruência com a distribuição de direitos e arremesso de irregularidades e nulidades a favor do arguido, benefícios que não confere às vítimas, estas seguramente inocentes.
2. Se o arguido se presume inocente, então ele tem de ser tratado como qualquer outro cidadão e a sociedade deve-lhe exigir, e com razão, que se comporte como um inocente.
E ele mesmo deve ter a honra de não exigir tratamento mais favorável do que aquele que é dispensado à vítima.
Ora, um inocente colabora com a sociedade, coloca-se à sua disposição, pelo menos não cria obstáculos, e quer ser responsável pelas suas acções processuais, assumindo as suas consequências negativas que a si mesmo se fiquem a dever.
3. Se o arguido se presume inocente, o conteúdo da lei processual penal deve ser apenas aquele que respeita os direitos individuais e impede um inocente de se defender e ser condenado.
Não se deve ir muito além disto, porque não é necessário e, se formos, já estamos a maltratar, sem razão, a vítima e a sociedade.
4 . Daqui decorre para o cidadão comum, pelo menos o seguinte:
Que todas as declarações do arguido prestadas no processo, quando submetidas a contraditório, devam ser livremente apreciadas pelo tribunal como prova, sem necessidade do consentimento do arguido.
Que qualquer sujeito processual possa requerer, em qualquer altura, declarações para memória futura, sem hipóteses de oposição do arguido.
Que o arguido tenha de se esforçar no sentido de estar presente na audiência e evitar que se adiem audiências porque ele faltou; ou se anule um julgamento porque o mesmo faltou, quando se entenda que é obrigatória a sua presença e que o tribunal deve mandá-lo deter, nem que todos (magistrados, advogados e testemunhas) tenham de ficar à espera da detenção durante todo o dia.
Que toda a prova tenha de ser obrigatoriamente requerida pelo arguido antes da audiência e que esta não possa ser adiada ou protelada com diligências de prova que já podiam ter sido requeridas no inquérito, como, por exemplo, exame às suas faculdades mentais para determinar a sua imputabilidade, sem prejuízo do juiz a poder determinar se for caso disso.
Que o arguido não possa requerer a abertura da instrução se esta não o puder libertar totalmente da audiência de julgamento.
Que qualquer irregularidade ou nulidade processual só possa ser relevante se efectivamente avaliada conjuntamente como todos os outros actos do processo, possa seriamente ter influência no desfecho final do processo, devendo o tribunal que julga em última instância decidir se, apesar de existir essa irregularidade ou nulidade, a mesma é eficaz ou deve ser justificadamente desprezada.
Que o inquérito esteja, por princípio, em segredo de justiça ao invés de ser público, por forma a proteger a investigação.
Que haja uma limitação séria das decisões recorríveis proferidas em inquérito e instrução e os recursos não sejam um meio de impedir que os processos se arrastem por vários anos, pois se um advogado quiser não deixa terminar um processo, bastando-lhe fazer requerimentos constantes e recorrer de tudo o que lhe for indeferido.10.Novembro.2008
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