sexta-feira, maio 24, 2013

Marcello Caetano por Vasco Pulido Valente na K de 1990

Para o fim de semana deixo aqui um artigo extenso, de Vasco Pulido Valente e sobre Marcello Caetano, publicado originalmente no segundo número da revista K, em Novembro de 1990.
A revista K surgiu no panorama nacional no início da década de noventa, pouco depois do aparecimento do Independente e tinha igualmente como director Miguel Esteves Cardoso, então o enfant terrible do jornalismo nacional.

Quando comprei o primeiro número ( e seguintes) fiquei sempre com a sensação de que aquilo não era o desejável e tirando um ou outro artigo nunca li a revista, embora a folheasse. Os artigos eram ( são ) intragáveis, o estilo vagabundo e desgarrado de uma linha, sempre a puxar a um pingarelho imaginário. Aquilo nem sequer chegava aos calcanhares de uma Actuel revisitada nos oitenta e se o modelo fosse o de uma Esquire ou de uma GQ ou de outra qualquer com cheiro americano, ficou sempre muito aquém do standard mínimo. Ao revisitar os números antigos fico sempre com a mesma sensação: deixou muito a desejar e nunca conseguiu sair de um gueto editorial que também nunca me interessou. Mas coleccionei e guardei, para memória futura.

Fica a capa do segundo número da K e a ficha redactorial que explica o motivo dessa frustração. Os nomes não são de gabarito suficiente, apesar de o director, Miguel Esteves Cardoso ainda gozar de um prestígio que lhe conferia uma garantia de qualidade diferenciada da média.




















Não obstante essa frustração, o artigo extenso de Vasco Pulido Valente sobre Marcello Caetano foi uma das primeiras tentativas de expôr um pensamento estruturado sobre a figura do regime deposto no 25 de Abril de 1974.

Para o fim de semana ficam treze páginas de um total de 26. Amanhã há mais.



12 comentários:

JC disse...

Essa revista com esse artigo deve valer ouro.
Vai ser uma boa leitura para o fim de semana.
Gostei logo da entrada, a dar conta que tanto Cunhal como Soares provêm de familias burguesas.
Da riqueza do Soares, eu sabia; do Cunhal, nem por isso.

Quantos saberão que Salazar e Caetano provinham de famílias humildes - do "povo", afinal - e que tiveram que subir a pulso na vida, e que os lideres da esquerda do pós 25 de Abril, que se dizem defensores desse "povo", eram meninos ricos, oriundos das classes ricas?

Floribundus disse...

a 1ª imagem que retenho de MC é a envergar a 1ª farda da Mocidade Portuguesa.

à distância de 50 anos verifico ter sido bem melhor que boxexas, chorões sampaios, guterres, sô zé, tó zeros, e algumas anedotas do psd que por aí circulam.

era um homem inteligente, tolerante, que não teve a sorte de encontrar um 'João Carlos' para uma transição pacífica.
a boxexada e sampaiada dificilmente o aceitaria por queriam ser donos do rectângulo com o insucesso que suportamos dia a dia ... anos a fio.

na Fnac Colombo havia hoje 8-10 livros franceses com muito interesse para a compreensão da II GM. faltou-me orçamento por causas destas lástimas.

foi lá que recordei Caetano e execrei os sociais-fascistas e companheiros de estrada que nos deixaram estropiados quanto ao negro futuro, com túneis sucessivos.

Joaquim Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Joaquim Pereira disse...

O mal de Marcello Caetano foi ter nomeado chefe das Forças Armadas o Costa Gomes, um comuna — matreiro e falso! —, que por seu turno deu guarida às chico-espertices do seu vice, o Spínola — de direita mas burro, só vanglória! —, assim o pondo ao serviço da sua traição

zazie disse...

Curioso o VPV dizer que ele foi o maior intelectual da história moderna portuguesa.

muja disse...

Mesmo sem conseguir abster-se de algumas considerações despropositadas, e até de manifesta má-fé, o artigo é interessante sem dúvida.

