domingo, abril 19, 2015

A grandiosidade fantástica dos adeptos do salazarismo sem Salazar

"Será que o Marcellismo foi um corolário do Salazarismo ou um preâmbulo ao socialismo/ social-democracia?"

A pergunta formulada aqui, segue uma hipótese explicativa do sucesso do golpe militar em 25 de Abril de 1974, ou seja a de que ninguém, nessa altura, estava disposto a "dar o coiro por Marcello Caetano".

Marcello Caetano estava sozinho nesses primeiros meses de 1974?

Para se compreender quem era Marcello Caetano em 1974 é necessário surpreender o que disse, o que fez e o que escreveu e ainda assim ficam dúvidas sobre a pessoa e aquilo que pretendia para o país que já não era o mesmo que herdara de Salazar em 1968.

Os adeptos indefectíveis de Salazar e que gostariam de ver continuada a obra e o espírito do mesmo sem cortes epistemológicos, não perdoam a Marcello Caetano a "evolução na continuidade".
Para esses, como é o caso flagrante de E. Freitas da Costa e outros, não muitos, e que escreveram sobre o assunto, Marcello Caetano foi uma espécie de traidor a essa obra que se organizou em quase 40 anos.

O melhor  exemplo dessa corrente imobilista, bem como a explicação das razões para tal,  é dado pelo mesmo E. Freitas da Costa no livrinho Acuso, já citado.

A primeira explicação tem a ver, aliás, com acontecimentos dos últimos anos de governo "salazarista" e protagonizados pelo próprio.
Em primeiro lugar a suavização da "mão de ferro". Salazar nunca fora o ditador que agora se apresenta para as crianças aprenderem e se lembra falsamente ao povo, mas a partir dos seus setenta anos amaciou a luva que envolvia aquela e tal seria consequência da perda de energia para lidar com todos os ministérios, uma vez que os da guerra lhe exigiam todo o esforço. Os restantes, foram-se autonomizando mais do que antes. 


A seguir, uma remodelação governamental em Agosto de 1968 que terá sido "cozinhada" pelos áulicos que já tinham tomado as rédeas da autonomia que dantes não havia.


Portanto, a conclusão lógica é que o primeiro erro de Salazar foi a concessão de maior autonomia aos membros do seu Governo, em vez de uma maior concentração de poder na sua pessoa e por isso maior autoritarismo, o que aliás  já era uma das características do próprio regime.
Os críticos de Marcello Caetano queriam maior ditadura do que a já existente. Isso num mundo ocidental em que a pressão para acabar com as ditaduras, mesmo suaves como a nossa,  era já insistente, permanente e que nos colocava em isolamento crescente. O episódio "Maurice Béjart", em Junho de 1968,  nada lhes ensinou e julgam por isso desejável e possível tal continuidade sem evolução

Depois, ainda segundo o mesmo e outros,  tal efeito amaciador e deletério conduziu ao descalabro, porque permitiu a entrada do cavalo de tróia da execrada renovação, mesmo travestida de evolução na continuidade. Responsável? O "autoritário e orgulhoso" Marcello Caetano que passou a dar preferência aos "áulicos" da nova corte.

Marcello Caetano, para estes fiéis seguidores do salazarismo atávico, mais papistas que o próprio papa ( Salazar desinteressara-se da escolha do seu sucessor, pura e simplesmente),  Marcello não era  "especialmente dotado" para reiniciar a actividade coordenadora que Salazar perdera com a idade...e havia melhor por onde escolher.  Por exemplo, "o Professor João Lumbrales, dr. João Soares da Fonseca, dr. António de Castro Fernandes, dr. Franco Nogueira" , são os nomes apresentados.



Portanto, a partir de Marcello Caetano tudo se desconjuntou e não só as "estruturas" antigas se desagregaram por efeito deletério das ideias "involutivas", como tomaram rumos que futuramente desaguariam na alteração do regime, ocorrida em 25 de Abril de 1974. Culpado principal? Nem é preciso apontar...

Esses antigos defendiam ( e defendem?) um reforço do corporativismo dos anos trinta, um maior esforço da política fiscal sobre os "plutocratas" em embrião que se desenvolveram a olhos vistos e ainda a retoma da velha ideia de império dos anos 40, com a exploração plena de "todas as virtualidades da pluricontinentalidade do nosso território".

Um programa fantástico, claro,  no qual nem Salazar já acreditaria se tivesse a idade de Marcello Caetano.  É este o realismo fantástico dos salazaristas empedernidos pelo tempo que tinha passado.




Mas...teria Marcello Caetano traído esses ideiais de grandiosidade fátua assente numa ideia fantástica?

Veremos a seguir.

