Uma das palavras novas que foram inventadas com o 25 de Abril de 1974 foi a palavra "excesso" com um significado político concreto.
Os homicídios, torturas, prisões arbitrárias, ilegalidades e abusos de poder, sem qualquer justificação ou desculpa que ocorreram durante o PREC são entendidos pelos pachecos e pereiras deste país ( uma expressão de Abril) como "excessos" que não desvirtuam a realização maior que foi a "conquista da Liberdade" (outra). E quem anda sempre a falar neles e a não deixar apagar a memória é nostálgico do fascismo ( a palavra-chave que resume o ideário novo que surgiu e se replicou como baratas tontas saídas dos ovos comunistas).
Recordar em programas "no limite da dor" aquele fascismo, a tortura do fascismo, a pide, as prisões, a repressão, o obscurantismo, o analfabetismo, a miséria, a censura e a ausência de liberdade em dizer mal desse fascismo em nome do comunismo, isso é uma obra meritória dos que não querem apagar a memória do antifassismo. Uma pescadinha de rabo na boca, com um círculo vicioso comunista e que não reconhece excessos no fascismo, porque são naturalmente outra coisa. A legalidade do salazarismo e caetanismo não admite "excessos" porque ela própria é o excesso insuportável de um horror que Abril veio libertar, tendo parido, apesar de tal libertação virtuosa, os tais "excessos". É esta a inteligência dos pachecos e pereiras que andam por aí a recordar o hediondo fascismo, cuja libertação compensou bem todos os excessos.
Dai a incompreensão sobre as "sevícias" ( palavra inventada em 1976, para relatar o que ocorreu até 25 de Novembro de 1975 e que substitui "tortura" com maior proveito porque sem a carga que é associada ao "fascismo", proprietário exclusivo da expressão original e que não comporta excessos por ser demasiado excessiva) e a relativização dos excessos democráticos e por isso mesmo aceitáveis, em comparação ao horror fascista.
Durante o PREC que para alguns começou logo nas primeiras horas de 25 de Abril de 1974, como atesta esta entrevista do DN de hoje a João Semedo do BE, cometeram-se "excessos". Porém, tal compensou bem a Liberdade em poder dizer mal do fascismo que era o horror excessivo por natureza.
A Liberdade conquistada em Abril, no fundo, foi apenas essa: a de poder dizer publicamente que o regime era um horror fascista. Decorrente desta, aparece a liberdade de constituição de partidos comunistas e a abolição da censura.
A Liberdade de 25 de Abril de 1974 é uma libertação para o comunismo, apenas. Quem era contra o comunismo ( e vimos bem que em 1989 toda a gente percebeu porquê, como antes tinham percebido Salazar e Caetano) não tinha qualquer problema de liberdade, em 1974. E se tinha era por um desprezível e estúpido "excesso" de zelo censório. Compreende-se por isso muito bem que sejam os comunistas os proprietários do 25 de Abril no que tange à conquista da Liberdade. Todos os demais a tinham já... e isso esquece-se porque a linguagem tem esse condão.
Por causa dessa conquista da Liberdade para os comunistas, tão celebrada agora, e que os pereiras, rosas e pachecos deste país tanto louvam ( eram comunistas nessa altura e por isso se compreende) houve os tais "excessos". Como estes mostrados no estrangeiro, porque, cá, a liberdade de imprensa tornara-se inexplicavelmente restritiva quanto a estes excessos. Foi certamente mais um efeito excessivo do 25 de Abirl, esse paradoxo de a libertação tornar mais restrita a circulação de informação pública e a repristinação de uma censura abolida. A odiosa Censura desparecera e surgia o "controlo democrático da informação" para não deixar ressurgir a odiosa Censura. Por isso, a palavra mudou, na exacta medida do sentido que passou a ser o correcto e indiscutível porque inventado pelos que foram vítimas da Censura. Não se compreende que as vítimas da Censura fossem repristinar um bicho tão feio. Seria uma contradição e por isso a Liberdade veio a compreender o "controlo democrártico da informação", amplamente praticado, sem qualquer pejo a partir daí, porque legitimado por quem era vítima da Censura.
No estrangeiro, por exemplo em França, onde não havia problemas com fascismos e censuras, a noção era um pouco diversa e por isso as imagens que seguem da L´Express de 6 de Maio de 1974, a primeira reportagem sobre " a explosão portuguesa" em 25 de Abril.
Na primeira imagem o principal arauto das Liberdades de Abril, porque simplesmente o que mais beneficiou com as ditas e aquele para quem o 25 de Abril foi realizado, na prática. Ao lado, em baixo e a aplaudir, um Mário Soares que só não veio cá por ocasião das eleições de 73, no congresso da oposição democrática, porque não quis. A mulher esteve presente, como já documentei por aqui. Hoje, no i, Soares diz que o dia 25 de Abril de 74 foi o mais feliz da sua vida. Estava em França, lá deve saber porquê...
