Observador, Alexandre Homem Cristo:
Aqueles que no PS se dizem enganados por José Sócrates são os mesmos
que, entre 2011 e 2014, fizeram a vida negra a António José Seguro. Este
não é um pormenor. Sim, do ponto de vista político, havia discordâncias
e estes defendiam um rumo diferente do do então secretário-geral do PS –
um rumo que protegesse o legado do governo de Sócrates e sacudisse
responsabilidades na bancarrota de 2011. Mas o seu choque com a
liderança de Seguro era bem mais profundo. Tinha a ver com acesso ao
poder (porque Seguro os rejeitou) e tinha a ver com ética republicana
(porque Seguro censurou os seus modos de actuação). Aliás, Seguro
apontou-lhes mesmo o dedo acusatório: eles representavam o PS da velha
política, que misturava política com negócios, interesses e favores. O
PS que “Tozé” Seguro prometia extinguir.
Ora, esse PS não se
extinguiu porque António Costa, quando provocou eleições internas no PS
sob o apoio destes críticos internos, foi o ponta-de-lança para a
salvação desse PS. E, em campanha para as eleições internas, no Verão de
2014, foi precisamente esse o aviso que António José Seguro deixou, em entrevista à revista Visão
(edição 1117, 31/07/2014). Está lá tudo. De tal modo que, hoje, não dá
para que alguém do núcleo duro do PS se faça desentendido.
Seguro
alertou para a corrupção, a que chamou de «partido invisível» que “não
tem rosto, não tem estatutos, não se reúne. Mas quando descobrimos que
há um banco em que as coisas correram mal, que há um investimento do
Estado em que as coisas não são totalmente claras, vai-se percebendo
quem são as pessoas desse «partido». Esse partido invisível tem de ser
destruído”. Seguro identificou um PS viciado no poder: “Depois dos
governos de Guterres e Sócrates, mas sobretudo com o último, [o PS]
passou a ter uma cultura de poder. Por isso, muita gente, logo no
início, disse: «com o Costa é que a gente lá chega». Não interessam o
projecto, as ideias, o que as pessoas fizeram durante três anos, a
disponibilidade… Para algumas pessoas, no interior do PS, interessa é
aquele que dá poder e o distribui”. E Seguro afirmou não ser esse o seu
PS, mas sim o de António Costa: “A minha linha de fractura é entre a
nova e a velha política. A velha política que mistura negócios,
política, vida pública, interesses, favores, dependências, jogadas e
intriga. O que existe no PS mais associado a essas coisas é apoiante de
Costa”.
Mais claro era difícil. À época, João Galamba, então dos
mais próximos de Sócrates, acusou Seguro de se dedicar à “insinuação
canalha” sobre o seu próprio partido, associou as declarações a
“desespero” e qualificou-as de “vómito”. Hoje, porta-voz do PS, o mesmo
João Galamba faz parte do grupo dos ditos “enganados” por José Sócrates e
preocupados com a honra da democracia.
Esse tal João Galamba deve andar num fedor que tresanda a léguas...