A revista do Expresso de hoje, vol.2, consagrado à efeméride redonda dos 40 anos de Abril 74, está um pouco menos conseguida que a anterior, mas ainda vale a pena.
Traz uma entrevista com Vasco Lourenço, um dos tropas do MFA que no dia 25 de Abril estava de castigo nos Açores e de lá regressou, reintegrando ( daí o epíteto lateiro) o combóio em marcha acelerada da revolução que começou por ser um golpe militar .
Lourenço sempre foi um patusco da tropa, um daqueles epás que abundavam nos quartéis durante o prec. O ar bonacheirão e as patilhas em ventoinha ajudavam ao retrato, mas as entrevistas que dava aos jornais da época eram sempre o prato do dia.
Hoje, a entrevista ao Expresso da dita revista não foge à regra. Lourenço diz que "não foi feito o julgamento do regime". Quer dizer, do legítimo que havia antes de 25 de Abril e que tinha constituição, leis, tribunais independentes, poderes separados como hoje, partidos, com excepção dos comunistas, e até foi sufragado eleitoralmente, com as restrições aludidas, naturalmente ( hoje também as há porque os fascistas, seja lá isso o que for e que até está legalmente definido (!) também não podem ser eleitos). Havia um país e um governo reconhecidos internacionalmente, com o prestígio real de não deverem as penas aos pássaros como hoje e a dignidade de um povo mais independente que hoje.
É esse povo, país e regime, que Lourenço entende devia ter sido julgado. Havia de ser bonito...e até foi tentado, com uma farsa de julgamento de "pides" e "fascistas" assimilados ( por isso os prenderam, por duas, três vezes), sem lei que os punisse e que por isso teve de ser inventada à pressa jurídica de um qualquer candal, em atropelo legal para tal efeito. Deu em águas de bacalhau, porque ainda havia bom senso, apesar dos Lourenços lateiros.
Sobre a legitimidade do Movimento dos Capitães, do MFA, do Directório, do Conselho da Revolução, isso nada que agora não interessa falar no assunto. Mesmo sobre a legitimidade usurpada pelo tal Conselho da Revolução após eleições livres e participadas pelos comunistas, em 25 de Abril de 1975 e que deram a vitória insofismável a forças políticas democráticas ( PS, PPD e CDS) Lourenço nada. Nada de nada, iô!
Sobre argumentos de legitimidade, costumam apresentar um, imbatível: "se não fôssemos nós, não poderia escrever o que escreve". Mas está enganado quem assim pensa. Isto que aqui escrevo poderia mesmo escrever, porque outros o faziam na época. Quem não o podia fazer eram os que foram "libertados" e que então queriam "libertar" o regime que combatiam subversivamente. Só esses é que estavam interditos de escrever o que queriam. E percebe-se bem porquê: a escrita dos mesmos destinava-se a substituir uma ditadura por outra bem pior e mais repressiva e por isso era proibida. Aliás, só por isso. Portanto, em matéria de legitimidade libertadora e argumentos de liberdade conquistada estamos entendidos
Vamos então à entrevista:
Lourenço diz que "o poder sempre nos tratou mal". O poder, quer dizer, o poder democrático eleito legitimamente. O MFA, o Directório e o Conselho da Revolução de que Lourenço foi sempre porta-voz, tratou sempre bem toda a gente, particularmente os que foram presos por serem "fascistas" e contra-revolucionários, "sabotadores da economia" e "reaccionários" de estirpe desagradável a comissões de trabalhadores. Lourenço, naturalmente e por isso mesmo, considera-se um "herói vivo", tal como o foram Salgueiro Maia, Melo Antunes e Vítor Alves, ícones de Abril.
Vamos lá então verificar os seus actos heróicos, in illo tempore.
Antes do mais é preciso explicar que Vasco Lourenço é uma das figuras centrais do Movimento dos Capitães e como diz Vasco Gonçalves "você é um dos donos disto, faz o que quiser" ! Outro dos "donos disto" era o Otelo. Santo Deus! Como foi possível Portugal chegar a isto?! É ler a entrevista que é de estarrecer quanto à competência e inteligência destas pessoas.
No O Jornal de 26 de Setembro de 1975, Lourenço dava conta do que se tinha passado um ano antes, no 28 de Setembro, altura do derradeiro esforço patriótico para conter o PCP e a extrema-esquerda nos limites da legalidade democrática inerente a uma democracia de tipo ocidental. Como sempre, Lourenço não percebeu a essência do assunto e contemporizou com a extrema-esquerda e com o comunismo leninista do PCP e assim se acelerou o PREC.
Nessa altura achava que o problema era de Spínola que "queria reforçar o poder pessoal". E por isso, tiraram-lhe o tapete para o oferecer ao PCP e aos doentes infantis do comunismo que seriam tratados com o remédio adequado logo a seguir. Faltou pouco. Para Lourenço sobrariam também umas gotas.
Nessa altura achava que o problema era de Spínola que "queria reforçar o poder pessoal". E por isso, tiraram-lhe o tapete para o oferecer ao PCP e aos doentes infantis do comunismo que seriam tratados com o remédio adequado logo a seguir. Faltou pouco. Para Lourenço sobrariam também umas gotas.
Ainda assim, o avisado Lourenço, fino como um alho, percebeu durante os primeiros meses de 1975 que se calhar aquela opção não tinha sido lá uma muito boa escolha e juntamente com mais oito colegas de armas, elaboraram um documento, em Agosto de 1975, quando as sedes de alguns partidos ardiam por esse Portugal fora e o povo do Norte se manifestva contra o comunismo.
No documento dizia-se o que o PS e Maçonaria, mais outros "moderados" queriam ouvir: revolução, sem dúvida que sim, mas devagar. Foi o documento dos nove, como se explicava no O Jornal de 8 de Agosto de 1975.
No documento dizia-se o que o PS e Maçonaria, mais outros "moderados" queriam ouvir: revolução, sem dúvida que sim, mas devagar. Foi o documento dos nove, como se explicava no O Jornal de 8 de Agosto de 1975.
Quando lá fora se anunciava abertamente que o PCP queria tomar conta do país; quando no Norte se proclamava o mesmo e se lutava contra tal eventualidade, Lourenço subscrevia documentos que tentavam quadrar o círculo vermelho que se apertava à sua volta. Sempre inteligente, era retratado no O Jornal desse mesmo dia:
Foi nesta altura que aconteceram casos singulares como este:
O arcebispo em causa é este e Lourenço provavelmente até se riu com o episódio. No dia 25 de Novembro, se não fossem os colegas de armas Eanes e Jaime Neves, Lourenço tinha ido parar à grelha. Provavelmente sem saber como nem porquê.
Pobre Lourenço, que continua lateiro ( porque sempre a reclamar integração) muito esqueceu e pouco aprendeu.