quinta-feira, dezembro 02, 2010

Sá Carneiro revisitado e revisto

Anda por aí uma onda de revisionismo sá-carneirista, por ocasião da efeméride da sua morte, já com trinta anos e com tempo mais que suficiente para que o país mudasse para melhor na esperança relativamente ao futuro ou regredisse. Regrediu, como se vai sabendo. O socialismo ambiente contribuiu e o pendor esquerdista de todos os media, ajudaram à festa desta desgraça. E a figura pessoal e política de Francisco Sá Carneiro, por isso mesmo, suscita novamente atenção, pelo que foi e poderia ter sido.
Uma das vítimas do revisionismo ambiente é o actual presidente da República, Cavaco Silva. O mesmo que em entrevista à Pública de 2 de Dezembro de 1990, dizia que se Sá Carneiro não tivesse morrido " não estaria aqui", ou seja no lugar de primeiro-ministro. E até acrescentava, "já pensei nisso muitas vezes. Não estaria de forma nenhuma. O dr. Sá Carneiro iria continuar e durante muito tempo a marcar a vida política portuguesa. Não estaria aqui..."

Quem esta aqui é a revista Visão desta semana, com um longo e excelente texto de Miguel Carvalho sobre Sá Carneiro. Porém, na última página, aparece uma crónica de Carvalho da Silva, o sindicalista de Viatodos, pró-comunista formado no ISCTE e de esquerda como já a não há por essa Europa fora.
Carvalho da Silva, originário de Barcelos, conheceu a família de Sá Carneiro, vizinha da sua e acha que o antigo líder do PPD/PSD "Após a Revolução soube interpretar o povo português." Escreve Carvalho da Silva, num exercício revisionista que "Não tenho, porém, dúvidas de que o PSD está mais à direita do que o PSD de Sá Carneiro. Hoje o PSD tem inculcado um pensamento neoliberal claro e assumido, embora existam alguams figuras destacadas que são sociais-democratas convictas."
A revista, em coro, também colocou em destaque passagens desgarradas de ditos de Sá Carneiro, citadas em jornais da época, no sentido de evidenciar o pendor social-democrático, quiçá esquerdista do antigo líder.

A Visão é a natural herdeira do jornalismo de O Jornal, fundado em 1975 pelo actual coordenador do gabinete editorial da revista, José Carlos Vasconcelos.

E que acontecia em 1975, nesse O Jornal? Isto:


Esta capa e artigo de O Jornal destacam a luta interna no então PPD pelo poder de liderança, entre a facção social-democrata " de esquerda" como lhe chamava José Augusto Seabra o PPD que Sá Carneiro fundara com Pinto Balsemão e Magalhães Mota. Por isso mesmo criaram uma Plataforma. Entre os conciliadores estava...Marcelo Rebelo de Sousa, sempre a pretender quadrar o círculo.
No entanto, deve vincar-se uma menção que é feita no jornal à facção "conservadora" de Sá Carneiro e à sua posição visceralmente anti-comunista, em 1975. " Por nossa vontade os comunistas não tinham entrado no VI Governo, pois o PCP é antidemocrático e antiportuguês." Quem tinha este discurso em 1975? O tal da Fonte Luminosa teve?

Nessa altura, Carvalho da Silva andava de punho erguido a cantar slogans em prol do socialismo como sociedade sem classes.
Sá Carneiro, num esforço de adaptação aos tempos, dizia igualmente que pretendia um socialismo mas "com classes". Então, era essa a diferença que o separava de um Emídio Guerreiro que entendia que " a sociedade socialista não admite de maneira nenhuma o mercado da força de trabalho".

Ainda quanto ao revisionismo da Visão, convém recordar um artigo de página de O Jornal de 18.7.1980, poucos meses antes de Sá Carneiro morrer. Na altura, a luta eleitoral levou o jornal comunista O Diário, dirigido por um sectário-mor da estirpe de Miguel Urbano Rodrigues, a encetar uma campanha digna dos melhores jornais da actualidade.
O jornalismo de agora pouco fica a dever ao de então, praticado pelo O Diário. Aliás, um tal Pedro Tadeu aprendeu os métodos precisamente nesse jornal que contava " a verdade a que temos direito" e por isso acabou cedo e apenas com uma excelente recordação: o cartunista do jornal, António Martins, que era simplesmente fabuloso e com desenhos que podem ser vistos aqui. Como nunca comprei o jornal não tenho os magníficos desenhos que aí publicava. Será que na Soeiro Pereira Gomes sabem disso? E não querem publicá-los em livro à parte?

Portanto, enquanto o jornalismo de O diário era militante, O Jornal publicou nessa altura uma página que é modelo do verdadeiro jornalismo, sobre o assunto. Tomara que os jornais da actualidade fizessem o mesmo e do mesmo modo. Aqui fica o exemplo de como se trata uma notícia com os elementos todos que devem ser dados a conhecer ao público, mesmo com um pendor negativo que se detecta apenas nas entrelinhas e de modo subtil.

O assunto é a dívida de Sá Carneiro à banca de então, nacionalizada e por isso com segredos menos que protegidos: abertos à militância dos camaradas.

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6 comentários:

lusitânea disse...

Foi de facto pena o homem ter morrido.Os que andam sempre com ele na boca não merecem no geral sequer pronunciar o seu nome porque são uns cobardolas que sempre se sujeitaram á táctica do salame.Deixar cortar Portugal ás fatias fininhas...

Floribundus disse...

na noite de 28 Setembro de 1974 no último andar da sede do PPD
encontrava-se Sá Carneiro. acompanhado de 10 desconhecidos militantes um deles com o nº 29.
os fundadores e gente ilustre estavam em parte incerta.
abaixo da cintura deve ter havido muito esfincter a funcionar mal.

zazie disse...

Está excelente o artigo acerca das dívidas. Com objectividade, sem precisar de fabricar historieta fora dos factos.

rui a. disse...

Muito bom, José. Desenvolva lá isto mais um bocado,se lhe apetecer. Só um reparo: o trio fundador do PPD não incluia o Mota Pinto, mas o Pinto Balsemão.

Cumps.

josé disse...

Lapso meu. AInda fui verificar o artigo e passou-me.

Mas já que insiste vou desenvolver.

hajapachorra disse...

Lembro-me bem das 'notas' de 30 mil com a vera efígie de Sá Carneiro. Eram distribuídas com grande gozo por todos os meus vizinhos comunas. O ódio a um anticomunista 'primário', como então sabiamente se dizia, era geral. Mesmo assim, o que diz o palerma do sr. Carvalho até nem está errado. De facto o psd destes tunantes de agora está muito mais à direita do que o PPD dos 'beatos' da acção católica e das equipas... Mas a diferença principal é outra, os de agora não sabem ler nem escrever.

O Público activista e relapso