Ainda sobre a crónica de João Miguel Tavares em que declarou
urbi et orbi que tem o direito de presumir a culpa do recluso 44 à margem de
outra qualquer presunção, maxime judicial. E explicou porque razão lhe assiste
tal direito: " face ao que leio nos jornais, às minhas deduções, às minhas
convicções, à minha experiência, à minha memória e ao esgotamento das sete
presunções de inocência".
Tanto bastou para que ontem outro cronista lhe chamasse
pedaço de asno e hoje dois outros refutem a teoria singela que é filha apenas do senso comum.
É um sinal jacobino refutar o senso comum em prol de ideias
feitas de um legalismo à outrance, conveniente para suportar ideias políticas e
ideologicamente marcadas pela oposição à vox populi e estribadas quase sempre
numa esquerda que brande um suposto humanismo associado à ideia democrática
republicana socialista e laica.
Esse sinal detecta-se
pefeitamente no pedigree de quem escreve e assim manifesta idiossincrasias de
pertença ao clube dos poetas utópicos da revolução permanente ou da inquietação
constante com igualdades inatingíveis.
O primeiro é o jornalista
Óscar Mascarenhas no Diário de Notícias de hoje. Admite a inversão da presunção mas
acompanhado do ónus da prova...condição sine qua non para se poder escreve o
que JMT escreveu. É argumento do género " prendam-no ou calem-se", usado pelo FF que não consegue distinguir asnos sem ser com provas dadas.
Portanto, com provas já é possível inverter a presunção, mas essa prova é demais por uma razão: com provas não se presume a culpa, afirma-se. E não é esse o papel de quem presume baseado em factos tangíveis e intangíveis, o chamado "não factual que se capta por fenómenos indirectos", como já disse o outro cronista, João Pedro Marques, no Público de hoje e que afina pelo mesmo diapasão da dúvida quando ao inocente presumido por causa do perigo de "linchamento" .
Portanto, com provas já é possível inverter a presunção, mas essa prova é demais por uma razão: com provas não se presume a culpa, afirma-se. E não é esse o papel de quem presume baseado em factos tangíveis e intangíveis, o chamado "não factual que se capta por fenómenos indirectos", como já disse o outro cronista, João Pedro Marques, no Público de hoje e que afina pelo mesmo diapasão da dúvida quando ao inocente presumido por causa do perigo de "linchamento" .
Neste casos, quem presume atira o ónus para o outro. Se presumir
inocência, espera que alguém prove a culpa? Pois esse é outro problema. É que pode esperar nada disso, como se
depreende de quem se preocupa agora com estas presunções.
Ora lei-se o que se escreve na Tabu do Sol, sobre tal fenómeno interessante...
Geralmente quem exige
publicamente um recato e silêncio em nome de uma presunção de inocência
jacobina e hipócrita não está nada à espera que o prato da balança se equilibre
para a justiça perfeita que é a de dar a cada um aquilo que lhe pertence,
incluindo a inocência real. Pretende apenas que as coisas fiquem como estão.
Res sic stantibus e não se fala mais nisso que não é conveniente. Daí a
hipocrisia de quem assim escreve. Quando
muito esperam apenas pela justiça formal das provas formais que muitas vezes
denegam a justiça material por causa de mecanismos idiossincráticos já
explicados ( evitar que se condenem inocentes...) e é por essa salvífica e
redentora prova de inocência que esperam e nada mais. A justiça nisto nem é
vista nem achada.
Por outro lado, a prova redentora dessa liberdade de presumir culpado quem a lei presume inocente reside na exigência de apresentação de factos.
E que factos existem relativamente a este presunto inocente
que alguns presumem ao contrário baseados no tal senso comum anti-jacobino?
Factos é o que não falta neste caso. Alguns equívocos,
outros evidentes de substância e peso e outros ainda ocultos de
significado.
O que é que o jornalista ou investigador amador poderá fazer
para apresentar a sua versão consolidada da culpa transformada em sentença
condenatória, após a presumir como tal?
Por mim deve fazer o que a personagem de Umberto Eco, o frade franciscano Guilherme de Baskerville,
no livro O Nome da Rosa fez: duvidar das
aparências mas indagar os indícios e concluir certezas com base em métodos de
raciocínio, apresentando depois as provas que o engenho prático descobriu. Provas convincentes mas com margem
de refutabilidade suficiente para outros investigadores concluirem de modo
diverso e por fim evidenciar o irrefutável.
Se alguém leu o livro percebe que há duas investigações do
caso estranho dos homicídios num convento beneditino medieval e duas conclusões
diferentes e assentando em lógicas
também diversas. A oficial baseia-se na
presunção de culpa de quem aparente tal qualidade e assim se basta se os
indícios forem ajustados às suspeitas. A segunda na dúvida metódica e permanente até se
deslindar logicamente a verdade factual com base em factos concretos e de
importância irrefutável.
Para chegar ao resultado, o investigador de Eco deduz, induz
e abduz. Ou seja, parte de presunções de inocência, culpa e mistura ambas as
qualidades para testar as hipóteses plausíveis.
No caso do recluso 44 um jornalista ou investigador amador
pouco pode fazer para apresentar as provas irrefutáveis, o que denota a
hipocrisia do jornalista Mascarenhas, mas pode fazer muito para ajudar a reflectir e
resolver o enigma que se apresenta: o
recluso 44 é culpado ou inocente do que é acusado?