29 comentários:

Bic Laranja disse...

« Como diz, a revolução portuguesa foi uma autêntica revolução social, preparada nas ideias e vinda como vaga de fundo de camadas doutrinadas, iludidas ou pelo menos desejosas de novidade. Eu sentia há muito que ela se aproximava. E quem um dia analisar o que disse e o que fiz durante os cinco anos e meio do meu governo verificará que, quase sozinho, busquei opor à ideologias crescentes uma doutrinação, procurei apelar para o sentido realista das pessoas, pus diante dos olhos do país previsões logicamente extrapoladas do que via afirmar-se, travei a liberalização encetada para combater a subversão, reprimi num ambiente de crescente favor pela permissividade... Terão muitos mais feito o mesmo? Colaborado comigo? Cumprindo inteligentemente o seu dever?
« O mais dramático da minha vida hoje é ver como eram maus os meus colaboradores, sem carácter, sem princípios, apenas movidos pela ambição e o apego ao poder. E daí o espectáculo que hoje dão».

J.V.Serrão, «LXIII, carta do Professor Marcello Caetano ao autor, Rio, 11/9/77», in Correspondência com Marcello Caetano, Lisboa, Verbo, 1994, p. 115.

Bic Laranja disse...

Do que vejo ainda agora, a cegueira pelas novidades ´´e imbatível, por mais senso que se procure incutir.
Desesperante!

Bic Laranja disse...

Caetano coibiu-se de reprimir mais no dia 25 de Abril. Deve ter pressentido que seria o único a fazê-lo.
Ressentimento foi o que colheu doutros que queriam que o fizesse, mas, por si, podendo-o, o não fizeram.

Bic Laranja disse...

A editora do livro acima é a Bertrand, não a Verbo.

jose disse...

A Correspondência entre Marcello Caetano e Veríssimo Serrão deveria ser divulgada.Marcello foi atacado por todos,só aqui na Porta lhe foi dada a possibilidade de se defender depois da morte.
josé j.

josé disse...

Serão divulgadas as que interessarem mais.

Até prova em contrário sobre a malvadez de Marcello, o assunto merecerá a minha atenção.

dragão disse...

Isto não acrescenta nada a coisa nenhuma.

Já percebemos a posição de ultra-marcellismo a todo o custo e para esse peditório já dei.

Quanto ao outro postal é mais do mesmo: teoria da conspiração contra Marcello, rodeado de incapazes e de incompetentes, que foi obrigado a escolher com uma arma apontada à cabeça, ou por ser excessivamente angélico e estar demasiado absorto a administrar a herança do Mito (não lhe sobrando assim tempo para perceber a mesquinhez humana), enfim, um Marcello dolorosamente só, vítima de tudo e de todos, especialmente dos "salazaristas malvados", fiel depositário das tábuas, não apenas em vida mas tambem a título póstumo. Graças a Deus, a justiça tarda mas não falha: quase meio século depois, eis que surge um paladino intrépido e tenaz, disposto a lavar a honra conspurcada do santo mandarim. Monomania científica batalhando na minimaginação contra o putativo realismo fantástico.

O requinte-mor deste circo? É que afinal há um salazarista sem Salazar digno de louvor, um que constitui excepção... Quem? Ora, quem havia de ser: Marcello, pois claro. O que os outro têm é inveja. Têm e tinham. Por isso conspiraram sempre, e postumamente, contra ele, o pródigo.

Uma cambada de Cains em fila contra um pobre e solitário Abel, é o que é!...

Supimpa os "ideiais de grandiosidade fátua assente numa ideia fantástica". Por contraponto, quiçá, aos "materiais duma irrisão pífia flanando numa sensação rústica".

zazie disse...

Gostei do flanar numa sensação rústica.

É título para uma tese

":O)))))))))))

José disse...

"Flanar uma sensação rústica" é expressão de antologia e vou mostrar quem flanou em modo superior tal estado psíquico de superioridade mental.

E nem vou incomodar muito o scanner, porque já o massacrei com o assunto e tenho-o arquivado.

José disse...

"Flanar numa", porra!

zazie disse...

É mesmo de antologia. Não lembrava ao diabo

aahhahahahaha

José disse...

Vai ser um prazer, algo...mórbido.

Porém, estamos a lidar com clubes de poetas mortos.

Alguns literalmente e outros que continuam com ideias que me parecem já fossilizadas e que aliás tenho pena que estejam nesse estado rígido e poeirento.

Refiro-me às ideias que são mesmo de um realismo fantástico e que tenho mesmo saudades não sejam aproveitáveis na prática.

A ruralidade já não volta do mesmo modo e os costume evoluiram com a técnica.

