sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Perguntas às bochechas

Segundo o jornal Sol, de hoje, a brilhar nas bancas, o expediente remetido pelos magistrados de Aveiro, à PGR, foi autuado como um processo administrativo, com o número 62/2009 e encontra-se arquivado no livro H, da PGR. Foi nesse processo administrativo que foi proferido o despacho de arquivamento liminar, pelo PGR e cujo teor o mesmo se recusa a mostrar à opinião pública e ao povo em geral.
Assim, a pergunta: foi nesse procedimento administrativo que o expediente foi remetido ao presidente do STJ, para validação das escutas em que interveio o PM?
Não parece nada que assim seja, porque o presidente do STJ disse ontem nas três televisões que tinha recebido o expediente relativo a 11 escutas ( e sms, metade por metade) e só esse expediente foi avaliado pelo mesmo. Ainda disse que sempre supôs que esse expediente era "uma extensão" do processo de Aveiro. E faz sentido que o tenha dito assim, porque só assim o presidente do STJ, enquanto juiz de instrução criminal, pode intervir num processo. E ainda assim, poderia ter recebido tal expediente directamente do magistrado do MP de Aveiro, porque o prazo de 48 horas previsto na lei processual ( artº 188º nº 4 do CPP) e relativa às escutas é taxativo. E as diligências que se fizeram na procuradoria distrital de Coimbra e na PGR tornavam inviável, como tornaram, o cumprimento desse prazo. Por outro lado, o entendimento dos magistrados de Aveiro pode estar perfeitamente correcto, na opinião, por exemplo de Costa Andrade. E por isso, se pode dizer que o expediente entregue, não era uma "extensão" do processo de Aveiro, mas um expediente autónomo para autuação na PGR como inquérito ( ou seja, na secção criminal do STJ porque é aí que se autuam inquéritos e não na PGR).
Ora, com o que se conhece, através da intervenção do juiz de instrução de Aveiro foram validadas essas e outras escutas, como o presidente do STJ disse ontem, insinuando um erro do juiz de Aveiro.
Ora também pode não haver erro algum. Em primeiro lugar porque não é líquido que a posição teórica do único professor conhecido que defende uma tese assim, e que é Germano Marques da Silva, seja válida. Porque não tem sentido e é um absurdo. Aliás, tão absurdo que o próprio presidente do STJ não a seguiu inteiramente. Se seguisse teria que considerar nulas as escutas em que interveio o PM, logo logo por não terem sido autorizadas por ele. E não foi isso que aparentemente sucedeu, a acreditar no que disse ontem o mesmo pSTJ. Disse que até poderia revalidade as escutas se surgissem elementos de prova, o que contradiz o entendimento daquele professor que o mesmo pSTJ diz ter seguido, porque é o único que defende a tese que o pSTJ escreveu nos despachos. O pSTJ, afinal que tese seguiu, neste caso?
Portanto, o pSTJ pode ter laborado em erro, julgando que estava a despachar no processo de Aveiro que tem um número e registo específicos e não tem um número de processo administrativo nem seria um molho de papéis como aparentemente foram.
Não teria Noronha Nascimento o dever de averiguar este facto tão simples que qualquer funcionário de justiça percebe logo, só de ver a capa do processo?! E não teria a obrigação de perceber que esse expediente deveria ter passado antes pelo MP na secção criminal do STJ?
Teria, claro que teria. E porque é que não o fez? São das tais perguntas às bochechas que merecem resposta.

