Otelo Saraiva de Carvalho em declarações de Novembro do ano passado, disse que é contra manifestações de militares, mas defende que, se forem ultrapassados os limites, com perda de mais direitos, a resposta pode ser um golpe militar, mais fácil do que em 1974.
Por causa disto foi alvo de um inquérito criminal que ainda decorre e devido a queixa apresentada por algumas pessoas.
Recentemente voltou à carga repetindo o que dissera antes e reafirmando um direito de livre opinião.
Tendo a concordar e até apresento um rascunho acabado de modelo de despacho de arquivamento.
Este, que subscrevo e é da autoria de Fernanda Palma, professora de Direito Penal:
Que afirmações públicas podem ser consideradas crimes? Que fronteira separa a liberdade de expressão do pensamento, consagrada no artigo 37º da Constituição, do ato criminoso, num Estado de Direito democrático? O problema coloca-se a propósito das declarações de Otelo Saraiva de Carvalho sobre a possibilidade de se verificar um golpe militar.
Sendo aquela liberdade condição da democracia e direito fundamental, a criminalização de opiniões só se justifica quando não reduzir o seu conteúdo essencial e for indispensável para salvaguardar outros direitos ou interesses.
Isso sucede nos casos de apologia pública do crime (e até do suicídio) e incitamento à guerra ou à alteração violenta do Estado de Direito.Todas estas condutas estão tipificadas no Código Penal. Mas só constituem crimes se corresponderem a apelos idóneos a criar perigo para os bens protegidos – que são a Paz e o Estado de Direito, no caso do artigo 326º.
Além disso, trata-se de crimes dolosos, exigindo-se que o agente actue de forma consciente e voluntária em relação a essa idoneidade.Também as declarações públicas discriminatórias – em função da raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo ou orientação sexual – são incriminadas, nos termos do artigo 240º do Código Penal, com idêntico fundamento.
Assim, é necessário que tais declarações sejam aptas a desencadear actos de violência ou discriminação contra uma ou várias pessoas.Em todos os casos tem de existir um efeito possível relativamente a terceiros e uma afectação da segurança. Não basta a mera opinião ou uma previsão do curso da história a partir de uma certa mundivisão. Sem esse elemento factual, externo e objectivo - de perigo ou de dano –, nem sequer a intenção de provocar determinado efeito justifica a incriminação.
Lendo as declarações de Otelo Saraiva de Carvalho, não se vê algo que indicie esse elemento objectivo, de perigo para os bens jurídicos protegidos, que poderia consubstanciar o ilícito penal. Só uma visão do Direito Penal das intenções ou atitudes, afastado das exigências do Direito Penal do facto poderia qualificar as ditas declarações como facto criminoso.
Não é fácil, pois, compreender a instauração de um inquérito pelo Ministério Público - embora não se saiba se o autor das declarações foi constituído arguido. E, em termos da desejável equidade no exercício da acção penal, a estranheza aumenta quando se recordam os apelos à violência e as ameaças à unidade do Estado proferidas noutras declarações.