sábado, abril 12, 2014

O PCP mandou destruir o livro de Soljenitsine, publicado pela Bertrand em 1975 e 1977?

Nas semanas e meses a seguir ao 25 de Abril de 1974, na imprensa, assistiu-se a uma divulgação ampla e ilustrada dos antros do "fascismo", tal como eram entendidos pelos antifascistas reconhecidos, particularmente os do PCP. As instalações da DGS/PIDE, das prisões onde estiveram presos os opositores comunistas e também, como não podia deixar de ser, um campo de Cabo Verde, transformado em colónia penal ( outros países europeus tinham colónias penais para presos de delito comum), chamado Tarrafal.
Este campo de trabalho, criado em 1936 e destinado a presos de natureza politica, particularmente comunistas, funcionou como colónia penal desse tipo até 1954 e depois disso como colónia penal para presos de delito comum, a partir de 1961.

Atento o relativamente grande número de presos políticos ai encarcerados, comunistas, o Tarrafal é uma espécie de lugar de martírio, evocado pelos comunistas como prova do fascismo do regime de Salazar.
Nos anos a seguir ao 25 de Abril de 74 foram publicados dois livros, pelas edições comunistas Avante e Caminho, evocando tal lugar e recolhendo depoimentos de presos que por lá passaram e onde alguns morreram.

Em 1977, as edições Avante publicaram Tarrafal, campo da morte lenta, de Pedro Soares, com nota prévia de Francisco Miguel, um dos presos nesse campo. Assim:

Este Francisco Miguel, em 1935 tinha estado na União Soviética, a frequentar um curso de formação política, durante ano e meio, precisamente na altura em que se desenrolavam em Moscovo os tristemente célebres "processos de Moscovo", uma gigantesca purga levada a cabo por Estaline e na qual morreram milhares de cidadãos que tinham cometido o crime de discordar do regime e alguns nem isso. Não foi por actividades subsersivas, motivo de prisão por cá, no Tarrafal. Não: foi apenas por dissidência intelectual. Estaline dizimou milhares de cidadãos, incluindo colegas de partido para assegurar um poder cada vez mais absoluto.
Estes métodos e procedimentos, que o tal Francisco Miguel não poderia ignorar, até devido ao clima de terror instaurado em Moscovo nessa altura, nada disseram ao mesmo, de modo a tomar consciencia do carácter totalitário do regime comunista e cuja violência e crueldade nem tinha comparação possível como regime de Salazar. Nem isso teve qualquer virtualidade entre os comunistas portugueses que sabiam do que se passava e como era o regime que preferiam em Portugal, em vez do salazarismo.

Na mesma altura que o Tarrafal começou a funcionar, nos anos trinta, já existia na União Soviética uma série de campos de trabalho, de "reeducação", depois apelidados "gulags" para presos políticos, ou seja com um objectivo semelhante ao do Tarrafal: afastar e prender potenciais opositores ao regime.
Na mesmíssima altura em que os presos comunistas do Tarrafal passavam a experiência que depois contaram em livros, como o apontado e ainda outro, publicado em 1978, pela editorial Caminho e chamado Tarrafal-testemunhos, precisamente com relatos de duas dúzias de antigos prisioneiros comunistas, também naqueles gulags havia prisioneios a tentar contar a sua história de prisão por motivos políticos e precisamente por combaterem as ideias que os comunistas portugueses queriam introduzir no nosso país como ideologia dominante e exclusiva.
Também este livro tem um prefácio do mesmo Francisco Miguel, a testemunha privilegiada dos processos de Moscovo que perdeu a memória para falar dos mesmos publicamente e preferia vituperar os processos de Salazar que eram intruídos por meninos de coro, ao pé daqueloutros que mataram centenas de milhare de pessoas.
O livro em causa enuncia como "falecidos no Tarrafal", 32 indivíduos, sem causa apontada. Nos Gulags e em Moscovo, na mesma altura caíam como tordos e aos milhares e nem isso abalou a fé comunista daqueles que queriam o mesmo para Portugal.



Um dos presos do Gulag, Soljenitsnine, calhou de publicar na mesma altura, ou seja em 1974-75, o seu relato pessoal e literário sobre o que se passou nos campos do Gulag.
Já foi aqui contado que o livro O arquipélago do Gulag, versão francesa, foi publicada pela Seuil, em Junho de 1974, o I volume.

Por cá, a livraria Bertrand publicou tal volume em 1975 e o II em 1977.


Em França, em 1975 publicava-se o II volume, precisamente este:


O que se torna curioso e notar que em Portugal, este acontecimento político e literário passou despercebido, depois de 25 de Abril de 1974 e nenhum jornal de referência que me lembre e tenha visto alguma vez fez sequer a recensão crítica daqueles volumes. O Expresso, zero. O O Jornal zero ao quadrado. E se algum diário o fez, não me lembro e nunca vi.

No entanto, publicavam-se na mesma altura ( 1977 e 1978) os aludidos livros sobre o Tarrafal e as comparações impõem-se obviamente por coincidência de factos e circunstâncias.
 A comparação entre os dois campos, os métodos políciais, a legalidade vigente nos respectivos regimes e as consequências práticas para os "internados" são de tal modo díspares na respectiva gravidade  que nem vale apena enumerar. Aliás, uma foto pode valer muitas palavras e por isso se mostram. E no dizer dos presos do Tarrafal, o campo era " da morte lenta". No dizer do preso do Gulag, o campo era pura e simplesmente de "extermínio".


A primeira foto, acima, é extraída do livro de 1978, onde aparecem alinhados os presos, eventualmente ainda nos anos trinta.

A ilustração que segue, tirada do Paris Match de 5 de Abril de 1975  ( o assunto Soljenitsine durou um ano na imprensa europeia e internacional e nem existiu na de cá, num acto de censura semelhante aos que ocorriam no tempo de Salazar). Para além da foto do preso, não havia  fotos daquelas nos gulags ( o que os comunistas deveriam ter percebido e tal os obrigar a calar ou a deixar de defender a opressão real em nome de uma liberdade fictícia, porque a comparação era ultrajosa para qualquer inteligência mediana).




Para além destes factos que ocorreram em Portugal nos anos 1974 e 1975, há outros menos conhecidos como por exemplo um que me contaram recentemente e que vendo pelo mesmo preço que comprei, ou seja, com as dúvidas da praxe mas sem surpresa se for verdadeiro:

Na altura em que a Bertrand se preparava para comercializar um dos volumes do Arquipélago Gulag, provavelmente o I,  mas asseguraram-me que teria sido o II, daí ser mais raro encontrá-lo ( embora o ano de publicação, 1977 faça desconfiar que se tratou antes do I, de 1975) , elementos da comissão de trabalhadores da empresa impediram de facto essa distribuição alargada, destruindo muitos dos caixotes dos livros já empacotados para tal efeito, justificando que era uma obra reaccionária e contra os trabalhadores.

Se isto for verdade- e deve haver testemunhas tal como a que me contou o facto- é uma vergonha para o PCP. Um partido dito democrático que de democracia usa o nome para enganar papalvos.


Questuber! Mais um escândalo!