Uma das consequências quase imediatas do 25 de Abril foi o
aparecimento súbito de um novo dialecto político que se sobrepôs à linguagem
corrente então usada nos media para designar os fenómenos dessa natureza.
Tal dialecto era bastardo porque de paternidade desconhecida,
mas foi adoptado desde sempre pela esquerda marxista, particularmente a comunista. Foi introduzido na linguagem corrente dos media logo nos dias a seguir ao 25 de
Abril e que denota quem passou a controlar o novo discurso político. Esta arma linguística foi essencial para se
organizarem ideias e conceitos que foram adoptados nos meses a seguir e
integraram o processo revolucionário desde logo iniciado, por força da
influência dos partidos de esquerda imediatamente organizados.
O PCP combatia o regime do Estado Novo, desde
sempre e o PS, surgido em 1972, com matriz vincadamente marxista, eram praticamente os únicos que tinham
estruturas de combate ideológico , clandestino e de matriz internacional ( tal se comprovou em Londres no Verão de 1973, com Mário Soares).
A
extrema-esquerda, espúria ao PCP e por este combatido como doença infantil do
comunismo, apenas replicava a linguagem
marxista com acrescentos maoistas de luta ideológica contra os comunistas de
matriz soviética. Farinha do mesmo saco e dialectos da mesma família.
Por isso mesmo , o dialecto não foi inventado na hora da
revolução mas vinha de trás, da propaganda comunista, particularmente, e era a linguagem corrente dos seus órgãos de
informação e propaganda como O Militante e o Avante, do PCP clandestino. Ou então dos samizadts da
extrema-esquerda onde militavam luminárias tipo Pacheco Pereira e Fernando
Rosas, (sobrinho de um ministro de Salazar).
Torna-se por isso muito interessante observar a evolução
desse dialecto, nos media logo nos dias seguintes ao 25 de Abril de 1974.
Como já foi por aqui inventariado era escassa a informação
política geral, nessa altura em Portugal.
O primeiro livro que tentava esclarecer o público em geral sobre as
correntes ideológicas e políticas foi o já mencionado
4 Ismos, saído em Junho
de 1974.
Antes disso já o dialecto marxista e bastardo tinha tomado
conta da linguagem corrente nos media e modificado, para sempre o modo de
designação do antigo regime, de Salazar e Caetano, da polícia política, dos
fenómenos como a guerra que tivéramos, etc. etc.
O jornalismo nacional da época, com os seus próceres de
Esquerda, muitos deles comunistas encapotados e que tomaram conta do discurso e
das organizações sindicais, foi o autor da mudança de linguagem e o patrono da
adopção do dialecto bastardo.
Os jornais dos dias seguintes, como aqui já mostrei,
particularmente o ignóbil Diário de Lisboa do ainda mais nefando Ruella Ramos,
adoptaram imediatamente o dialecto comunista e o socialismo de Mário Soares e
Rui Mateus fizeram o mesmo porque ainda
não tinha metido o marxismo na gaveta que impedia os mesmos de contemporizar com os
capitalistas e de caminho encher os bolsos do partido ( não tinham URSS para lhes mandar dinheiro e o SPD alemão, fonte de financiamento, não era marxista...).
O primeiro livro a ser publicado depois do 25 de Abril de
1974 relatando os acontecimentos ocorridos, foi este, da autoria de cinco
jornalistas, todos de esquerda e alguns mesmo comunistas: Afonso Praça ( Flama, Diário de Lisboa e República e que viria a surgir um ano depois na fundação de O Jornal); Albertino Antunes ( supõe-se que seja
este que foi depois fundador da TSF); António Amorim ( não sei quem seja); Cesário Borga, ( Flama, Capital e Diário de Lisboa e depois de outros media, como a RTP, onde foi correspondente em Espanha); Fernando Cascais ( Flama, República e Vida Mundial além de
outros cargos) .
O livro surgiu logo em 5 de Maio de 1974 e a 2ª edição aqui mostrada saiu na alturam em que foi anunciada a composição do 1º governo provisório, ou seja, logo depois de 15 de Maio.
É impressionante como aqueles cinco jornalistas com formação in loco, de amanuenses a escribas, passam a usar o dialecto marxista que não usavam até então nos periódicos onde trabalhavam. Uma boa parte deles vinha da Flama, uma revista de
proveniência Católica e que chegou a pertencer à União Gráfica.
