Atente-se nesta entrevista do procurador-geral distrital do Porto, Alberto Pinto Nogueira, hoje publicada no J.N.
Não é comum, uma entrevista destas. Os anteriores procuradores gerais distritais, no Porto, Lisboa, Coimbra e Évora, nunca deram qualquer entrevista deste tipo aos jornais. Aliás, nunca falaram publicamente para os media, deste modo. Nem mesmo aquando de processos com impacto mediático específico ( no processo Casa Pia, ninguém sabe quem era o PGD de Lisboa da época, porque o indivíduo -Dias Borges- nunca se deu a conhecer). Fogem dos media como o diabo da cruz porque têm medo, muito medo do que devem ou podem dizer. É uma cultura de secretismo e redundância de reserva que os afecta irremediavelmente, defendendo-se com um ataque aos que pretendem "protagonismo". Não percebem a importância da comunicação numa sociedade mediatizada e muitas vezes, por causa disso mesmo provocam mais desprestígio institucional do que o fariam se comunicassem como Pinto Nogueira o faz.
Quando muito falam incidentalmente sobre assuntos concretos e de momento. Francisca Van Dunen ( de quem se fala para suceder ao actual PGR-credo!) actual PGD de Lisboa, é o exemplo deste silêncio de inocentes publicamente comprometidos em funções de Estado, mas cujas declarações incidentais suscitam por vezes muitas reservas.
Pinto Nogueira é diferente. Diz o que pensa, pensado previamente o que diz. Não é de agora que manifesta desagrado crítico em relação a soluções que o MºPº engendrou para resolver problemas judiciários. Não é de agora que critica a criação de equipas especiais do MºPº para combater os crimes " da noite do Porto", expressão que detesta porque é bairrista e ferem-no os ataques genéricos à sua cidade.
Quanto a mim,não tem razão neste ponto, porque a constituição de equipas especiais, nesse como noutros casos ( estou a ver por exemplo a necessidade premente de constituição de equipa especial para investigar os crimes de corrupção recentes e relacionados com certos figurões do poder político cessante) torna-se um instrumento fundamental para concentrar esforços, competências e sinergias ( palavra caída em desuso depois de muito abuso). Tudo reside no modo como são constituídas tais equipas e principalmente no cuidado em não ferir susceptibilidades profissionais daqueles que ficam de fora e deveriam estar por dentro. No caso dos crimes da "noite do Porto", isso não sucedeu porque o actual PGR não teve o cuidado necessário nem o savoir-faire próprio para evitar essa divergência e essa ofensa aos magistrados do Porto. Pinto Nogueira ainda hoje ressente isso e diz algo que por vezes se esquece: os resultados dessas equipas especiais foram quase nulos e ninguém pediu responsabilidades por isso às directamente envolvidas, ou seja Maria José Morgado e a sua equipa e o próprio Pinto Monteiro.
Sobre o PGR, Pinto Nogueira é claro: " a minha concepção do MºPº não tem a ver com a concepção castrense do PGR. O PGR seria como que o único dirigente do MºPº, só que é apenas o seu máximo dirigente. Tem ideia de uma hierarquia em que supostamente pode concentrar todos os poderes. Os poderes do PGR são aqueles que a Constituição da República e o Estatudo do MºPº lhe conferem."
Pinto Nogueira perfilha outra ideia do MºPº:
"Um MP democrático, não autoritário, nem concentracionário. Cada órgão do MP tem as suas competências próprias e vai-se descendo de degrau. Isto não significa que não possa discordar-se de um procurador adjunto. Mas devemos responsabilizar-nos pelas ordens e instruções que damos."
Pinto Nogueira, neste ponto refere-se às ordens por telefone... e quando lhe perguntam se o PGR dá ordens por telefone, responde assim:
"A mim? Acha?...As ordens devem ser por escrito para o processo concreto, a fim de se saber quem é o responsável por aquilo. Se for por telefone, ninguém é responsável."
Legal e estatutariamente é assim que deve ser. Mas...será que todos pensam e principalmente agem assim? Será que Pinto Monteiro actua assim, sempre e em conformidade com a lei que temos? Será que a direcção de um DCIAP e de um DIAP assim pensa também?
Com esta entrevista e com esta declaração, Pinto Nogueira põe os pontos nos ii, assumindo posições estatutárias e de princípio que aliás eram comuns a Souto Moura e até a Cunha Rodrigues, sobre o MP.
O actual PGR não partilha esta concepção do MP, tendo procurado ao longo do mandato fazer o que o seu amigo Proença de Carvalho gostaria que o MP fosse: tal e qual como antigamente, no regime do Estado Novo...um pau mandado do poder executivo.
Pinto Monteiro nunca atacou explicitamente a autonomia do MºPº que é o contraponto a essa dependência do executivo e poder político, mas as declarações que produziu sobre o MºPº não podem levar a outra conclusão. Sob o pretexto falso da responsabilização de quem manda, pretendeu sempre concentrar o mando em si mesmo. Começou por denunciar uma suposta estrutura feudal do MP e continuou nessa linha de conduta que não tem explicação coerente e lógica com os princípios estatutários vigentes.
Pinto Monteiro é inimigo do MP que temos e não percebo porque se há-de manter no lugar logo que perfizer a idade de reforma. Pinto Monteiro não tem lugar nesta concepção democrática do MP e é isso que Pinto Nogueira, nas entrelinhas lhe diz.
Espera-se que esta entrevista do PGD do Porto não resulte na situação que há uns anos foi criada ao mesmo PGD Pinto Nogueira, ainda este não tinha sido eleito ( no CSMP): em entrevista ao mesmo JN criticou o sistema e principalmente os critérios de escolha e selecção de magistrados para o STJ.
Num dos dias seguintes à publicação da entrevista, os conselheiros do CSMP reunidos em plenário tinham à frente deles a cópia da mesma, distribuida pelos serviços internos da PGR então dirigida por Souto Moura. Foi essa uma das sessões que deveria envergonhar o excelente PGR de então. Mas enfim, no melhor pano cai a nódoa. Discutiram então se deviam aplicar algum procedimento disciplinar a Pinto Nogueira.
Ganhou o bom senso, então: arquivaram aquilo. Hoje em dia, no CSMP não tenho a certeza que este bom senso impere...
Passados meses, na tomada de posse de Pinto Nogueira como PGD do Porto estava presente Souto Moura que disse que o eleito não tinha sido da sua escolha, mas gabou-lhe os méritos. Gostei do fair-play.
4 comentários:
Na entrevista tb. se fala dos despachos de 200 páginas... "cheios de palha" expressão minha.
Também gostei da resposta á pergunta sobre a investigação na PSP/GNR.
finalmente aparece alguém no M P que merece ser lido.
como dizia um sujeito não machista que conheço: o M P não passa duma 'repartição entregue a umas pobres senhoras'
E como ele fala bem dos dinheiros gastos em investigações que à partida, já se sabia, seriam inconsequentes. Dá o exemplo da Drª Morgado & Cº. Vale apena ler a entrevista, é uma entrevista de um homem sério e independente, sem receio do que diz.
O saudoso Pinto Nogueira da Loja do Queijo.
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