A eleição passou pela UNESCO e por uma "comissão científica da candidatura" , presidida pelo musicólogo Rui Vieira Nery que trabalhou para o efeito, durante...cinco anos!
E contudo, o fado, como canção de Lisboa nunca foi popular entre certas elites intelectuais. Aliás, até há uns anos atrás, o Fado era um resquício do famigerado "fassismo", a par do futebol, outro símbolo da alienação nacional para esses próceres da cultura do establishment intelectual luso. O fado, então, era mesmo uma estranha forma de vida e Amália Rodrigues ou Argentina Santos ou mesmo Alfredo Marceneiro eram simplesmente ignorados nos media de elite. O fado era popular no rádio em onda média e até mesmo na televisão tinha por vezes um programa ou outro. Em 1970, a revista Antena publicitava que no dia 31 de Agosto às 20.10, passaria Fados, um "programa inteiramente preenchido com a actuação de Fernando Maurício que interpreta os seguintes números: "fado sem nome", "A minha vida inteira", "Enigma", "Feira da Ladra" e com realização de Henrique Pavão. No dia 10 do mesmo mês tinha passado outro programa do género com Maria do Rosário Bettencourt.
Não me lembro de esses programas despertarem grande interesse, comparativamente a outros de variedades musicais. Para mim, eram simplesmente uma seca. Nem Amália sequer se aproveitava para ouvir, apesar de já ser uma estrela consagrada pelo Olympia. Não me lembro de ouvir alguém dizer que adorava fado do modo como ouvia falar de música popular ou até dos baladeiros. Gostar de fado era fatela, como então se poderia dizer. O rádio, em programas como o Clube das Donas de Casa, passava fado em doses maciças, mas duvido que Rui Vieira Nery então o ouvisse como hoje assegura que é- uma obra da arte portuguesa, digna de figurar nos anais do património da Humanidade.
Para entender o gosto da época será preciso recorrer a publicações de então. Por exemplo, este elenco de artistas portugueses do rádio e nem sequer da cassete pirata que então ainda era coisa sem expressão, publicado na revista Cine-Disco de 12 de Maio de 1969. Lá aparecem vários fadistas de então, incluindo Amália e Carlos do Carmos e ainda Maria Teresa Noronha e Teresa Tarouca e outros, mas quem ganhou esse concurso dos "reis do disco" promovido pela revista foi uma tal Maria Fiúza, e por largos votos à frente do segundo classificado, um certo "conjunto Zoo". A Filarmónica Fraude, por exemplo, só aparecia nos lugares do meio.
E era esse o panorama da música popular nos final dos anos sessenta. O fado era mesmo uma canção de Lisboa e nada mais que isso.
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Precisamente por isso, o crítico do Mundo da Canção, em Agosto de 1971, ainda no rescaldo do festival que trouxera Elton John e Manfred Mann ( quem conhece agora este grupo?) escrevia em "nótulas à margem", sobre a "noite do fado" que tinha sido uma noite de música "ligeiríssima". Sobre a prestação de Amália, foi sucinto: "cantou fados". É ler...
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Incrível? Nem por isso: todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades, dizia Camões.
Todo o mundo?...alto lá! Nuance! Todo o mundo, menos o comunismo português. Esse permanece imutável ao tempo, às quedas de muros e a todas as vicissitudes do Fado. Este é que foi mesmo o nosso fado. Vadio. E muita atenção: foi esta gente que tomou conta do " 25 de Abril". Pelos vistos, para sempre.
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5 comentários:
A Canção de Lisboa: http://www.youtube.com/watch?v=0qrq2erPY6c -- JRF
ahhahaha
Apanhou o Ruben de Carvalho.
Esse sujeito é um desperdício ser comuna.
Excelente trabalho de arquivo!
Excelente José
Eu conheço os Manfred Mann :-)
Pois é. Esquecia-me do principal- felicitá-lo por estas memórias que mais ninguém recorda.
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