segunda-feira, fevereiro 02, 2009

As quintas e os feitores

Com naturalidade, o processo desenrola-se nos jornais, na rádio e na televisão, como se os media fossem o seu lugar próprio. E são dadas informações ou prestados ‘esclarecimentos’ por funcionários, investigadores e magistrados alheios ao processo, que assumem o papel do procurador-geral da República. O segredo de justiça é devassado ao serviço da intriga e a publicidade processual transfigura-se em insinuação na praça pública.
Ora, a violação do segredo de justiça – num processo que, segundo tudo indica, deveria estar nessa situação – é muito grave. É muito grave por atingir pessoas presumivelmente inocentes, mas ainda por dar aos eventuais culpados a oportunidade de criar obstáculos à investigação. Quem estiver mesmo apostado em atingir a verdade não pode ter interesse na violação do segredo de justiça. Tal violação apenas aproveita quem prosseguir objectivos diversos.-
Fernanda Palma, crónica de ontem no Correio da Manhã, via In Verbis.

Breves comentários a esta crónica da professora universitária de direito Penal, Fernanda Palma:

Em primeiro lugar, não é o processo que se desenrola nos media. Para já, é apenas o conteúdo de uma carta rogatória que está agora no processo. O que se desenrola é muito mais do que isso e não necessariamente no processo, onde nem há suspeitos...

Também os comentadores variados, são vistos como entidades espúrias, ao falarem de coisas que a professora universitária de direito penal, reserva ao PGR, no papel de feitor do segredo.
Essas informações e esclarecimentos que tanto incomodam a cronista, podem ser de vária ordem e feitio, porque não há jornalista feito em Ricardo Costa que não dê o seu palpite. Muitos deles, para defender a equipa e as cores, atacada por filisteus que lhes querem tirar a…casa e o quintal. Defendem portanto, as sete quintas deles, como faz Fernanda Palma. E os outros não têm esse direito, porque as quintas já têm dono e feitor.
Em segundo lugar, aparece mais uma vez a lamúria sobre o sacrossanto segredo que anda a ser violado por todos e mais alguém. Mas ninguém descobre por quem.
A luminosa ideia de colocar no Código de processo, a penalização de qualquer violador freelancer, não está a resultar, o que era desde logo perceptível e previsível para todos, menos para quem fez o Código.
Senão repare-se:
Qual é a violação de segredo de justiça que decorre neste processo? Essencialmente, uma e nem é seguro que seja efectivamente uma violação típica e de catálogo: a publicação da carta rogatória seguramente que é uma violação. Será grave, nas circunstâncias em que o foi, ou seja, pelo Expresso, numa quinta-feira à noite e depois de a autoridade judiciária aparecer a falar publicamente sobre o que não deveria ser preciso? Ou seja, depois de todos terem já falado sobre tudo, o Expresso limitou-se a mostrar o "tudo". Quem violou em primeiro lugar e legalmente, o segredo de justiça? Ao abrigo de uma disposição processual que isso permite?

Toda a restante informação, comentada e glosada ad nauseam, saiu de outros lados, incluindo dos próprios envolvidos que disso podem falar à vontade porque nem suspeitos são.
Então passemos ao corpo de delito, a carta rogatória.
O que é que se sabe dessa missiva? Sabe-se que foi expedida na comarca do Montijo. Aqui, várias pessoas tiveram acesso ao conteúdo, incluindo tradutores. Passou à PGR, onde várias pessoas a leram, incluindo os que a remeteram…para onde? Aqui já não se sabe muito bem. Terá sido directamente às entidades policiais inglesas? E a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o que diz disso mesmo? Não passou previamente no ministério da Justiça? É preciso saber e não se sabe.

Depois, sabe-se que em Novembro realizaou-se uma reunião na sede do Eurojust, onde um português, precisamente José Luís Lopes da Mota que foi secretário de Estado de Vera Jardim, teve contactos directos com magistrados e polícias portugueses e ingleses. A matéria da rogatória foi necessariamente debatida. Antes disso, não teve o ministério da Justiça que avalizar e autorizar a ida de magistrados portugueses a Haia? A lei de cooperação internacional, relativa a equipas conjuntas e que é de 2003, não fala expressamente nisso?
E o ministério da Justiça vai autorizar uma deslocação dessas, sem saber minimamente do que se trata?
E o Eurojust, guardou segredo absoluto? E depois, a carta rogatória que chegou do Reino Unido, por onde andou?
Foi directamente remetida à PGR como poderia ter acontecido ou parou noutros lados, como também é possível?

Estas perguntas ainda não vi esclarecidas por ninguém. Parece que ninguém está interessado em saber os procedimentos concretos e desatam a falar imediatamente em carta rogatória como se tal fosse uma simples carta de correio azul. Ou express-mail,
Quanto a Fernanda Palma e ao sacrossanto segredo de justiça, conviria menos hipocrisia e mais inteligência para entender que o segredo de justiça, assim, não funciona em nenhum lugar do mundo, Muito menos no pequeno lugarejo em que Portugal se transformou. Muito por culpa de certas unidades de missão.

Questuber! Mais um escândalo!