domingo, maio 20, 2018
Todos opados
Imagem da revista Sábado de 9.2.2012, daqui.
“A Defesa dependia dele como de uma droga. Se havia problemas jurídicos nos Negócios Estrangeiros batiam-lhe à porta. A sua sociedade factura muitos milhões ao Estado, mas ele não quer ter políticos no escritório.”
“De Janeiro de 2008 a Outubro de 2010, a Sábado contabilizou no portal Base ajustes directos de entidades públicas à Sérvulo & Associados no valor de 6,5 milhões de euros”.
“Só o Banco de Portugal pagou ( em 2011) 650 mil euros por serviços jurídicos de apoio aos processos de contra-ordenação ao Milennium bcp.”
“ Os 63 advogados da sociedade ( eram apenas 15 em 1999) estão nas modernas instalações da rua Garrett, no Chiado, uma das zonas mais caras de Lisboa” ( e que foi a sede da antiga seguradora Imperio).
“A nota mínima para entrar no escritório é de 17 valores. Ao mesmo tempo, os jovens advogados são incentivados a fazer carreira académica a par da advocacia. O sucesso de Sérvulo nasceu da escassez da oferta. José Miguel Júdice diz que a opção por uma “boutique especializada em direito administrativo lhe deu vantagem.”
“O primeiro grande contrato de Sérvulo Correia com o Estado teve a ver com a aquisição dos submarinos para a Marinha de guerra. Em 1999, o Governo socialista de António Guterres começou por lhe pedir pareceres. O Estado ia lançar um concurso para aquisição de quatro submarinos ( só foram comprados dois) e era preciso criar um esquema de project finance para evitar que o valor dos navios fosse todo contabilizado de uma só vez no défice público. A solução passava por um sistema inovador de leasing operacional, em que uma empresa detida por bancos comprava os submarinos, alugando-os ao Estado. Mas como os navios de guerra são bens do domínio público, Sérvulo foi chamado para resolver o problema jurídico.
Quando o advogado e ex-bastonário Júlio Castro Caldas foi ministro da Defesa, telefonou ao colega dizendo que tamanho contrato era responsabilidade a mais para um só escritório e deu a componente das contrapartidas a Miguel Galvão Teles. “
Isto resume o que é a Sérvulo & Associados, como firma de advocacia adventícia, num artigo da revista Sábado de ontem .
Em 1999, Sérvulo Correia era essencialmente académico, na faculdade de Direito. Foi político do PSD, governante em 1974, e ligou-se à ASDI de Sousa Franco, cindindo com Sá Carneiro. Em 1979, diz a Sábado, saiu do partido “cheio de dívidas ao pai”, mas “ao fim de um ano pagou-lhe tudo o que devia.”
Portanto, pessoa de boas contas e nem vale a pena duvidar aqui de tal faceta caracterial.
A questão, aqui, é outra e bem mais relevante. É a questão do direito público em Portugal e como em terra de cegos quem tem um olho é rei…na advocacia de negócios.
Foi isso exactamente o que disse Júdice, por outras palavras. E Júdice sabe muitíssimo bem do que fala, porque no tal caso dos submarinos, “o primeiro grande contrato de Sérvulo Correia com o Estado”, representava interesses estrangeiros e talvez por isso considerava mesmo que “o concurso dos novos submarinos para a Marinha, atribuído aos alemãs do German Submarine Consortium, «é um processo chocante» e «um caso exemplar de como as coisas não devem ser feitas».
O bastonário é o advogado da empresa francesa derrotada. a qual apresentou anteontem, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso à decisão do Governo de adjudicar o fornecimento dos submarinos aos alemães.”
Isto passava-se em Dezembro de 2003, altura em que a influência da firma de Sérvulo Correia de acordo com a Sábado, “atingiu o auge, no consulado de Paulo Portas, entre 2002 e 2005. Foi nesta altura que que a firma “aprofundou o conhecimento na área militar.”
E por isso mesmo a Sábado, citando uma fonte anónima da Defesa escreve que "nesta época o ministério da Defesa chegou a estar dependente do escritório de Sérvulo Correia como de uma droga.”
Ora é isto que é chocante, inadmissível, incompreensível e devia ser explicado aos portugueses pelos responsáveis, mormente Paulo Portas e quem então governava.
Agora um artigo do Público, de 15.10.2017, assinado por Mariana Oliveira e Ana Henriques:
Para fundamentar a tese de que o antigo primeiro-ministro José Sócrates recebeu seis milhões de euros em luvas para usar os meios que tinha ao seu alcance para inviabilizar a OPA lançada, no início de 2006, pela Sonaecom sobre Portugal Telecom, o Ministério Público desvenda muito sobre os bastidores desta operação. É assim que se fica a saber que o reputado professor Sérvulo Correia que representou a golden share do Estado na polémica Assembleia Geral da PT, em Março de 2007, recebeu instruções verbais sobre o sentido da votação através, não de membros do Governo, mas de colegas de escritório.
