
Entrevista de José Miguel Júdice ao i de hoje. Sobre a Justiça, podemos ler qualquer coisa que de há uns anos para cá, mudou radicalmente. Para Júdice, hoje, o Ministério Público não presta. "É uma anarquia" Portanto, para Júdice, o problema do M.P. é idêntico ao identificado por Proença de Carvalho e outros que asseguram sempre a manutenção do establishment. Precisam disso como de pão para a boca. E por isso defendem o que defendem.
Fica tudo claro e cada vez mais transparente, a razão por que o Ministério Público de base, ( que não o de topo, note-se e veja- se por isso o rabo de fora do gato felpudo escondido) incomoda este establishment: o perigo de investigação do centro da corrupção, com foco na mais alta estrutura política. Neste momento, o perigo passou, mas não é seguro que não volte um dia destes, como se pode ler pelas parangonas de alguns jornais. E isso é terrível para quem preferiria o silêncio da omertá ou o segredo de justiça de processos sem escutas.
Haverá coisa mais clara que esta? Ora confira-se:
i- Como é que avalia a actuação do procurador-geral da República e do presidente do Supremo Tribunal de Justiça neste caso das escutas?J.M.J.- De novo, escrevi um artigo que dizia esta coisa que parece para mim óbvia do ponto de vista jurídico, que não tem que ver com os poderosos, tem que ver com os frágeis, com os pequeninos, com os que não têm com que se defender. É completamente ilegal e inconstitucional pegar em escutas que foram determinadas para a pesquisa de certos crimes, provavelmente cometidos por certas pessoas, e usarem essas escutas para a investigação de outros crimes, hipoteticamente, cometidos por outras pessoas.
Na sua opinião Pinto Monteiro…
Na minha opinião a única resposta que devia ter sido dada quando aparecem naquelas escutas outras escutas que hipoteticamente pudessem ter tido que ver com a prática de um crime era terem sido destruídas, ou serem postas de lado. Nessa lógica está a colocar-se toda a gente sob escuta. A escuta é um meio excepcional.
Concorda, portanto, com a decisão de Pinto Monteiro?
Concordo, acho que eles deveriam ter dito o que não disseram. Deveriam ter dito que de facto não é possível com base nas escutas investigar outros crimes que não aqueles para os quais as provas foram determinadas. O que foi dito é que não havia indícios de que tinha havido crime de atentado conta o Estado de direito.
Pinto Monteiro tem sido um bom Procurador?
Ora bem, ser PGR em Portugal é um cargo inviável. É dos tais cargos impossíveis. Embora curiosamente, posso dize-lo, a certa altura fui procurado por uma grande figura do Ministério Público que me disse esta coisa muito simpática: temia-se que fosse o Proença de Carvalho e essa pessoa dizia que se fosse eu não teriam nada a opor. Antes Júdice a Proença de Carvalho, o que é uma grande homenagem. Aliás, eu costumo dizer que haveria dois advogados que eu escolheria se precisasse de um advogado para um assunto legal: Proença de Carvalho e o Luís Sággara Leal. Para mim, são o epítome dos grandes advogados portugueses. Há outros excepcionais, mas estes são os dois modelos que eu tenho à minha frente. Quanto ao PGR, é um cargo impossível porque o modelo jurídico do Mistério Público baseia-se num pressuposto que não está a ser aplicado e que ninguém consegue aplicar. É modelo da hierarquia. A hierarquia é o que permite aquela instituição. Se não houvesse hierarquia, se aquilo fosse uma colecção de advogados, o sistema não podia funcionar assim.
O que está a dizer é que o procurador não tem poder.