domingo, fevereiro 01, 2009

Um micro no soutien

Este caso Freeport serve para demonstrar os limites da intervenção do poder judicial, concebido de modo amplo e incluindo o do MP que não se confunde com o poder judicial stricto sensu, mas reflecte-se inevitavelmente nesse poder do Estado.

Este caso Freeport desde o início que comporta suspeitas claras e assumidas, de troca de favores políticos, por dinheiro, denunciadas desde o princípio.
Foram e continuam a ser suspeitas cujos indícios se avolumaram nestas semanas, mas ainda sem provas indiciárias suficientes, segundo informação da própria autoridade judiciária do DCIAP, fonte segura de informação.
Eventualmente, as provas indiciárias fatais, poderão nem surgir, porque não foram investigadas como agora sabemos. A lei processual que temos, com as suas garantias, precisamente para evitar estas coisas, sob a capa do humanismo salvífico, fará o resto.

Agora, tal como no passado com os escândalos que abrangeram políticos e eventuais dinheiros entrados para partidos pela porta do cavalo, os factos ficarão escondidos sob o anonimato das fontes que não falam ( nunca falam) ou das regras legais que evitarão que falem.

As entidades investigadoras, como se comprova amplamente, com os acontecimentos da semana passada, andam a fazer de conta que investigam. Com a lei e os códigos à ilharga e a vontade que não parece ser por aí além, por causa das chatices pesadas, temos isto que temos, ao longo de décadas: nada. Nenhum corrupto a sério é apanhado ( e as poucas excepções confirmam a regra) e a impunidade em certos círculos de poder, é total.

E quando são apanhados em tramóias, aparecem logo os Proenças do costume. Como é costume, a vituperar os investigadores e até a defender modelos que se fossem adoptados, conduziriam exactamente aos resultados que querem a todo o custo evitar.

E no entanto, isto poderia ser bem diferente, caso a nossa lei processual penal fosse outra, permitindo aquilo que nos países democráticos como os EUA, se permite sem qualquer problema de atentado aos direitos liberdades e garantias.

Por exemplo, no caso do governador do Illinois, destituído esta semana pelo congresso norte-americano, a investigação começou exactamente como poderia ter começado aqui, logo em 2002...e não em 2008 como parece ter acontecido.

O artigo que explica como se deve investigar este tipo de casos, vem na revista New Yorker de 5 Janeiro de 2009 e é fácil de ler.

Para quem não domina o inglês, diga-se que tudo começou em 2003, numa altura em que Pamela Davis, presidente e CEO do Edward Hospital, em Napervilee, Illinois, tentava obter o licenciamento de um edifício para uma nova unidade hospitalar.
A entidade licenciadora, era a Illinois Facilities Planning Board, uma entidade do Estado. Uma ou duas noites antes da audição para a eventual aprovação oficial, Pamela Davis recebeu um telefonema de Nicholas Hurtgen, gestor da financeira Bear Sterns, avisando-a de que se não concordasse em contratar determinado empresário, poderia deixar a ideia de lado, porque o pedido de licenciamento não seria aprovado.
Pamela não ligou e foi para a reunião. O pedido foi chumbado. Indignada, decidiu telefonar ao FBI que em primeiro lugar não ligou muito. Tentativas de corrupção era piece of cake para os profissionais da polícia, porque malucos a denunciá-las é que não faltavam.
Ainda assim, concordaram em ouvi-la por uma única vez. E quando ouviram decidiram pôr-lhe escutas no telefone dela e deram-lhe um micro para colocar no soutien.
E puseram-se numa carrinha, fora do edifício, à escuta do que viria. E quem veio, foram os corruptos. Os agentes do FBI disseram-lhe para convidar Hurtgen e Jacob Kiferbaum, o empresário mafioso que ela deveria ter contratado para assegurar o licenciamento.

Quando ambos chegaram ao gabinete de Pamela Davis, o FBI estava já à escuta.E confirmaram o que a mesma dizia, porque eles o repetiram: se não nos contratar, nada feito, o projecto não é aprovado. Essa conversa ficou gravada.
E foi assim que o assunto interessou o gabinete do procurador Patrick Fitzgerald. Durante os sete meses seguintes, Pamela Davis colaborou com o FBI, com o método usado: um micro no soutien. Pequenino e que ela muitas vezes pensou que iria cair e denunciá-la aos corruptos do Illinois.
Foi assim, a partir desse episódio e com esses métodos que depois alargou nas escutas efectuadas que o FBI e Fitzgerald apanhou os corruptos e também o próprio governador.
Durante os meses da investigação nem um cochicho transpirou para o exterior ou para a imprensa. Os investigadores nos EUA, sabem guardar segredos. O FBI disse a Pamela Davis para nem dizer ao marido que estava naquela situação.

Agora comparem isto com o caso Freeport e todos os demais que cheiram a corrupção que tresandam. E digam lá se as Unidades de Missão para as reformas penais não cumprem bem a respectiva...Missão. E quem diz Unidades de Missão, pode dizer outros e outras...

Aqui, com esta belíssima lei processual com as garantias todas, a recolha de prova pelo micro não seria válida, como não seria válida a prova recolhida contra o Governador, apanhado numa escuta fortuita. O professor Costa Andrade, diz que não vale. Citando os alemães do tribunal constitucional.

E ninguém se atreve a dizer a esta gente que o rei vai nu. Sem soutien.

Questuber! Mais um escândalo!