domingo, fevereiro 15, 2009

A quarta figura do Estado

O presidente do STJ e do CSM por inerência, Noronha do Nascimento, dá uma extensa entrevista hoje, ao DN/TSF.
A entidade singular máxima, do poder judicial enquanto instituição do Estado, diz assim em certo ponto, sobre o seu problema de sempre, o da investigação criminal ficar a cargo dos juízes:

DN/TSF- Há sempre um juiz, mesmo no processo de investigação.
NN-"Como eu lhe disse há bocado, quando se fala em justiça, há muitos sectores: há a polícia, há o Ministério Público...Ando a defender há muito tempo que a investigação devia ser feita por um juiz de instrução criminal, ando a defender esse modelo espanhol e francês há muito tempo! Que de início também era um modelo distorcido, porque os juízes estavam dependentes do procurador, o que também não pode ser. Imaginemos que o caso Freeport, que chega a tribunal, se chegar a tribunal, só a partir daí funcionam os juízes. Antes disso, está a montante dos tribunais. O Ministério Público faz a investigação, o juiz intervém quando? Só se houver uma prisão, se houver uma busca, se houver uma escuta telefónica.

DN/TSF- Mas já houve buscas, o que quer dizer que neste processo já houve juízes a intervir.
NN- Mas não curiosamente, onde se disse que tinha sido. Houve um lapso aí, a busca não foi onde se disse que tinha sido.

DN/TSF- Se quiser fazer um esclarecimento...
NN- É curioso, porque penso que foi um dos tais lapsos do bastonário."

E pronto. Vamos por partes, porque esta parte tem duas.
A primeira tem a ver com o problema velho que Noronha do Nascimento arrasta consigo de há uns anos a esta parte, sempre por causa da sua discordância pessoal que nunca se cansa de sublinhar em relação ao modelo constitucional de organização do MP e da investigação criminal em Portugal.
A quarta figura institucional do Estado, capricha, sempre que dá uma entrevista, em dizer que não concorda com este modelo e até propõe pessoalmente outro.
Seria fácil dizer, simplesmente, que se trata de uma cretinice, mas a figura institucional ainda se chateia e faz queixinhas a quem não deve. Por isso, não digo explicitamente. Digo apenas que é um dislate que só não tem consequências porque a opinião pública não liga ao que o presidente do STJ diz ou pensa.
Além disso, como o próprio adianta, na Europa há dois modelos desse género. O francês e o espanhol. Por cá, tínhamos copiado o modelo francês que vigorou até finais da década de oitenta do século passado e correu mal, por causas conhecidas e relacionadas com falta de jeito dos juízes para investigar. Além disso, constitucionalmente, era questionado abertamente que os juízes pudessem investigar e julgar. O sistema acusatório impunha outro modelo e por isso foi mudado por Figueiredo Dias no Código de processo penal, a cuja comissão redactora presidiu. NN nunca discute esse pequeno pormenor, como nunca oferece as razões concretas para propôr o seu modelo particular e privativo.
O modelo do Código de 1929 em que NN ainda vive idealisticamente, foi alterado, depois de pensado e reflectido. Desde então, já sofreu várias reformas, a última das quais, da Unidade de Missão de Rui Pereira. Nunca, ninguém, nessas reformas se lembrou de questionar o modelo, sendo NN a única pessoa publicamente responsável por instituições da justiça que tem persistido em afiançar que a marcha ao contrário é que está certa e que todos os outros estão errados.

Além disso e ainda mais: se Noronha do Nascimento estivesse bem informado, saberia que o modelo francês vai acabar em breve e modelo a adoptar pelos granceses será ...o nosso. Se se lembrasse do caso Outreau, entenderia porquê. Se se lembrasse de recentes polémicas com juizes de instrução franceses, por abusos de poder, entenderia ainda melhor. Se olhasse com olhos de ver para o modelo "Garzón", ficaria ainda mais reservado ou então explicaria melhor e com mais fundamento prático e teórico. Mas nunca o fez. À semelhança de um Proença que anda há anos a contestar o modelo do MP sem dizer exactamente porquê e como, lemos sempre essa defesa a outrance do modelo de juiz de instrução, acabado em 1987.

A segunda, também tem a ver com este problema, embora indirectamente.
Apesar de o presidente do STJ e do CSM, não poder ter acesso a informações sobre o processo do Freeport, a não ser em violação de segredo de justiça que lhe incumbe, acima de todos, respeitar, dá nesta entrevista uma informação interessante: afinal as buscas foram noutro sítio que não o que se deu notícia pública.
Quem é que lhe disse isso? Foi alguém da investigação ? Foi alguém de fora dela ? E então o segredo de justiça que se lhes impunha? Veio de outro lado? Não fica esclarecido. [ Um comentador, Santiago, escreve assim na caixa de comentários: "Veio escrito nos jornais que a busca não foi à Sociedade de Advogados de Vieira de Almeida, mas sim ao escritório de uma empresa que ele controlava, cuja sede funcionava na mesma morada.
O bastonário queixou-se de ter havido buscas a escritórios de advogados, mas parece não ter sido assim... ". Pronto. Se a informação veio por aí, está explicado. Mas...]


Porque é que os jornalistas não lhe perguntaram simplesmente: como é que o presidente do STJ e do CSM, Conselheiro Noronha do Nascimento sabe uma coisa dessas, assim com tanta precisão e saber concreto?
É por estas e por outras que isto está como está.

Questuber! Mais um escândalo!