Por isso é extraordinário que a linguagem do Partido se lhes tenha afigurado como a mais
natural para relatar os acontecimentos, designando as coisas com outros nomes
que passaram a usar como palavras-chave do novo dialecto bastardo.
Vejamos.
Em primeiro lugar a palavra-mágica, "fascismo", que nunca tinha sido usada para designar o regime de Salazar do Estado Novo a que sucedeu o do Estado Social de Marcello Caetano, passou a ser o designativo comum do antigo regime, com uma particularidade interessante: depressa o tempo de Marcello Caetano foi elipticamente erodido e Salazar passou a ser a figura fascista por excelência. Vindo da imagética dos anos 50 e 60, o tal "fascismo" de Salazar só o fora para o PCP, à semelhança de outras paragens, nomeadamente em França, onde até o regime de De Gaulle, nos anos sessenta era fascista...
Escusado seria argumentar que Salazar nunca fora fascista e que o regime, apesar de autoritário, não se configurava como tal, porque a ideia feita que ficou depois da propaganda dos media, em massa, foi que o "fascismo" era o regime anterior. E assim ficou.
Ninguém, na altura se lembrou de recordar historicamente a origem dos partidos comunistas e a sua ligação umbilical aos verdadeiros fascismos e nazismo. Todas as discussões ideológicas à volta dessa realidade histórica, deixaram de se fazer em Portugal porque nunca se tinham feito antes e o PCP surgiu como uma força democrática de renovação intelectual. Ignorância daquele jornalismo? É provável mas continua a ser incrível.
Depois, a inversão de valores. Os novos heróis passaram a ser os traidores à pátria, ainda poucos dias antes. Os desertores e refractários, na sua esmagadora maioria por cobardia pessoal( é uma afirmação minha que julgo ser a mais correcta), passaram a ser as vítimas de uma guerra indigna que em vez de ser chamada "guerra do Ultramar", como até então apropriadamente era chamada, passou logo a ser designada no dialecto bastardo como "guerra colonial", nome que pegou de estaca porque esvaziava de sentido patriótico o esforço, sacrifício e até heroicidade de muitos milhares de militares portugueses que não fugiram, desertando.
Por fim outra mutação linguística ligada umbilicalmente à clandestinidade comunista: a polícia política tinha sido criada nos anos trinta como PVDE e no fim da II guerra mudou o nome para PIDE. Foi nessa altura que o Tarrafal se encheu de heróis comunistas e as prisões de Caxias e Peniche albergaram tais heróis do comunismo internacional que queriam que Portugal tivesse uma NKVD e depois uma KGB ou uma STASI em vez daquelas porque achavam-nas muito mais simpáticas e humanitárias. Para impedir tal desiderato, os comunistas eram presos, com culpa formada e julgamentos feitos.
Em 1969 a PIDE deixou de o ser e passou a ser DGS, um nome burocratizado numa irrelevância omissa na sibilância pejorativa do antigo nome maldito, inscrito em aljubes e com ressonância neo-realista. Durante cinco anos foi DGS. Em 1974, dias depois do 25 de Abril passou a PIDE/DGS e pouco tempo depois, comprimiu-se outra vez à antiga e querida designação de tão boas memórias antifascistas, sempre no "limite da dor". PIDE foi e assim ficou.
Os jornalistas, esses, chamaram-lhe um figo e PIDE ficou para sempre. Já ninguém sabe o que foi a DGS, e nem sequer os antigos "pides" a pronunciam.
Neste livro, a transição de PIDE/DGS para PIDE é bem visível e ultra rápida porque ocorre no espaço de algums parágrafos...
E quem é que foram os operadores desta mutação genética na linguagem corrente, enxertando o dialecto bastardo?
Foram os jornalistas. Estes e outros...quase todos os existente, por mimetismo ou ignorância atávica.
E quem se opunha a tal dialecto, resistindo a um enxerto bastardo na linguagem secular? Poucos, muito poucos e todos...fascistas, pois claro. Mortos civicamente e mediaticamente censurados.
O fenómeno foi único, na Europa ocidental. Ninguém parece querer reconhcer que temos uma linguagem bastarda e estrangeirada, proveniente do marxismo mais fóssil que havia. A Constituição de 1976 mostrou logo o mostrengo. Mas ninguém o vê...