terça-feira, março 23, 2010

A politização da justiça

J.N.:

O primeiro-ministro José Sócrates está na lista de personalidades que o PSD pretende chamar à comissão de inquérito sobre o caso PT/TVI. O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, também consta da lista.

O PSD é o primeiro partido a assumir que deseja ouvir os esclarecimentos do primeiro-ministro na comissão de inquérito sobre a actuação do Governo na compra da TVI e a relação do Estado com a comunicação social.

O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, está no topo da lista de 12 personalidades que os sociais-democratas pretendem chamar ao Parlamento.

Seguem-se o procurador do Ministério Público de Aveiro, Marques Vidal, o procurador distrital de Coimbra, Braga Themido, e o director da PJ de Aveiro Teófilo Santiago.

Chama-se a isto, a esta atitude do PSD, politizar a justiça. E é um erro grave, a meu ver. E porquê?

Chamar um procurador-geral a depor num inquérito parlamentar não é inédito, mas é pouco usual. A última vez que tal aconteceu, foi por iniciativa do PS, numa atitude que se pode classificar como hostil e para amesquinhar o antigo PGR Souto Moura. Foi por causa de umas disquetes esquecidas numa caixa e que continham coisas "gravíssimas" como registo de chamadas numa lista remetida pela PT a pedido dos investigadores do Casa Pia.

Percebeu-se então porquê e agora ainda melhor se entende: o PS queria mesmo envolver o antigo PGR num processo que lhe acarretasse responsabilidades, mesmo penais, por motivos que todos agora sabem: ressabiamento pela investigação a alguns dos "seus", com receio e modo de defesa preventiva da imputada "decapitação" do partido.

Nesse inquérito parlamentar, o antigo PGR deu "show", como se dizia antigamente. Perante os ricardos rodrigues obrigados a estudar penal à pressa, o antigo PGR ensinava disso há muitos anos...

Agora, o PSD pretende um efeito parecido mas com alvo mais alargado: para recolher elementos sobre o envolvimento do primeiro-ministro no negócio frustrado da TVI com a PT, o que poderão dizer os magistrados do MP chamados a depor, num modo que as "fórmulas regimentais" não contemplam?

Sobre matérias em segredo de justiça que são aquelas que estão em causa e que sejam do conhecimento dos mesmos, nada podem dizer.

Esclarecer se José S. foi ouvido em escutas interceptadas é do conhecimento público, não foi negado por nenhum dos envolvidos e por isso é um facto. Saber o que disseram, não podem dizer. Nada de nada.

Falarem sobre o processo que ainda decorre e por isso envolver uma entidade autónoma como o MP, através de dois dos seus magistrados e ainda o PGR e a própria polícia judiciária ( o coordenador da PJ de Aveiro também terá sido convocado) é um erro grave porque implica uma menorização do princípio da separação de poderes, uma vez que o legislativo, neste caso pretende envolver o poder judicial ( as escutas foram autorizadas por um juiz de instrução) em modo lato, num assunto que nem sequer está encerrado.

Argumentar que se trata de um aspecto desse processo, a latere, que não chegou a investigação criminal também não colhe verdadeiramente porque ainda existem requerimentos na PGR para serem apreciados nesse sentido ( segundo os jornais, Manuela Moura Guedes requerer a abertura o inquérito sobre esse mesmo assunto).

Restaria a meu ver outra possibilidade, essa sim de relevo e importantíssima: saber porque razão o MºPº não abriu inquérito para investigar um primeiro-ministro em funções.

Essa pode muito bem ser uma questão política. E que o Parlamento poderia eventualmente discutir. Apenas com o PGR.

E tentando saber junto do presidente da República, porque se cala. Meter todo o MP ao barulho é demais. E contraproducente. Para além de ser de uma legalidade duvidosíssima.


3 comentários:

Anónimo disse...

O Partido Socialista politizou todos os casos graves em que se viu envolvido e usou a televisão para produzir ameaças generalizadas, disfarçadas de indignação, a que chamou "campanhas negras", incluindo este último caso, com aquelas declarações criminosas do ministro da economia, que só deram em nada porque somos o que somos. Teriam o PS e aquelas figuras de proa da democracia e das viagens peregrinas à ilha de Man, uma boa oportunidade para, na presença do magistrado, do juiz e da PJ na comissão, discutir e demonstrar o que disseram sobre a natureza do processo e sair dali vitoriosos. A questão é que o PS acha que aqui não há responsabilidade nenhuma, nem política nem criminal, ou seja, não há nada. E aqui há porcaria até ao pescoço, com provas legais que o PS não aceitará nem aquando do fim do segredo de justiça. Nem é preciso ir muito longe: para o PS nem sequer a raiz disto tudo, José Sócrates, pode ser chamado à comissão, o que logo à partida diz tudo sobre a noção que têm sobre responsabilidade de um modo geral, estando disponíveis para prestação de esclarecimentos em sessão ordinária na AR, onde podem abandalhar sem implicações jurídicas e ditar eles próprios a agenda, sem se esquecerem da parte da justiça que lhes convém. Só não concordo na totalidade com o princípio do texto do José porque não lidamos com uma espécie normal, mas com uma associação rosa que de político só tem o assento na AR e que recorre à legalidade e à moral ao sabor da direcção dos ventos. O mal de tudo isto é que o senhor Sócrates andou a fazer asneiras e por muito que tente negar ninguém isento acredita nele porque ele chega ao cúmulo de dizer que os impostos nem vão subir num dia e faz o contrário no outro. Pela alteração do conteúdo do site do PS para omitir a alegada proveniência do relatório da OCDE e vigarizar a opinião pública já podemos ver com quem lidamos. E com esta gente só se pode ter um coisa: cuidado, porque esta gente só recorre à lei quando está aflita. E altera-a, aos bochechos e a la carte.

ORLANDO FIGUEIRA disse...

Caro José:

Que saudades temos de Souto Moura...

UM MAGISTRADO DO Mº Pº que teve o pecadilho de ser inábil, ou talvez demasiado puro, perante a comunicação social...

Pena é que o Mº Pº não tenha muitos Soutos Moura, Lopes do Rego, Maia Costa, Neves Ribeiro...

josé disse...

Amílc:

Souto Moura não era ingénuo qb. Era apenas magistrado. E nunca foi do futebol e outras futeboladas na ética e na lei. E isso o PS não suporta.

Ricardo Rodrigues tem experiência pessoal dessas coisas.

Esse indivíduo, nocivo à vida democrática porque tem um historial que nada aconselharia sequer a que fosse eleito deputado, anda por aí nas comissões que lidam com estas coisas.

O Público activista e relapso