Francisco Sarsfield Cabral é um dos cronistas mais antigos na imprensa portuguesa. Acompanha por isso os assuntos caseiros e já escreveu muitas coisas acertadas sobre assuntos económicos, há várias décadas, o que prova que não lhe caberá responsabilidade intelectual ou moral no estado a que chegamos economicamente. Sobre a Justiça, porém, parece não acertar uma.
Hoje escreve no Sol, numa coluna sintomaticamente intitulada "tentar perceber", algo extraordinário: " O caso da justiça é paradigmático. Durante décadas o poder político alheou-se deste sector, deixando campo livre às várias corporações da justiça ( juízes, magistrados, advogados, etc. ) que se detestam. O Parlamento limitou-se a fazer e desfazer leis " a quente", em função dos casos mediáticos do momento".
Sarsfield Cabral já que tenta perceber o que se passa devia ser mais comedido neste tipo de comentários.
Durante décadas o poder político não se alheou da justiça, antes pelo contrário. O que teve foi sempre à frente dos organismos encarregados de regular o enquadrar o sector da justiça, diletantes no assunto porque é assim mesmo: o assunto é demasiado complexo para que haja profissionais do ramo.
As leis fundamentais do sistema de justiça que temos, os códigos, particularmente, foram gizados por profissionais do saber jurídico, aliás os mais avançados e competentes que qualquer país pode apresentar. Enganaram-se nos princípios gerais? Erraram na organização do sistema? Provavelmente. E como remendaram esses erros? Com alterações legislativas, propostas ao poder político que nunca se fez rogado para acolher tais soluções milagreiras. E tal resultou em quê, particularmente?
No panorama geral que permite dizer, a quem tenta saber como Sarsfield Cabral, que o sistema falhou, quem tem responsabilidades, acima de tudo e de todos?
Quem gizou o sistema, claro está. Quem não soube administrar o poder político de modo a criar legislação orgânica que resolvesse os problemas.
Não foi por isso por alheamento do poder político que as coisas se degradaram: foi exactamente por excessiva intervenção do poder político do momento, particularmente com a intervenção errada e incompetente.
É essa a verdade para quem tenta perceber.