É isso que se pretende do jornalismo e é nisso que deve
assentar a presunção de culpa referida por JMT: apresentar factos e por vezes
interpretá-los para o leitor perceber do que se trata. Pode com isso manifestar uma opinião? Pode
mas corre o risco de perder credibilidade analítica se se revelar errada. Pode
insinuar uma posição pessoal naquilo que escreve? Mas isso é o que todos fazem e não deviam. E a diferença é que neste caso,
tal como noutros, o fazem segundo
crenças e não segundo razões. É esse o
drama de todo o jornalismo nacional e que estes dois cronistas também denotam e aquele escrito na Tabu nota.
A presunção de inocência absoluta num contexto destes em que
já se conhecem vários factos, tomada a
priori pelo jornalista, revela apenas uma idiossincrasia jacobina e irrealista,
uma vez que nem os próprios acreditam nela por ter que supor uma dúvida e um
eventual erro de análise.
A presunção de inocência absoluta não existe porque não se deve meter as mãos no fogo por
ninguém em casos como este, o que é do elementar senso comum.
Quer isto dizer então que se deve presumir a culpabilidade
jurídica e comprovada pelas provas admissíveis em direito penal? Nem tanto. O que se deve presumir é que
perante factos tem que haver argumentos de quem é o imputado autor dos mesmos factos.
Explicações, quero dizer. E isso já é
passar para o lado da inversão do ónus da prova, fora das regras processuais
penais, mas válidas na praça pública.
No caso concreto perante o conhecimento de existência de
contas bancárias com montantes elevados, pertença de um amigo de infância,
suspeito de ter sido beneficiado em concursos de obras e que ganhou por ser amigo, reflectindo essas contas
movimentos muito importantes de dinheiro
em favor do suspeito que as outrogou, as provas a apresentar em
julgamento são as exigidas por lei. Os
factos relativos ao motorista, às malas com dinheiro e entregas em mão, as
utilizações de diversos subterfúgios típicos de quem quer ocultar a
proveniência de dinheiro sujo, o circuito dos milhões para a Suíça e de ida e
volta, tendo como beneficiário dessas contas o suspeito recluso, inculcam uma
ideia que não pode ser simplesmente desvalorizada em função de qualquer
presunção de inocência. Só por mera estultícia se poderia argumentar que tais
indícios e provas, sendo insuficientes para provocar uma condenação judicial
também o são para se poder julgar o comportamento cívico do suspeito. E é nesta
vertente cívica que os jornalistas e cronistas tem um campo amplo de manobra
relativamente a quem exerce cargos públicos.
Por outro lado se estivesse em vigor a lei de enriquecimento
ilícito, o ónus de prova seria exactamente esse: incumbiria ao suspeito provar
que tais factos não demonstram o que parecem demonstrar...e tal lei que é
vigente em alguns países democráticos só não foi aprovada em Portugal por
oposição do agora recluso 44 . Outra presunção...
As provas perante a opinião pública são de outra ordem:
devem convencer os cidadãos que esses são factos anódinos e sem relevância criminal
e quem tem a obrigação estrita de o fazer é quem está debaixo do fogo da
opinião pública, legitimamente por ter exercido cargos públicos da mais alta
relevância e poder, sob pena de as suspeitas se manterem e a presunção de
inocência se abandonar efectivamente .
Por uma razão: as suspeitas já são
da ordem das regras mais elementares da experiência comum e não provenientes de qualquer cabala
inexplicável ou suspeita. As suspeitas
são plausíveis e carecem de comprovação da inocência, não da
culpabilidade, no seio da opinião
pública.
Quem presume a culpabilidade neste contexto não afirma a
ausência de inocência. Apenas espera que essa presunção legitimada pelo senso
comum seja elidida por quem tem esse dever pessoal que não obedece a regras
processuais mas de puro senso comum.
Neste jornalismo não se está a condenar ninguém num tribunal
judicial com regras que são outras. Está a julgar-se, legitimamente, quem é
acusado pelos factos e não apenas pelas opiniões. E são os factos que
apresentam estas provas. Ao acusado compete defender-se se quiser fazer valer a
sua real inocência.
Quem argumenta com o contrário está a inverter a ordem de
razões e a misturar a ordem de prova judicial com a ordem de prova pública e de
senso comum.Seria irrealista defender o direito e o dever do silêncio enquanto decorre a prova judicial.
E por outra razão ainda: as regras de prova nos processos
penais são de tal ordem que pode suceder que essa culpabilidade não se prove e
as suspeitas continuarem a ser pesadas e congruentes.
Já sabemos que o mesmo nega qualquer culpa, mas isso é o
mais trivial das histórias policiais. Perante os tribunais bastar-lhe-á tal
atitude porque as regras processuais incumbem a quem acusa e o dever de provar
torna-se assim imanente, para não se tornar ao tempo medieval da inversão do
ónus de prova e se poderem condenar
inocentes com base no pressuposto de que Deus escolherá os seus.
Porém, como este lençol já vai longo fica para outro postal.
De resto, a prova dessa atitude jacobina podemos encontrá-la
no passado recente e em casos concretos que ocorreram no espaço mediático
nacional.
Porém, perante o tribunal da opinião pública tal atitude não
bastará para afastar a presunção porque é assim que as regras da vida funcionam
por muito que os jacobinos de serviço o neguem sem convencer ninguém porque
apenas apresentam essas regras formais como mais uma arma de afirmação
ideológica.
De resto, a prova dessa atitude jacobina podemos encontrá-la
no passado recente e em casos concretos que ocorreram no espaço mediático
nacional.
Porém, como este lençol já vai longo fica para outro postal.