Por um lado é boa coisa mas por outro perdeu-se uma maravilha que dava sentido a muitas vidas.

muja disse...

Mas quais são essas ideias fossilizadas afinal? E quem é define o que está e não está fossilizado?

É o "tempo"? Mas o tempo, convir-se-á, há-de ter pelo menos intérpretes.

Quem são eles? Como sabemos que o que interpretam vem do tempo, ou apenas do interesse que eles têm?

Não vejo utilidade nenhuma em usar essa linguagem: "fossilizada", "poeirentas", etc. Já expressa um juízo que não vem com o fundamento. É da mesma natureza que o paleio esquerdista.








zazie disse...

Sim, o paleio esquerdista também é fóssil.

Os motivos são os mesmos.

zazie disse...

O José deu aí 2 exemplos que são um imagem disso:

1- A noção de Império à Exposição do Mundo Português.

2- A censura cancelando espectáculo e mandando para fora da fronteira o Maurice Béjart.

zazie disse...

A primeira é mito que merece valorização dentro desse sentido; a segunda foi asneira fora de época. Não fazia sentido manter-se uma censura desse género.

Fazer perdurar este modelo até aos dias de hoje é descabelamento mental.

José disse...

ideias fossilizadas são ideias mortas e mantidas com a aparência de vivacidade necessariamente artifical.

O que é uma ideia fossilizada, então e em concreto?

Aquela que já feneceu porque o tempo a matou.

A ruralidade do Portugal antigo não se pode recuperar jamais porque deixou de existir com as características existentes ao tempo.

Jão é preciso haver bois de carreteiros porque há máquinas que os substituiram com proveito e vantagem.

Como não há bois não é preciso carros para eles. E foram-se os carpinteiros de então.

As pedras de cantaria, como as do cemitério do Vimieiro, já não se fazem como dantes porque isso agora é trabalho de escultor de belas-artes. Logo perdeu-se esse saber.

A produção de vinho naquela encosta de um pequeno ribeiro na região do Dão, teve uma última colheita:

foi em 1970, ano da morte de Salazar. O vinho foi engarrafado numa das garrafas mais bonitas que conheço e mostrarei aqui uma delas porque serve de exemplo.

As ideias fossilizadas são as que redundam em aproveitamente de noções que se perderam e não é possível recuperar porqué já não têm proveito.

As que têm, essas, é preciso agarrá-las com todos os sentidos e divulgá-las.

José disse...

o corporativismo dos anos trinta podia ter sido um ideia genial. Mas...e agora?

A colonização de territórios africanos segundo os valores antigos, ou seja, em vigor até à Segunda Guerra, até poderia defender-se e muitos defendiam.

Depois disso, houve quem percebesse que essa ideia estava a morrer e morreu.

Nós, apesar de morta continuamos a venerar o fóssil...

muja disse...

Hmm, entao e essa vinha não se poderá replantar?

Esse corporativismo deixou de ser genial - admitindo que o era - porquê?

Registo a condição sob a qual a colonização dos territórios africanos não pode já ser feita. Mas não será essa condição mais imposta por aqueles a quem os valores antigos estorvavam do que pela constatação natural que os valores estavam degradados ou não eram bons (como a mim me parece que deva sempre ser)?

josé disse...

"Esse corporativismo deixou de ser genial - admitindo que o era - porquê?"

É preciso perguntar? Se é respondo com o dito do tal César Monteiro...

josé disse...

"Hmm, entao e essa vinha não se poderá replantar?"

E as cepas são as mesmas? E seriam enxertadas como antigamente? E os podadores ainda usariam "espadanas" para atar as vides?
E a vindima era manual e apanhar-se-iam os bagos, pelas crianças que tinham esse trabalho?
E as uvas iriam para "dornas" como as antigas onde se esmagariam com os pés dos pisadores?
E a fermentação do mosto seria nas antigas cubas e dornas? E esmagar-se-iam as uvas também por método manual?

E o vinho ficaria nas pipas até ao S. Martinho para se provar?

E seria engarrafado como se vê na imagem com lacre especial?
E as garragas ainda poderiam ser iguais?

Como vê, se tudo isto fosse possível ainda seria preciso que a água passasse duas vezes debaixo da ponte do Vimieiro. E agora só passa, mesmo ao lado, o IC3 que cortou a quintinha...

muja disse...

Vinhas são vinhas e vinho é vinho.

Algumas dessas coisas estão obsoletas, outras nem tanto. É preciso ver quais. Porque se calhar algumas até são o contrário. Porque se usar postes de madeira ou pedra é obsoleto, e pô-los de metal é de caras, se calhar as espadanas até são "sustentáveis".

