sábado, fevereiro 27, 2010

O enigma indecifrável

O Expresso de hoje dedica duas páginas a uma análise das conversas mantidas entre os suspeitos da Face Oculta, no final de Junho de 2009.

Em 24 de Junho, Rui.Pedro.Soares para Paulo Penedos: " Disse ao Sócrates que andamos nisto há dez meses e nos últimos dias é que..."

No dia seguinte, o mesmo Rui.Pedro.Soares, segundo o Expresso, "disse sete vezes a Paulo Penedos que Sócrates não tinha sido avisado do negócio da TVI".

Mas do que parece ter sido avisado foi das escutas que decorriam e em que foi interveniente. Sendo mera especulação, esta afirmação parte de factos que se vão tornando conhecidos embora com pormenores que se vão alterando, sem mudar o essencial.

Segundo o mesmo Expresso, os suspeitos alteraram substancialmente o teor das conversas do dia 24 de Junho para o dia 25 de Junho de 2009. Mudaram radicalmente o discurso no que se refere a pormenores importantes como o conhecimento que o PM tinha do negócio.

Ainda segundo o jornal e ao contrário do que tem sido escrito ( até por aqui), os suspeitos não mudaram logo de telemóvel no dia 25 de Junho. Continuaram com os mesmos, até 1 de Julho. Mas o que mudou foi o tom das conversas e a frequência das mesmas.

Para um investigador amador tal fenómeno não precisa de nenhum inspector Varatojo: os suspeitos souberam, por qualquer modo que andavam a ser escutados.

O Correio da Manhã de hoje insiste na notícia de que houve um encontro "secreto" entre José S. e Rui.Pedro.Soares na sede do Rato, no dia 25 de Junho 2009 e tal resultará de outra escuta em que Paulo Penedos refere o encontro, nessa tarde entre aqueles. Se este facto for verdadeiro, a suspeita sobre o encontro, o tema e o resultado adensa-se perigosamente para um facto fumegante.

Seja como for, parece inequívoco que houve uma quebra muito grave do segredo da investigação criminal no dia 24 ou 25 de Junho de 2009 e tal aconteceu depois de o titular do inquérito de Aveiro se ter encontrado com o PGR.
Os jornais de hoje ( CM, Público e Expresso e ainda o i) não estão com meias medidas sobre as suspeitas que recaem também, naturalmente, sobre o próprio PGR.
Apesar do seu ar agastado de ontem, não deve estranhar tal facto, perante os factos que se apresentam: é assim mesmo que as coisas são. Antes de lhe ter sido dado conhecimento, o segredo de investigação mantinha-se, tal como se manteve depois, relativamente aos media. Mas depois disso, os suspeitos foram alertados.
Qualquer investigador criminal não pode ignorar tal facto sob pena de entender que há pessoas acima de qualquer suspeita.
E o PGR Pinto Monteiro não pode pretender colocar-se acima de qualquer suspeita, naturalmente, porque isso seria ilegal, inadmissível e incongruente.

Portanto, resta aquilo que o Público aflora: uma investigação em que o mesmo terá de ser ouvido como suspeito, tal como outros que serão muito poucos e menos se calhar do que a meia dúzia que tomou conhecimento do seu despacho de 18 de Novembro.

Segundo se refere nos jornais, a quebra de segredo estará a ser investigada desde Julho, no DIAP de Coimbra.
A investigação desta quebra muito grave de sigilo e que comprometeu seriamente as investigações criminais que se desenrolavam, com possibilidade de sucesso como se verifica pelo que se sabe até agora, é difícil e provavelmente destinada ao fracasso. Por várias razões:

Para se saber quem soprou a informação aos suspeitos, deverá em primeiro lugar fazer o que Umberto Eco sugere no seu livro O Nome da Rosa, através do detective medieval Guilherme de Baskerville: a prática do raciocínio abductivo. Ou seja, partir de uma hipótese plausível, mesmo improvável, segundo uma configuração em que intervenha os outros dois tipos de raciocínio: o indutivo e o dedutivo.
O detective deve ponderar a quem aproveitaria a quebra de sigilo naquele momento. A resposta, será, natural e cristalina: ao poder político que se via em palpos de aranha se tal não acontecesse. Perante uma prova evidente de manigâncias várias sobre manipulações de mercado e de empresas públicas e onde o Estado tem participação privilegiada, através de um bando de malfeitores, o próprio primeiro-ministro via-se envolvido, sem escapatória de um atentado ao Estado de Direito, ou na versão mais soft e adormecida, de um atentado inadmissível ao satus quo político.

