domingo, dezembro 26, 2010

A corrupção é sistémica?

Da TSF:

Em entrevista ao jornal Correio da Manhã, Maria José Morgado fala num Estado «capturado por interesses obscuros, incapaz de os combater e paralisados pelos maus interesses».

Maria José Morgado mantém a convicção de que «não há vontade política» para combater a corrupção, considerando mesmo que esta não só se mantém como goza de uma «protecção legal».

A corrupção é um problema que está mais na esfera política do que na jurídica, considera ainda a coordenadora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

Por outro lado, defende, o combate ao crime económico em Portugal, quer na corrupção quer no branqueamento de capitais, nunca foi uma prioridade de política criminal.

Maria José Morgado segue a mesma linha de pensamento que os bloquistas no livro Os Donos de Portugal. Resta saber se tem razão e se essa razão é sustentável por factos que a demonstrem.

Quando Morgado fala em captura do Estado por "interesses obscuros" não especifica, não discrimina e não esclarece nada porque é assim mesmo: tudo obscuro. Ora tal não é admissível porque Morgado não é nenhuma Cassandra, nem oráculo sequer. É apenas uma investigadora criminal do MP, com experiência nesses assuntos e que chegou em tempos a escrever um livro sobre o mesmo, com alusões a casos concretos de pequena corrupção e menção a outros de maior coturno, mas sem concretizações, como é costume.

O livro dos bloquistas, esse, não tem os pruridos da linguagem críptica de Morgado. Apresenta os nomes que entende "promíscuos" e portanto fonte de "interesses obscuros". Apresenta-os factualmente, apontando as ligações negociais e as transições da política para os negócios e vice-versa. Não lhes imputa casos concretos de corrupção porque o objectivo do livro é apresentar apenas os "donos de Portugal".

Omite no entanto, um lote de grandes detentores de acções deste país: as maiores firmas de advogados que ultimamente legislam por conta do governo e em nome de todos nós, o povo.

Não é preciso ser muito esperto para perceber que o que diz Morgado está em sintonia com o que escrevem os bloquistas. Por isso mesmo, para tentar descodificar o discurso daquela, aqui ficam meia dúzia de páginas do livro daqueles.


No livro dos bloquistas ( clicar para ler) na pág. 320-321, nem sequer há disfarce no objectivo, perante a linguagem usada: " fluxo contínuo que organiza o comando da economia do país pela contaminação intensa entre o poder de Estado e negócios privados", por exemplo, é um modo elíptico de designar a corrupção, pura e simples , e denunciar aqueles "interesses obscuros" que impedem "o combate ao crime económico em Portugal". E portanto, na página seguinte escreve-se sobre " a integração sistémica assegurada por estes dirigentes. São portadores de informação valiosa e de redes de influência, por vezes anteriores à experiência governamental."

Resta saber- e a discussão só seria possível se os visados fossem ouvidos também-, se estes costumes caseiros são sempre fonte inequívoca de corrupção; se são eles os que impedem o combate ao fenómeno e se o que fizeram constitui crime catalogados nas leis penais. Ou seja, se o Estado português, à semelhança do que ocorre noutros estados, tem alternativas viáveis a estes costumes, para o funcionamento da democracia como a conhecemos. Se os valores intelectuais que temos dispensa estas "promiscuidades" e se elas em si mesmas são o germen da corrupção tal como a entende Morgado e os bloquistas da Esquerda.

A pergunta que devemos fazer a Maria José Morgado e a outros que por estes assunto se interessam é esta: a corrupção em Portugal, tal como a entendem, passa necessária e essencialmente, por estes indivíduos concretos e por estas práticas concretas do Estado português ao longo dos anos?

E se passa, o que fazer para a eliminar? E se não passa, como é que se classifica a corrupção em Portugal? Residual, como diria um Diogo Leite de Campos ( do PSD, professor em Coimbra, especialista em Direito Fiscal, advogado da PLMJ) que uma vez afirmou na tv que não a conhece, a essa senhora de mau porte? Ou sistémica, integrada de tal modo nos interstícios do Estado que só uma outra revolução poderá de algum modo exterminar?

Se a corrupção evidente no Face Oculta, levanta obstáculos à sua condenação por motivos processuais penais, como é que os autores dos códigos podem permitir uma coisa assim que funciona sempre a favor dos corruptos? E de quem é a responsabilidade? Dos nomes apontados? Do sistema politico que temos no qual se integram como peixes na água, os autores de tais diplomas legislativos?

Suponho que é tempo de elencar estas questões concretas e de deixar o discurso deletério dos "interesses obscuros" e das alusões elípticas em eufemismos de circunstância que poucos entendem e alguns interpretam de modo equívoco.

Para quando um discurso claro e preciso sobre estas matérias? E outra coisa: Maria José Morgado corre politicamente nalgum sector da pista democrática? Qual? Se for simpatizante do BE que o diga!

Eu não sou, mas gosto de ler o que escrevem para reflectir sobre as incongruências políticas.

Questuber! Mais um escândalo!