Ontem não comprei o Público e por isso escapou-me esta notícia:
A justiça quer levar a tribunal um sem-abrigo, acusado de tentar furtar seis chocolates de um supermercado Lidl no Porto. A empresa não foi lesada, mas decidiu apresentar queixa e o homem, cujo paradeiro é incerto, foi formalmente acusado pelo Ministério Público (MP) do crime de furto simples.
Na edição de hoje, na secção "blogues em papel", citam-se vários blogs que comentaram a notícia. Todos se colocam numa posição de observadores superiores da nossa justiça e descarregam balas palavrosas sobre o facto de o pobre sem-abrigo vir a ser julgado pelo facto, embora ande em parte incerta, como é próprio de sem-abrigos.
O bastonário Marinho e Pinto já deu a sua sentença habitual ( mas ainda não falou sobre a sua avença nos jornais que acumula com o vencimento que recebe, de conselheiro): "não prestigia o supermercado nem prestigia a justiça".
O blogueiro Pitta, versado em literatura avulsa e neste caso quiçá de cordel, pergunta se "o procurador responsável esta a dormir a sesta?" E embarca na frioleira habitual do queixume amargo de ter de pagar impostos para isto...
Não imagino que impostos paga Pitta mas acho que neste caso devia ser taxado do modo seguinte:
O furto em supermercados é corrente, habitual, usual, corriqueiro, quase de formigueiro. Por isso mesmo os estabelecimentos têm câmaras, seguranças, controlos electrónicos, etc.
Subtrair alguma coisa a alguém, contra sua vontade e conhecimento, é um crime de furto previsto e punido pela lei penal. Mesmo que seja meia dúzia de chocolates, valendo uma dúzia de euros, num supermercado onde se estragam todos os dias muitos géneros alimentícios.
E o crime consuma-se logo que o autor se aproprie das coisas, mesmo que depois seja apanhado e as coisas imediatamente devolvidas, logo que passe a caixa registadora sem pagar.
Porém, nem todos os furtos merecem atenção judiciária. As leis penais, aprovadas pelo poder legislativo votado e defendido pelos Pittas, em relação a estes casos de "pilha-galinhas" ou de furto quase formigueiro, faz depender da queixa dos ofendidos, a prossecução penal. Se não houver queixa não há processo nem acusação nem julgamento.
E o que devem fazer os lidl´s que proliferam por este país? Não fazer queixa? Esquecer os furtos correntes, habituais, corriqueiros e relegá-los para o monturo de coisas estragadas? Assumir o risco do negócio e apontá-los como perdas contabilizadas em custos, descontando nos impostos? É uma solução, porventura adoptada noutros sítios. Mas o Lidl não escolheu esta opção fiscal e vai daí, como alemães que são, castigam os prevaricadores, mesmo os do formigueiro. E quem é que tem a competência exclusiva, fixada em leis que o Estado aprovou há muitos anos, para perseguir crimes e criminosos? O MºPº. E o que devem fazer os agentes do MºPº sempre que tenham que actuar em conformidade com a lei e o direito? Esquecer os crimes, arranjar um procedimento administrativo, arquivá-los numa gaveta sem fundo e dizer ao queixoso que devia ter vergonha? É isso que devia fazer o tal "procurador que dorme a sesta"?
Portanto, são esses princípios que os Pittas iludem, em nome da sua particular noção de justiça que não tem apoio legal mas constitucionalmente lhes é mais afecta.
Poderiam citar-se mais alguns: "dura lex, sed lex" ou "todos os cidadãos são iguais perante a lei", o que desvirtuaria a particular noção de justiça que afeiçoa os Pittas: os pobrezinhos devem ser poupados e os ricos castigados. Em nome do sacrossanto princípio da igualdade ou de um esquivo fundamento jacobino. Daí a importância que o Público traz à notícia.
E o assunto não traz notícia, nem rasgos de inspiração, como cantavam os Trovante.
E são estes implacáveis que indignam e assustam os nossos Pittas acostumados a brandos costumes e a um situacionismo anómico e de compaixão pelos sem-abrigo, coitados que passam fome e frio e estes malvados dos tribunais dormem a sesta. Se alguém precisar de saber o que é o "pathos" da esquerda portuguesa, aí o tem.
6 comentários:
Não deixando de concordar com o que o José explica, de forma bastante clara aliás, entendo estas opiniões Pittanianas de outra forma: os princípios que menciona ("dura lex, sed lex, "todos os cidadãos são iguais perante a lei") são de facto uma miragem nesta nossa Justiça; não é verdade que a lei seja igual para todos, e é geralmente dura para os fracos e suave ou nula para os fortes. Quem tiver dúvidas, basta seguir e ler o seu blog, José.
Portanto, nesta situação de desigualdade gritante, irrita ver a Justiça a "carregar" no desgraçado que roubou os chocolates, quando deixa à vontade e trata com luvas de pelica a malta corrupta da política, bancas, construções e afins.
É uma questão de prioridades, se quiser. Nenhum agente do MºPº deveria perder tempo com pilha-chocolates, enquanto os pilha-país não estivessem todos devidamente "processados", na medida do possível.
Sendo verdade o que escreve, também é verdade que o MºPº que temos é o que é. E é dirigido por quem é.
Porém, não se atirem pedras a quem cumpre um dever. Atirem-se a quem os não cumpre...
"dura lex, sed lex"
Tal como os preservativos "Durex", uns causam danos (furados), outros não!
E, já agora: e roubar gravadores não é crime?
Caro José,
Não estou a colocar em causa a actuação do MºPº neste caso, muito menos a atirar pedras. Posso achar completamente parvo o Lidl fazer queixa duma coisas destas, mas isso é outra história. Assim como achar um desperdício de tempo, dinheiro e meios a prossecução de uma coisa destas, quando há coisas muito mais graves a tratar. Mas eu sei, o Procurador em causa não terá nem obrigação, nem autonomia, para tratar dessas coisas.
Isto é um bocado como aquela teoria falaciosa de que as pensões escandalosas e gastos sumptuários dos políticos e seres afins são na realidade uma gota no oceano, pelo que não é por aí que resolvemos os problemas das contas. Até pode ser que não, mas é uma questão de prioridades. Se depois de cortados esses excessos for preciso cortar mais, nos salários e subsídios da F.P. e dos pensionistas por exemplo, seja. Mas isso não é justificação para não se começar por aí. Todo o Estado (em sentido lato) foi sendo minado no topo, e agora está podre. E a podridão alastra e abrange todos os sectores. É tipo o "trickle-down" economics, mas em versão corrupta e nojenta.
Em resumo: nada a apontar ao Procurador em causa, limitou-se a cumprir a lei e a prosseguir a sua função. Mas pobre dum país em que a sua Justiça "gasta" para levar a tribunal um desgraçado que rouba meia-dúzia de chocolates, entretanto devolvidos, e deixa impunes todos os gatunos que roubaram e roubam milhões ao que é de todos nós. Havendo pouco para gastar, era mais proveitoso gastar com estes últimos. Nem é uma questão de moralidade.
a pitta é a mulher do pitto
'apitta doirada'
faltava o pestibundus.
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