Já se viu sem margem para dúvidas que aos investigadores do processo principal em que tal foi descoberto não repugnaria nada e tudo aconselharia que se fizesse uma investigação rápida, acelerada e urgentíssima aos factos que se desenrolavam em directo e com intervalo de dias ou horas de concretização ( os contratos estavam prontos). Sugeriram ao PGR que assim se procedesse. E tal não implicaria uma eventual validação de escutas posterior se fosse reconhecida a urgência.
O PGR assim não entendeu, ab initio. Discordou do entendimento dos magistrados de Aveiro e guardou as peças processuais que lhe entregaram para tal. Só as despachou um mês depois disso.

Portanto, aos investigadores da PJ e aos magistrados de Aveiro não deve ser imputada a suspeita de quebra de segredo, por um simples raciocínio dedutivo e indutivo.

Quem resta, de fora, na lista dos suspeitos ? Os que tiveram acesso ao segredo da escuta. Como é que este segredo pode ser violado? Por vários modos e feitios. Através de uma conversa particular com este ou aquele ou aquela. Basta quem alguém que saiba sopre numa simples conversa, a simples informação: o PM e o Vara andam a ser escutados num processo. O PM alertado de tal facto, sabedor do que andou a fazer nesses dias, percebe imediatamente o que foi escutado e com quem falou e porquê.
Daí a reunião no dia 25 de Junho? Porque não, se é um elemento dedutivo importante para uma suspeita, tendo em conta os factos posteriores conhecidos?

Mas sobra ainda a hipótese abductiva: o PGR andou, ele mesmo a ser escutado. Como? Por telefone? Não parece porque o PGR não poderia falar ao telefone sobre este assunto, de acordo com a sua própria presunção inilidível de inocência. Portanto, não falou ao telefone.
Mas...um investigador pode aceitar essa presunção sem mais? Não pode e por isso terá que investigar se alguém que teve acesso ao segredo falou ao telefone no dia 24 ou 25 de Junho e com quem falou. Mas com poucas ou nenhumas possibilidades de sucesso. Sendo magistrados, a autorização de consulta das conversas não tem grande possibilidade de sucesso- a não ser que os mesmos autorizem.
Portanto, resta outra coisa: saber rigorosamente o que fizeram no dia 24 e 25 de Juhno até á hora do almoço. Com quem estiveram, com quem dormiram, com quem se cruzaram e falaram etc. Todos esses pormenores contam para que se possa atingir o resultado desejado: descobrir indícios, apenas indícios sobre o violador do segredo?
Será isto possível num inquérito em que as pessoas envolvidas apenas podem ser ouvidas como testemunhas, obrigadas a dizer a verdade mas cuja declaração pode interromper-se se forem obrigadas a dizer algo que as comprometa?

Perante este panorama que a nossa lei processual penal implica, a resposta à pergunta inicial é esta: Nunca se saberá quem foi o informador de José S. e A. Vara sobre o facto que constitui a maior violação de segredo de justiça que há memória, pelo dano que provocou.

Mas sabe-se quem ganhou as eleições em Setembro. Numa vitória que o vencedor considerou, estranhamente, na altura, "extraordinária".

De facto, tinha mesmo razão: foi extraordinária, mas falta saber quem lhe deu a mão, escondendo o gesto.

13 comentários:

josé disse...

Fica aqui uma infrmação suplementar para quem precisar:

No dia 24 de Junho de 209, o PGR teve a reunião com os magistrados de Aveiro E Coimbra, ás 11.30.

Às 15.30 teve uma reunião com uma "equipa especial do DIAP" e às 18.30 teve uma reunião no STJ.
Estas informações estão no site da PGR.