Em traços gerais parece concordante com o que li do próprio Marcello. Certas coisas porém, são um bocado basbaques.
Marcello não era um alienado, como parece sugerir-se subtilmente no texto. Previu e muitíssimo bem, o que se passaria se os adversários do país levassem a deles avante. A sua crítica à democracia - ao liberalismo - era correcta e avisada, como hoje se comprova.

A a caricatura que faz do Estado Novo também roça a imbecilidade, por vezes. Na página 45 diz assim:


No pequeno mundo a que se resumia a política do E.N., este atrevimento provocou um "escândalo". Marcello, segundo as suas próprias palavras, tornou-se uma "pessoa incómoda". Isto, evidentemente, na ausência de uma imprensa livre, de partidos e de eleições, parece absurdo.


Onde está o absurdo? Porventura é necessária imprensa livre (e que livre é agora, como todos sabemos!), serão necessários partidos e eleições para haver "pessoas incómodas"? É que eu não vejo pessoas incómodas hoje em dia. Tirando um Medina Carreira ou um José Gomes Ferreira, não vejo ninguém a incomodar ninguém. Passámos de uma pessoa incómoda, para duas - que juntas, chegarão aos calcanhares de Caetano, mas não muito mais que isso. Não compreendo onde quer chegar o cronista com esta passagem.


Mas, de facto, Salazar e a sua gente tratavam com inteira seriedade a vida política fictícia das suas querelas internas.


Esta então é de estalo. Com que então a política era fictícia? Hão-de ser precisos partidos, eleições e imprensa "livre" para a política não ser fictícia, às tantas... - parece intuir-se do escrito.
Por um lado, antes de tudo isso não haveria política, segundo VPV: nem os reis, nem os príncipes, nem os imperadores, nem romanos, nem gregos, nem nada. Era tudo fictício com certeza. Era tudo "querelas internas". Enfim. Como há-de ter sido fictícia a política externa em quarentas, que nos permitiu passar ao lado de uma guerra bem real. Enfim. Já por outro lado, está à vista a "realidade" da política hodierna, com partidos, eleições e imprensa "livre". Muito menos fictícia, muito mais "real". Nada que ver com o "universo de fantasia" do Estado Novo. Bom, então eu poria as coisas nestes termos: o EN era um universo de fantasia populado com pessoas sérias. O estado actual é o universo real populado de palhaços.

Mas acho que o mais importante é a comparação do carácter de Marcello com os seus discípulos, os que agora mandam na "democracia". Gente sem valor é o que é. Gente para quem os interesses do país nunca se sobrepuseram aos próprios, é o que se constata. Que não se sobrepõem (no presente) já o sabemos todos e bem. Mas as últimas páginas do artigo ilustram uma cambada de oportunistas que já na altura procuravam mais do que mereciam. A criação do Expresso é o epíteto disso mesmo.
Foi talvez aí que Marcello falhou: em reconhecer a verdadeira índole de todas as pessoas que o rodeavam. Mas isso é falha que partilha com os maiores expoentes da humanidade. A traição sempre foi a forma privilegiada de fazer cair grandes homens - provavelmente por ser a única.

Vivendi disse...

Excelente decomposição Mujahedin!

Os jogos de poder são sempre muito complexos. E o grande problema de Portugal sempre esteve no outro lado, no lado do Mário Soares e de Álvaro Cunhal.

Não foi o Estado Novo que não mereceu a democracia mas o outro lado e a história simplesmente deu razão a Salazar e a Marcello.

foca disse...

José
A K tinha alguns artigos interessantes, o saudoso Leonardo Ferraz de Carvalho era brilhante (na minha opinião, claro!)
.
Havia muitos excessos mas desculpáveis pela juventude.
Tenho pena que nao tenha continuado, porque podia ter evoluído com a maturidade.

Mirza disse...

O artigo é de facto muito bom, Marcello, com todas as suas fraquezas e contradições era um homem superior. O Al Qaeda confirma-se como um idiota

josé disse...

foca:

O Leonardo Ferraz de Carvalho era um indivíduo que coleccionava jornais e revistas, como eu. Numa entrevista, muito antes de morrer, disse tal coisa e identifiquei-me logo com o indivíduo por causa disso.

