terça-feira, novembro 15, 2011

Os crocodilos que voam e o triunfo dos porcos

O Público dá hoje à estampa um postal em forma de "carta à Directora" da autoria de Santana-Maia Leonardo. É um daqueles postais que coloca o dedo numa ferida antiga, típica e que congrega todas as pústulas do Direito. Menciona aquilo que o falecido Orlando de Carvalho, professor de Direito de Coimbra, dizia do assunto que o ocupara a vida inteira: "por vezes é uma aldrabice secante".

O postal evidencia um postulado: "o confisco dos subsídios de férias e de Natal por parte do Governo é inconstitucional". Obviamente, concordo. Como concordo com a conclusão mais deliciosa do escrito: os juízes do Tribunal Constitucional, neste caso vão fazer como "a professora da antiga União Soviética que se apressou a reconhecer que o crocodilo era um animal que voava quando soube que o aluno que dera tão aberrante resposta era filho do chefe da KGB". Ilustrativo, do assunto e do seu contexto.
Os juízes do tribunal Constitucional, obviamente, com aquele aparato todo das becas em colectivo e em sala nobre vão fazer figuras de palhaços autênticos, ao lerem o acórdão que resolverá o assunto, aldrabando o Direito para dizerem que afinal o confisco é legítimo e constitucional porque...porque se disserem o contrário irão borda fora tarda nada. Troika oblige. E eles obedecem. Dignidade constitucional? Independência do poder judicial? Juízes de Berlim? Que é isso?! Nada poderá afrontar o poder da Troika a quem estamos sujeitos. Por isso mesmo, é tudo constitucional, mesmo não sendo nada assim.
Pergunta Santana Leonardo se não seria preferível fazer antes uma revisão constitucional...e era mesmo, mesmo. Só haveria o problema do costume: esse tipo de revisão constitucional leva tempo, contende com os princípios fundamentais e para remexer nessa mistela de esquerda, como a famigerada igualdade, será mais fácil ver porcos a voar do que crocodilos. Os ditos triunfaram e ditam a lei. O Vital não tardaria a rasgar o espaço mediático e os canotilhos todos desafiariam o senso comum, em nome do sacrossante princípio que trasmuda juízes em palhaços.

Porém, já há classes profissionais que se movimentam nos tribunais administrativos para lograr a conclusão evidente de inconstitucionalidade com letra em forma de sentença transitada em julgado. Esperam sentados, mas esperam. Mesmo sabendo que os crocodilos irão ter asas.
Os magistrados, por exemplo, não apostam noutra forma de luta. Abandonaram a ideia de greve e manifestações espúrias, porque se calhar concluiram o que deveriam ter concluído há muito tempo: quem contemporiza com aldrabões, como ladrões do erário público e com corruptos de alto coturno, não os investigando devidamente, pactuando com as pentelhices processuais, anulando provas irrefutáveis por motivos deletérios, acaba por ser vítima dessa gentalha. Como está a acontecer.
A magistratura em geral demitiu-se de fiscalizar o poder nos processos em que tal era possível. Nenhum político de topo é investigado devidamente. Nenhum contrato duvidoso e ruinoso para o Estado tem inquérito como deve ser e nenhum caso escandaloso logra chamar a atenção do "beirão honesto" que continua a proclamar que Portugal não é país de corrupção e tal é invenção dos jornais. Por isso mesmo o DCIAP continua como dantes, com o quartel-general no sítio do costume e o rameram de sempre como apanágio. O DIAP, de igual modo, continua nos fogachos contra fait-divers, com buscas urgentes em casos inúteis e a ver "crocodilos a voar", como escreve Santana-Maia Leonardo.
Foi exactamente por isso que os porcos venceram e ditam leis.

3 comentários:

lusitânea disse...

Parabéns.Enquanto a Lei não for igual para todos uns pagarão e outros receberão...

Carlos disse...

Assim mesmo!

Doa a quem doer, que cada um faça o que tem de fazer (já cantava JMB).

Cosmo disse...

Boa!

O Público activista e relapso