Se nestas reuniões não falou com ninguém sobre o assunto, o PGR não é suspeito de coisa nenhuma.

JC disse...

Não é suspeito porquê?
Não pode ele próprio ter avisado directamente os escutados ou alguém próximo deles de que tinham os telefones sob escuta?

Anónimo disse...

Comparado com o tempo que demorou a despachar, foi um tirinho.

Laranjada Ovarense disse...

Que sistemas de informação utilizou ... ?
email, computadores, Citius e equivalentes quejandos ...
Mas deve ter mesmo bufado para o Socras.
De facto basta atravessar o Largo da Rataria ...

Tino disse...

Para ilibarem o PGR inventaram uma carta de denúncia das escutas enviada ao Armando Vara.

Tinha se ser o jornaleco do Marcelino a divulgar a carta (forjada) e a realçar que tal carta iliba o PGR...

Anónimo disse...

Estranho é que a carta não seja afinal anónima, que tenha um número de telefone, que a SIC já tenha contactado o senhor que assina a carta com as iniciais, que o senhor que atende o telefone tenha mesmo esse nome e que a justiça não o tenha ouvido. Faz lembrar a célebre frase da senhora procuradora sobre o DVD: "não conheço nem estou interessada em conhecer".

Unknown disse...

José
Só podia ter sido o procurador, porque o acto de arquivamento pendia uma conversa onde conste que o nosso primeiro não sabe nada do negócio.
O despacho de arquivamento do procurador como está escrito no SOL, Cito “No despacho de 18 de Novembro de arquivamento das certidões o procurador valorizou uma escuta do dia 25 de Junho às oito da noite em que Rui Pedro Soares fala com Penedos”, a já famosa escuta onde consta que ele está fodido por não saber do negócio.
Mais claro do que isto?

carlos disse...

O melhor mesmo é a inventona de hoje do DN (quem mais?)sobre a carta que o AV recebeu a informar que o JS estava sob escuta.
Assinada e tudo.
Hilariante. Chegámos ao fundo.

Josão disse...

“A acumulação de signos ostensivos não esclarece por mera indução o significado do termo, se não houver um quadro de referência, uma regra metalinguística (ou melhor, metassemiótica), de certa forma expressa, que diga segundo qual regra se deve entender a ostensão.
Neste ponto passou-se já para o mecanismo da abdução” in Signo, Enciclopédia Einaudi, vol. nº 31, INMC, 1994.

Josão disse...

Na abdução, da regra vai-se ao caso e, daqui, ao resultado, sendo que o resultado é já um prius argumentativo verificado, do qual se chega à regra que, com o caso, são estádios argumentativos produzidos pelo raciocínio."Castanheira Neves"

Mani Pulite disse...

DE SER O SUSPEITO NUMERO UM DE "BUFAR" NÃO SE LIVRA O MONTEIRO.TUDO APONTA PARA ELE.TAL É INCOMPATIVEL COM A CONTINUAÇÃO NO CARGO.PARA ALÉM DISSO HÁ TODAS AS MANOBRAS QUE TEM FEITO PARA ENCOBRIR O SÓCRATES DESDE HÁ ANOS.TUDO LHE ASSENTA COMO UMA LUVA.

LUIS BARATA disse...

Este post devia ser lido e relido pela Dra.Cândida para ela perceber que a mais importante fuga de informação no processo Face Oculta não é tudo o que foi parar ao "SOL" mas sim os arguidos terem sido avisados de que estavam a ser escutados: isto é que prejudicou seguramente a investigação que estava em curso.

josé disse...

A dr. Cândida, felizmente, não mete aqui o bedelho.

Quem mete de algum modo é o director do DIAP de Coimbra, por motivos que julgo entender serem da competência dessa área, os factos em investigação e também a directora do DIAP, Morgado, porque o PGR lhe remeteu a notícia da violação que entendeu ser grave, do segredo que o seu despacho de 18 de Novembro consistia.

Portanto, vou continuar a armar em Baskerville e vou adiantar mais pormenores da investigação paralela e fictícia. Mais logo.

O Público activista e relapso