Há pessoas que não deviam morrer cedo.

josé disse...

Mirza: voltamos ao insulto e delação?



É assim que um democrata educado se deve comportar?

Maria disse...

Magnífica análise do artigo de VPV, Mujahedin. Ainda não completei a leitura por falta de tempo, mas já li bastante. Concordo também com as palavras acertadíssimas de Vivendi.

Segundo palavras de meu pai, Marcello Caetano era um político honesto e uma pessoa íntegra, independentemente dos defeitos políticos que pudesse possuir. Era daquelas pessoas que não via maldade nem traição naqueles com quem lidava, políticos ou outros. Não posso falar muito sobre a sua personalidade por ter tido pouco ou nenhum contacto directo com a política portuguesa, primeiramente por ser demasiado jovem e depois, logo a seguir, por ter vivido fora de Portugal os úlltimos anos de governação de Salazar e todos os de Caetano. O que sei hoje dele é o que tenho vindo a ler posteriormente.
Todos aqueles que fizeram o mesmo percurso académico em Coimbra, uns mais velhos outros mais novos, naturalmente que todos se conheciam pessoalmente. Com alguns deles os laços de amizade nunca foram quebrados, com os restantes ficou só o conhecimento mútuo. Foi o que aconteceu com o meu pai. Conheceu M.C. embora não intimamente, bem como outras personalidades conhecidas da sociedade, políticos e não políticos, todos ex-estudantes conimbricenses. Sendo o meu pai contra o regime, como já aqui escrevi, nunca por nunca ser disse mal de Salazar ou de M.C. Por outro lado, antes de ir para fora era muito novinha para fazer perguntas sobre política e por outro, mesmo que as fizesse pouco adiantaria, o nosso pai não admitia discussões políticas em casa, um dos motivos era para não sermos influenciados por ideologias de esquerda ou de direita . Mas não só, talvez ou de certeza também por respeito para com a nossa mãe e toda a sua família, todos monárquicos.

Havia porém nesta sua postura, aliás perfeitamente coerente, algo de extraordinário derivado ao ambiente em que cresceu e à educação recebida, que a justificava plenamente. Como filha, cada vez admiro mais o rigor e o respeito como eu e os meus irmãos fomos educados em casa e na escola. A isso se deveu o ambiente em que o meu pai cresceu e foi educado, os exemplos nobres absorvidos e a civilidade por que norteou toda a sua vida. Dos anos em Coimbra trouxe e conservou um republicanismo de que nunca abdicou, mas - e agora surpreendam-se - teve a sorte (digo eu) de simultâneamente crescer no seio de uma família monárquica!, pela qual foi educado primorosamente, proporcionando-lhe um ambiente excepcional e uma formação ímpar baseada na honestidade, na integridade e no respeito - estes os valores mais importantes que qualquer ser humano digno deste nome deve possuir - que lhe moldou o carácter e o norteou pela vida fora, passando-os inteirinhos a todos os filhos. (Os meus avós viveram uns anos fora de Portugal e para que os filhos recebessem uma educação como eles desejavam, dois deles ficaram em Portugal sob a protecção e educação de uma família amiga que vivia perto de Coimbra).

Como não podia deixar de ser o meu pai, como a maioria dos portugueses, ficou satisfeito mas não mais do que isso, com a mudança de regime, embora curiosamente (dado a sua rectidão de carácter, parece que adivinhava as traições que se seguiríam pela mão dos 'democratas', alguns deles seus conhecidos de longa data, mas não amigos) nunca se tenha pronunciado demasiadamente a esse respeito. Infelizmente o meu pai, patriota onde os há e com um coração do tamanho do mundo, não viveu o suficiente para conhecer os traidores que se apoderaram de Portugal para o fazer em fanicos. Tivesse o meu pai sobrevivido mais uns anos e muito gostaria eu de ouvir a sua opinião sobre a massa pútrida de que é feito o bando de criminosos e ladrões - armados em políticos impolutos - que destruíu um País milenar como quem pisa um simples insecto.

O Público activista e relapso