"Sustentável" é uma boa palavra. Há coisas que passaram de obsoletas a "sustentáveis" num dia...

Os problemas que o corporativismo se propunha resolver ainda não foram resolvidos, e os traços gerais da solução que apresenta não perderam validade.

É como a vinha, é preciso ver quais são os postes e quais as espadanas.

muja disse...

Mas é preciso ver, e não deixar que esses ventos - que parecem certa "investigação" médica que ora recomenda sardinhas ora no-las proíbe - nos imponham a resposta...

josé disse...

muja: é preciso ver. Isso é. E quem é que está por cá que tenha capacidade dessa visão?

É que o problema é mesmo esse: não basta tentar repristinar o passado porque algumas coisas desse passado morreram e fossilizaram e era esse o sentido que dava ao que escrevi.

V. mesmo concorda com isso.

Porém, há algo que pode ser aproveitado e é esse algo que gostava de saber se alguém será capaz de o aproveitar.

Mas não pode ser o corporativismo porque já não pega.

muja disse...

Essa capacidade de visão temos que a ter todos.

E fazer orelhas moucas a quem está sempre pronto a acusar de saudosismo e outras coisas que não significam nada de concreto senão o derrogatório.

Não sabemos o dia de amanhã.

O corporativismo não "pega" porque não é explicado. Caso contrário, pegaria como qualquer outra coisa. Como ainda pega o comunismo cujas raízes estão no num tribalismo de dois mil ou três mil anos. Se pegava mais ou menos, em comparação com outros, só vendo.

Mas ignorar ou pôr de lado soluções, conceitos, ideias, sistemas e doutrinas só porque estão "poeirentos" ou "fossilizados" é que não concordo. Isso é logo ceder a derrota antes mesmo do combate: porque qualquer coisa pode ser ferrada como sendo poeirenta e fossilizada, pois as coisas têm continuidade e pouco há de totalmente novo.




muja disse...

E se o corporativismo for mesmo a melhor solução?

Só porque alguém nos diz que está "poeirento" ou "fossilizado" ou "não pega" temos que ir procurar uma incógnita?

E, se e quando a encontrarmos, os ventos desempoeirarem o corporativismo e de obsoleto tiver passado a sustentável?

Quem diz corporativismo diz outra coisa qualquer.

Eu não desprezo nada nem acho que nada está fossilizado ou poeirento. Essa maneira de olhar para as coisas é errada.

Devem avaliar-se as coisas pelo seu mérito e não pela sua idade. As coisas passam a obsoletas quando, tudo o mais igual, surge outra que faz o mesmo melhor.

Portanto, em relação ao corporativismo, estará obsoleto? O que é que faz o mesmo melhor? A social-democracia? Enquanto houve prosperidade, talvez...

josé disse...

Acho que o corporativismo só pega se a Igreja Católica recuperar a influência que já teve, nessa altura.

Ou seja, que a Religião tenha um sentido mais premente na vida das pessoas em geral.


Apache disse...

«ninguém, nessa altura, estava disposto a "dar o coiro por Marcello Caetano".»

A minha leitura é, em parte, esta. É que para o MFA, o golpe era para mudar o regime (e entregar os territórios ultramarinos) mas para os spinolistas, o golpe era para derrubar Marcello. Ora, se ninguém apoiava os primeiros (o próprio Diniz de Almeida reconhece que andariam pelos 3% das forças armadas, os segundos tinham uma missão que agradava à “direita”, que os tolerava. Daí a justificação (em parte) de ficar tudo a ver o golpe passar. Afinal, que fizeram os golpistas: de madrugada, tomaram os estúdios de alguns órgãos de comunicação social; de manhã, exibiram-se, em passeio, por Lisboa; à tarde, foram prender o Marcello.
A outra parte da passividade explica-se pela ausência de ordem superior para a neutralização do golpe e, pelo facto de ninguém querer disparar primeiro contra forças sem força militar alguma.

Apache disse...

“Os críticos de Marcello Caetano queriam maior ditadura do que a já existente.”

Não sei se o período marcelista ainda pode (partindo do pressuposto que o salazarismo podia) ser considerado uma ditadura. A censura? Mais explícita que a de hoje, ou apenas oficial? A proibição de partidos de extrema-esquerda? Hoje, a Constituição impõe o Socialismo.

Os críticos pedem, essencialmente, mais firmeza no combate aos terroristas africanos para não perpetuar uma guerra cuja vitória, nas frentes que mais interessam, está à vista. Pedem, também, mais firmeza com os autores de tentativas de golpe de estado, mais firmeza no combate à corrupção e um travão no “galopante” estado social.

O Público activista e relapso