quarta-feira, maio 09, 2018
Os morgadios na magistratura e o poder judicial
Hoje no Público, o actual presidente do sindicato dos juízes escreve sobre um assunto que escapa a muita gente mas tem uma importância grande no funcionamento do poder judicial. Recorde-se que este poder é exercido pelos juízes enquanto julgadores e em processos concretos.
A Constituição não se refere especificamente ao"poder judicial" embora este seja um dos poderes do Estado, a par do Legislativo e Executivo. Refere-se sim, aos Tribunais, enquanto órgãos de soberania juntamente com o presidente da República, a Assembleia da República e o Governo.
Por outro lado também não define o que são os tribunais. Logo é necessário recorrer ao conceito de "função jurisdicional" para os entender, bem como ao conceito de "juiz". Isto ensinava Vital Moreira e Gomes Canotilho na sua Constituição anotada em 1993.
Quanto aos tribunais estes são órgãos do Estado dotados de independência, sendo estruturas complexas porque abrangem várias funções e agentes. Nessa altura, os anotadores até entendiam que os advogados e os magistrados do MºPº, bem como os oficiais de justiça, faziam parte dessa estrutura, num âmbito alargado. Restritamente, porém, a função identifica-se com o juiz, enquanto tal.
Assim, só aos tribunais incumbe administrar justiça, fazendo-o em nome do povo em geral.
Dizem os anotadores que " a usurpação de funções jurisdicionais pelas autoridades administrivas constitui um dos fundamentos típicos da invalidade dos actos administrativos, (por usurpação de poder)".
A característica mais marcante dos tribunais também está constitucionalmente assegurada: a independência que significa que o são dos demais poderes do Estado mas também entre si. Cada juiz é uma ilha de independência, quando exerce a função jurisdicional, porque evidentemente seria risível assegurar a independência dos tribunais e declinar, negando-a, essa característica aos juízes.
Este princípio de independência dos juízes assegura-se mediante a sua inamovibilidade do cargo, enquanto exercido normalmente ( e isso é matéria que suscita discussão) e a sua irresponsabilidade, ou seja a faculdade de não ver sindicadas em termos pessoais, as suas decisões jurisdicionais devidamente fundamentadas.
Quanto aos juízes em si, o respectivo estatuto transcreve estes princípios sendo importante salientar que a independência é uma questão fulcral do exercício da actividade jurisdicional. É a menina dos olhos dessa função e por isso todo o cuidado e delicadeza se torna necessário ao lidar com esse assunto.
Como se vê pelo artigo do presidente do sindicato dos juízes, existe actualmente um risco em se beliscar de forma grave tal independência e o mal vem do interior da própria classe e dos seus órgãos de gestão.
Um dos requisitos da independência de alguém é o pressuposto que não terá medo que lhe façam mal por dá cá aquela palha. Mal quer dizer prejudicar alguém na função, por exemplo, através de processos e meios florentinos como sejam a manipulação de inquéritos de natureza disciplinar por dá cá, aquela palha. Significa o abuso de um poder para condicionar alguém na sua função, através de actos concretos ou de uma ameaça abstracta, rapidamente concretizável.
Tal fenómeno de instauração de inquéritos tem sido recorrente nos últimos tempos, com a intervenção destacada do órgão de gestão da carreira dos juízes, o Conselho Superior da Magistratura.
Este órgão administrativo, sem poderes jurisdicionais, é composto de juízes de carreira e pessoas escolhidas pelos partidos e não só ( PR, também).
Não obstante, nos últimos anos tem mostrado apetência para condicionar juízes em geral e através de algumas figuras pardas, como é o caso do actual vice-presidente Mário Belo Morgado, também juiz de carreira mas proveniente do funcionalismo judicial e com curso de Direito tirado nessa circunstância e ainda a passagem por instâncias governativas com evidente ligação partidária e política.
A apetência para o condicionamento que se me afigura perversa, ilegal e abusiva ( naquele sentido) permanece, como é sinal aquele assunto tratado no artigo do Público.
Os juízes em geral têm que estar mais protegidos do que estão da interferência de um órgão de poder ampliado artificialmente como é o CSM, o qual exerce através de meios florentinos e jesuíticos: através dos inquéritos disciplinares por dá cá aquela palha ( o melhor exemplo tem sido o que se passou com o juiz Carlos Alxandre) e usando esse poder de forma algo discricionária, ou seja, sem fundamento suficientemente forte e baseado em normas estatutárias que permitem essa perversidade como sejam as cláusulas gerais relativas à imagem da Justiça, etc etc.
O abuso desses inquéritos disciplinares, quando ocorre, torna-se por isso um instrumento de poder e de condicionamento da independência dos juízes por uma razão simples de entender e que aliás todos percebem: sendo uma espada de dâmocles que o CSM, particularmente o seu vice-presidente, está legitimado a usar sempre que entenda que determinado juiz pisou um risco imaginário que por isso mesmo nem definido está, a tentação do seu uso tem vindo a aumentar, segundo se percebe. O requinte dos procedimentos, anunciados nos media, pelos responsáveis, com destaque para aquele, torna-se por vezes inquisitorial, mas cuidadoso nos termos e objectivos. O uso indiscriminado ou mesmo justificado com argumentos discutíveis de tal instrumento deveria ser sancionado também, mas como é o próprio CSM o sancionador...
O exemplo do juiz do Porto, Neto Moura, é eloquente ( a propósito como está o assunto, no CSM? Não há interesse público na sua divulgação, depois do enxovalho a que foi submetido tal juiz?)
Em suma, o CSM tem-se tornado, ultimamente, no consulado do seu vice-presidente, Mário Belo Morgado, o antigo funcionário judicial, tornado juiz ( e isto não é gratuito...) perigoso para a independência dos juízes e dos tribunais.
A medida mais urgente a tomar pelos próprios juízes é impedir que Mário Belo Morgado seja reeleito para um cargo que nunca deveria ter sido o seu. Além de inédito, revela uma apetência por um poder que não lhe assiste e por isso se torna imperioso impedir, em nome dos princípios fundamentais do exercício do poder judicial.
O protagonismo de tal pessoa nos media tem sido constante ( no último Expresso tem um artigo sobre a protecção de dados nos processos como se isso fosse um problema gravíssimo quando nunca o foi) e escreve artigos avulsos que são assustadores do modo como entende a função judicial e que revelam no meu entender que nem sequer a percebe devidamente. Exemplo disso é a entrevista aqui publicada e a comunicação aos juízes sobre o balanço do ano, em Fevereiro de 2108.
O CSM com Mário Belo Morgado não deve tornar-se numa espécie de direcção-geral dos juízes e muito menos um morgadio.
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