quinta-feira, abril 24, 2014

Uma Visão estereotipada do 25 de Abril de 1974

A revista Visão, da Medipress de Balsemão, simula na edição de hoje um número putativamente saído há 40 anos. É uma "edição especial como se tivesse sido feita em 1974".

É uma tristeza de mediocridade. Para além de algumas fotos eventualmente inéditas e outras captadas por Eduardo Gageiro, Alfredo da Cunha, Carlos Gil, etc. pouco mais se aproveita e os textos são pobres. A imitação é pífia, uma miséria e sinal de que 40 anos depois, o jornalismo português está pior que antes.
Para mostra do que se fazia, fica uma imagem com publicações dessa época e os portugueses não ficavam atrás de ninguém. Vide por exemplo o fantástico grafismo da revista Cinéfilo, dirigida por António Pedro Vasconcelos que hoje dá uma entrevista ao i, onde fala no assunto da revista.


 Para além disso, a cor em jornal diário era já uma realidade em 1973 e de grande qualidade que só voltei a ver dali a uns bons anos.



Só em 1978 o semanário Expresso e também o Jornal publicaram uma pequena publicidade a cores, nas suas edições sempre a preto e branco. Era uma publicidade a uma caneta...e num quadradinho quase em roda-pé...




Portanto, a Visão faz-de-conta tem um grafismo bisonho, quase a preto e branco, estilismo nulo, uma vergonha para os artistas gráficos dos anos setenta que eram bem mais criativos do que este ersatz deixa adivinhar.
O logro começa logo na capa. Uma revista que se propõe fazer "como se tivesse sido feita em 1974" não viola a promessa logo na capa, assim, com um desdobrável publicitário que lhe custeou a edição faz-de-conta:



Por exemplo, a suposta reportagem da chegada de Mário Soares a Portugal, vindo de Sud-Express e chegado a Santa Apolónia em 28 de Abril de 1974 ( os aeroportos estavam fechados, desde o dia 25) é assim apresentada :

Agora vejamos a "real thing" e como se fez a mesma reportagem in illo tempore de 29 de Abril de 1974. Primeiro no jornal do socialismo encapotado, dirigido pelo maçónico Raul Rêgo, um ex-seminarista, quase padre, tornado anti-clericalista militante, herdeiro da tradição jacobina de Afonso Costa.



















A reportagem noticiosa da Visão começa logo mal, para quem faz de conta que escreve nessa altura ( edição de 2 de Maio de 1974). Mário Soares só mais tarde contaria a história do que pensou a propósito de que "tudo mudara em Portugal".
Na verdade, Soares nem sabia muito bem o que o esperava, quando ainda estava em Vilar Formoso. No entanto, a recepção foi "apoteótica", um adjectivo caído em desuso para designar fenómenos deste género, como conta o Jornal de Notícias do Porto do mesmo dia 29 de Abril e a imagem do República mostra.
A linguagem utilizada, diferente num jornal e noutro é exemplar da época e pouco tem a ver com o que escreve a Visão. 


Até nisto os 40 anos que passaram foram um retrocesso.

Questuber! Mais um escândalo!