A acusação dedica um capítulo com perto de 300 páginas às relações entre o grupo liderado pelo antigo banqueiro Ricardo Salgado e a PT e explica detalhadamente de que forma Sócrates e o seu Governo terão influenciado o desfecho da OPA, que acabou sem ver a luz do dia. Isto após os accionistas da operadora terem recusado na Assembleia Geral da PT, a 2 de Março de 2007, acabar com a desblindagem dos estatutos. Essa era uma condição imposta pela própria Sonaecom (proprietária do PÚBLICO) para que a OPA avançasse, já que de acordo com as regras que então vigoravam nada servia ao grupo da família Azevedo comprar mais de 10% das acções da operadora porque não poderia exercer o voto relativamente ao que excedia esse valor
A acusação da Operação Marquês desmonta a alegada neutralidade que José Sócrates e o seu Governo assumiram na altura publicamente. Exemplo disso, descreve-se na acusação, é a forma como decorreu aquela assembleia-geral, onde o Estado foi representado pelo fundador da sociedade Sérvulo & Associados, agora professor universitário jubilado.
Ouvido pelo procurador Rosário Teixeira já na recta final da investigação, em Abril deste ano, Sérvulo Correia admitiu que recebeu instruções sobre a orientação de voto como representante da golden share do Estado naquela assembleia-geral de forma verbal. E essa instrução - segundo o seu depoimento a abstenção - fora-lhe transmitida, não por membros do Governo, mas por dois colegas de escritório.
O Executivo liderado por Socrates "ao contrário do que era prática comum na elaboração das Cartas Mandadeiras que nomeavam os seus representantes às Assembleias Gerais da PT", sustenta a acusação, "não fez constar qualquer instrução de voto" no documento em que nomeou Sérvulo Correia.
O Ministério Púbico diz que Sócrates "diligenciou no sentido de ser transmitido oralmente ao representante do Estado que se deveria abster na votação, mas assegurando-se simultaneamente que, caso no decurso da Assembleia-Geral da PT a proposta para alteração dos Estatutos reunisse uma maioria de dois terços dos votos favorável, se transmitisse imediatamente ao representante do Estado que deveria exercer o direito de veto da golden share, votando contra".
O PÚBLICO consultou o depoimento de Sérvulo Correia durante o inquérito (o professor faz parte do rol de testemunhas de acusação deste caso) e o reputado advogado apenas admite ter recebido instruções verbais para se abster.
O antigo professor universitário garante que nunca reuniu com nenhum membro do Governo antes da assembleia de 2 de Março e reconhece que o convite e as instruções sobre o sentido de voto que deveria seguir lhe foram transmitidos por dois colegas de escritório, Rui Medeiros e Lino Torgal. Questionado pelo Ministério Público sobre se "não estranhou" ter recebido um convite por "via indirecta" e instruções pela mesma via, o advogado respondeu que não. E justificou essa posição com o facto de "confiar" nos seus colegas.
Adiantou, no entanto, que na altura lhe foi disponibilizado o contacto telefónico directo do então ministro dos Transportes e Comunicações, Mário Lino, e de um secretário de Estado que admite ser Costa Pina, para que, se fosse necessário, obtivesse orientações durante a assembleia.
Nas cinco páginas que resumem o depoimento de mais de duas horas de Sérvulo Correia no Departamento Central de Investigação e Acção Penal não é dito se os contactos foram usados. O reputado advogado disse ao procurador não se recordar das orientações que lhe foram dadas relativamente à votação de um outro ponto da agenda, que deveria decidir se os accionistas da PT concordavam com a compra de mais de 10% da PT por parte da Sonae. Esse ponto acabou por não ser votado, já que a recusa em desblindar os estatutos da PT inviabilizou por si só a OPA.
No depoimento Sérvulo explicou que foi escolhido para representar o Estado naquela assembleia-geral porque havia uma equipa do seu escritório a preparar uma resposta para apresentar à Comissão Europeia que já nessa altura contestava a existência da golden share naquele gigante privado das telecomunicações. A sociedade de advogados fora contratada pelo Estado para sustentar juridicamente perante a Comissão Europeia porque é que o Estado português não estava disposto a prescindir de intervir nas grandes decisões estratégicas de uma empresa como a PT. Mais tarde o Estado foi obrigado a mudar essa posição face a uma condenação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia. Contactado pelo PÚBLICO através da assessoria de imprensa da sua sociedade, Sérvulo Correia disse não ter nada a comentar sobre este caso.
Recorde-se que a Sérvulo & Associados também assessorou o Estado na polémica compra dos submarinos e chegou a ser alvo de buscas nesse caso. Um dos seus advogados chegou a ser constituído arguido nesse inquérito, sendo a única pessoa que chegou a figurar oficialmente como suspeito, num processo que terminou arquivado após largos anos de investigação. Com Ana Henriques
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