Esta sequência de imagens mostra o que o Semedo comunista que já o era nessa altura, da UEC, quis dizer na entrevista: "foram dias de intensa mobilização dos estudantes e de toda a gente para a rua, para os locais onde era preciso fazer sentir a pressão e a força dos que queriam acabar com a ditadura: a sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, a prisão de Caxias, o Largo do Carmo, a sede da Legião, televisão, emissora nacional..."
Ou seja, a "caça ao pide", para os meter "na grelha", onde os antifassistas comunistas tinham estagiado em virtude do Horror fascista, repescado numa legalidade constitucional que os engaiolava periodicamente.
Este desgraçado "pide" foi caçado no Rossio, no Sábado, 27 de Abril de 1974. Alguém, eventualmente das brigadas de vigilância revolucionária afectas aos semedos da época, toparam o renegado índio e lá veio o tal "excesso". Preso "pela multidão", provavelmente por um semedo qualquer armado em valentão "excessivo", sem se saber que culpa teria no cartório da pide, teria sido linchado pelo tal semedo qualquer, num exercício livre do "excesso" desculpável porque filho da Liberdade inquestionável.
Não fossem os militares e teria sido cometido esse "excesso" pelos semedos da época, inebriados pela Liberdade em não serem presos por cometerem desses excessos.
Na primeira imagem o "pide" aparece manietado pela tropa. Na segunda alguém cometeu "o excesso" de lhe partir a cabeça, sob o olhar dos semedos curiosos e comparticipantes na fúria de multidão. A seguir, a tropa ( armada) lá protege o "pide" e leva-o ao hospital, topando uma ambulância que ali passava.
Seria curioso saber quem era este "pide", mas os que agora não querem apagar a memória, como os Adelinos Gomes e fotógrafos como Alfredos Cunhas não estão interessados nisso. Preferem publicar livros de imagens com os "heróis" do momento: os que permitiram estes "excessos".
A imagem do facto já tinha sido mostrada igualmente na Paris Match e mostrará a altura em que os "tropas" chamavam a ambulância que passava perto, ocasionalmente.
Durante mais de um ano, tais "excessos" foram prato do dia revolucionário e de prec, que os semedos, pereiras, rosas e pachecos exaltam agora. A mesma revista L´Express de 25 de Agosto de 1975 mostra bem como aconteceram estes "excessos" que não obnubilam o regozijo dos semedos e pereiras.
E a quem é que era atribuída a responsabilidade pela "crise" ( outra palavra inventada no pós-25 de Abri porque é em vão que se procura tal expressão nos jornais anteriores a essa data)? Di-lo o nosso kerenski: ao PCP.
Este nosso kerenski que hoje, ao i, nega tal identidade putativa, em vez de ter aproveitado a oportunidade de concitar o apoio popular num PS em via de democratização, logo em Santa Apolónia, quando chegou, remetendo o PCP para o lado obscuro do totalitarismo mais negro, preferiu ir acolher o líder estalinista ao aeroporto, uns dias depois, tendo sido logo afastado da ribalta, num carro do exércido improvisado como palco de divulgação do comunismo. Vide imagem acima, do L´Express de 6 de Maio,( julgo que nunca mostrada em jornais nacionais e que mostrem a subalternidade real de Soares em relação a Cunhal) em que aparece o nosso kerenski a aplaudir fervorosamente o estalinista que acabava de chegar, prestando-lhe a homenagem que um Carlos Magno foi obrigado a prestar ao Papa quando este lhe pregou uma rasteira no dia de Natal do ano 800.
Esse erro monumental e estratégico não o reconhece agora, o nosso kerenski. E portanto, pode ter sido esse erro a causa primeira dos "excessos".
De resto os "excessos" mais relevantes foram compilados em livro cuja capa é esta e num futuro próximo serão esmiuçados para os pereiras, rosas e semedos lembrarem e não apagarem da memória.
O que se estranha é a não utilização da palavra "excesso" que aparece traduzida como "sevícia". Talvez o fenómeno, impensável nos dias que correm, tenha ocorrido por uma mutação genética operada pela tropa. Quem fez o relatório ainda não tinha sido "dinamizado culturalmente" e doutrinado devidamente pelos semedos, pereiras e rosas. Daí a concessão da "sevícia" em vez de "tortura" e a mutação omissiva.
Em tempo:
Ontem no Público vinha mais um exemplo eloquente dos "excessos". É ler, até porque já foi tratado aqui, em tempos. Ao lado, como ilustração também eloquente do que é o regime, podemos ver as figuras da 2ª figura institucional do Estado democrático...