terça-feira, novembro 22, 2011

Conversas varridas e baratas tontas

Ferreira Fernandes, no D.N. de hoje:

Há sempre alguém de plantão e microfone à porta do Tribunal Central de Instrução Criminal, há sempre uma câmara para apanhar as saídas do juiz Carlos Alexandre, apressado e que varre conversas com um gesto de mão, há sempre uma informação de última hora sobre o interrogatório "que prossegue amanhã"... Seja, parece que suspiramos por isso. Mas já aviso: doses massivas dessas cenas gagas vão fazer-nos perder o gosto pelo fio do discurso. Isto é, a coisa, o substantivo, as pessoas e os actos. Não a espuma do nada. O terreno do IPO, sim. O terreno do IPO. Amanhã, tanta dose de jornalistas de plantão e de câmaras e microfones como baratas tontas - tudo atrapalhado pelas palavras dos homens das leis, tão só deles, embora haja quem insista em torná-las comuns e nossas - vão fazer-nos esquecer o que há interesse em tirarmos a limpo: factos. Os 40 milhões. Emprestados por quem. Porquê. E àqueles. O negócio do terreno. Para o IPO. IPO: Instituto Português de Oncologia. Oncologia: cancro. Aquelas crianças que os futebolistas visitam e nos marejam os olhos. Aqueles homens que o vencem, ou não. Aquelas mulheres que se apalpam e tremem ao diagnóstico. Aquelas bocas secas e cabeças sem cabelo. IPO, pois. O terreno era para ele? O negócio era esse? Espero vir a conhecer os factos - sim ou não - antes que o circo de plantão me torne indiferente.

Ferreira Fernandes quer ir directo ao assunto, no caso Duarte Lima. Não se quer perder em circunstâncias mediáticas. Quer "o substantivo, as pessoas e os actos", não quer o adereço, a imagem de câmara e os passos perdidos nas esperas televisivas.

Ora quem é que pode querer o mesmo? Os profissionais que investigam e a magistratura que avalia e julga factos que podem ser crimes. E tão-só isso mesmo: crimes. Se for outra coisa, não pode ser porque será tarefa de outros. Mormente os mediáticos.

E aqui chegamos. No mesmo D.N. de hoje relata-se um acontecimento de ontem: o debate sobre a RTP.

Na plateia da audiência estava uma jornalista que aparece na imagem supra de microfone en riste: Rita Marrafa de Carvalho. E que diz esta nova-jornalista? "Face às acusações de uma informação manipulada na RTP, a jornalista Rita Marrafa de Carvalho nega-as e defende a estação. "Entristece-me e ofende-me. Temos um código deontológico e ética pessoal. Nunca ninguém condicionou os meus textos. É ultrajante."

É? É mesmo? Então porque carga de água aparece esta indignada naqueles preparos, à porta do TCIC, naquelas circunstâncias? Ninguém a condicionou? Então quem é que a mandou para lá e, principalmente, para fazer o quê?
Entrevistar o juiz de instrução no decurso de uma diligência na porta de entrada? É isso?

Se há alguma coisa que deva distinguir uma tv pública de uma privada é o recato nestas coisas. Que sentido pode ter acompanhar em directo, mas à porta, diligências de busca que se destinam àquele efeito que Ferreira Fernandes também pretende? Que sentido pode ter um espalhafato desses, que nenhum resultado concreto e visível pode ter do ponto de vista informativo e substancial?
Mostrar a polícia e os magistrados em acção numa busca a casa de um cidadão? Isso chega para carros de exteriores, microfone na mão e perguntas disparadas sem sentido? Com fotos de magistrados em poses singulares que depois são aproveitadas para Ferreira Fernandes escrever que "varrem conversas com gestos de mão" perante as "baratas tontas" que se atravancam?

Quem varre o éter com gestos de perguntas em riste são as diversas Marrafas que andam por aí no ar do nosso espaço mediático e que mesmo sem ninguém as condicionar se deixam pautar por um código ético e deontológico que deixa muito a desejar, nesse aspecto. É isto que a RTP acha ser serviço público? É este tipo de informação?
O essencial e substancial do caso Duarte Lima poderá ser o assunto dos terrenos do IPO, como F.F. escreve.
Mas não é certamente o tema para "baratas tontas" que preferem o gesto que varre às ideias que contam.

3 comentários:

zazie disse...

Completamente marrafados

eheh

Zé Luís disse...

Excelente reflexão. Os destinatários passarão ao lado da substância. Habituados ao espectáculo da Informação, são os palhaços de circunstância e não se dão conta disso. As luzes da ribalta escurecem muitas mentes.

Wegie disse...

De facto já fede! Fucking TV! O único programa de jeito é o da National Geographic que passa no 2º Canal. E mesmo assim andam a repetir pela quadragésima vez os mesmos episódios de há 4 anos para cá. Isto é um escândalo!!!

A obscenidade do jornalismo televisivo