E ainda há outras, como por exemplo esta:
Noronha Nascimento fartou-se de dizer ontem nas tv´s que para além das escutas que lhe enviaram e só era uma escassa dúzia, a meias com sms, havia "dezenas e dezenas e dezenas e dezenas e dezenas" , repetindo por cinco vezes um conhecimento de algo que lhe estava vedado, ou seja do âmbito das investigações do Inquérito de Aveiro. Disse no entanto que daquela escassa meia dúzia nada havia de "probatório", confundindo indícios, meios de prova e provas propriamente ditas e relegando tudo para a nulidade, no seu entendimento técnico.
Portanto, a questão é esta: quem disse ao pSTJ que havia as tais dezenas e dezenas e dezenas e dezenas e mais dezenas de escutas no processo de Aveiro? Um pSTJ pode saber destas coisas, dizê-las e ao mesmo tempo, desvalorizar a meia dúzia de escutas que ouviu ( e nem ouviu todas, confessadamente), para justificar o despacho de declaração de nulidade?
E ainda outra pergunta bem bochechada: que valor terá o seu despacho proferido no âmbito de um processo administrativo em que já existia um despacho de arquivamento liminar do PGR, se esse processo não era efectivamente uma "extensão" do processo de Aveiro como o pSTJ diz agora que pensava que era?
No meu modesto entender vale zero. Menos que zero porque é inexistente. E os magistrados de Aveiro não tem de respeitar um despacho inexistente, por muito que o PGR ache que é uma "ordem" dada pelo pSTJ. Porque não é ordem alguma, mas apenas uma decisão com consequências, se for válida. Mas pode muito bem não ser, como entendo que não será.
Mas para isto haverá juristas capazes de rasgar as vestes a dizer o contrário.

8 comentários:

JB disse...

O pior é que se persiste em querer aplicar normas do processo penal a um procedimento administrativo que o PGR resolveu abrir.

Diz-se agora que os jornais só podem publicar escutas - ainda que constantes de processos que não estão em segredo de justiça - se houver consentimento dos escutados ou se as escutas constarem de despachos do MP ou do juiz de instrução ou ainda de peças da defesa do arguido. É a tese de Rogério Alves proferida há minutos na TVI (e admito que em tese esteja correcta, porque não conheço o código ao pormenor).

Mas fará isto algum sentido? Se apenas houve um procedimento administrativo do qual fazem parte as escutas como é que se quer aplicar algumas normas do processo penal (segredo de justiça, impossibilidade de publicação de escutas não constantes de despachos) e não outras (as que permitem a constituição de assistente e o pedido de abertura de instrução)? É um processo penal "à la carte"? Às bochechas? Quer dizer, o escutado - que neste caso nem é arguido - pode invocar regras processuais e o ofendido que se quer constituir assistente não pode?

josé disse...

O problema vem do CPP e do artº 88º nº 4 do CPP que cataloga um crime que não vem no Còdigo Penal e que foi acrescentado em 2007 no rescaldo do pato ( esta é da TLEBS)para a justiça.

Diz assim:

Artigo 88.º
Meios de comunicação social
1 - É permitida aos órgãos de comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral.
2 - Não é, porém, autorizada, sob pena de desobediência simples:
a) A reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina, ou se para tal tiver havido autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase do processo no momento da publicação;
b) A transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar; não pode, porém, ser autorizada a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser;
c) A publicação, por qualquer meio, da identidade de vítimas de crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual, a honra ou a reserva da vida privada, excepto se a vítima consentir expressamente na revelação da sua identidade ou se o crime for praticado através de órgão de comunicação social.
3 - Até à decisão sobre a publicidade da audiência não é ainda autorizada, sob pena de desobediência simples, a narração de actos processuais anteriores àquela quando o juiz, oficiosamente ou a requerimento, a tiver proibido com fundamento nos factos ou circunstâncias referidos no n.º 2 do artigo anterior.
4 - Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação. "

Só que isto é inconstitucional, a meu ver. E talvez se veja depois.

JB disse...

Pois, eu já fui o nº4 do artigo, que, confesso, desconhecia.

Mas o ponto é que se está sistematicamente a invocar o processo penal para umas coisas e não para outras. Para o segredo de justiça e para a criminalização da publicação das escutas, mesmo fora de segredo. Mas não para a instauração obrigatória de um inquérito (262/2), não para a constituição do ofendido como assistente e não também para o requerimento de abertura de instrução. É um processo penal "à la carte" e o primeiro que o sufraga é o PGR que abre inquéritos para apuramento do crime de publicação de escutas, mas não para o de atentado ao Estado de Direito. E é evidente que o Rogério Alves, que foi claríssimo na exposição, como costuma ser, tinha a obrigação moral de o dizer.

Insatisfeito disse...

Será mesmo aplicável no(s) caso(s) em apreço o princípio do segredo de justiça ou pelo contrário o princípio da publicidade? Veja-se :

"Segredo de Justiça" - Tribunal da Relação do Porto

Donde se conclui que, pelo mesmo até à fase legislativa que culminou na aprovação, em Conselho de Ministros, do Proposta de Lei nº 109/X, o legislador continuava sensível ao primado dos interesses da investigação criminal e da preservação do direito ao bom nome e reserva da vida privada dos arguidos (estes por força da presunção de inocência), bem como dos demais participantes processuais e vítimas, e que, por regra, continuavam salvaguardados pelo Segredo de Justiça.

Surpreendentemente, porém, em sede de elaboração legislativa no seio da Assembleia da República, verificou-se uma inversão total, passando o inquérito - fase por excelência da investigação criminal - a ficar, por regra, sujeito ao princípio da publicidade, podendo o Ministério Público sempre que entenda que os interesses da investigação ou que os direitos dos sujeitos processuais o justificam, determinar a aplicação, durante a fase do inquérito, do Segredo de Justiça (artº 86º nº 2 do CPP revisto).

Tal decisão fica, contudo, sujeita a validação pelo juiz de instrução, no prazo máximo de 72 horas.

No caso de o processo ter ficado sujeito a Segredo de Justiça, o Ministério Público, oficiosamente, ou a requerimento do arguido, assistente ou do ofendido, pode, em qualquer momento do inquérito determinar o seu levantamento (nº 3 do artº 86º);

http://www.trp.pt/mp_outros/segredojustica.html

Cordialmente

Insatisfeito disse...

Vejamos :

Por um lado não se validam as escutas porque não havia provas concretas daquilo que nelas era mencionado, mas por outro lado sustenta-se que as escutas são um meio para obtenção de provas complementares. Ora, ao anulá-las inibe-se a possibilidade de investigação e obtenção dessas tais provas complementares.

Diria que há qualquer coisa que não bate certo na argumentação por parte do pSTJ.

Ou, parafraseando, alguém está enganado : ou ele ou eu !

Ora se um simples leigo detecta tal contradição básica que dizer da autoridade de tal pessoa para ocupar tal cargo ?

Cordialmente

Anónimo disse...

Não devo ter visto a mesma coisa. Suponho que ele ontem disse que havia muito mais transcrições e que as leu todas ou praticamente todas. Não tenho o número de memória mas era muito elevado e parece-me que teria sido na SIC. Penso até que disse que apenas uma parte ínfima não foi lida porque era material a mais. Houve até uma pergunta sobre isso em que a jornalista o questionou se havia ouvido tudo e ele ficou um bocado entalado. Mas o mais curioso é que o espírito da lei é impedir a escuta do PM, PR e PAR, mas ele avalia, anulando duas e aprovando outra que é uma que não tem nada. Se são todas do PM, estamos a discutir o quê? Conteúdos? Valida uma coisa que não tem nada?

Unknown disse...

José

Verifique este vídeo http://www.tvi24.iol.pt/videos

Entendo que esta entrevista esclarece melhor todo este assunto.

Estou convencido que o PGR ludibriou o PSTG.

Diga a sua opinião depois de ouvir.

Unknown disse...

José

O que me deixa intrigado é que ele diz que uma escuta foi validada.

Mas então ele não está a quebrar o segredo de justiça?

O PGR é que o lixou bem.

O Público activista e relapso